A Senhora da Montanha escrita por Josiane Veiga


Capítulo 8
Capítulo 8




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A Senhora das Montanhas

Capítulo VIII

Por Josiane Veiga

O sol encontrou a pele de Live e a aqueceu. Ela era um tanto branca demais para uma hindu e não podia ficar exposta em excesso pois se transformava em um pimentão ardente, e portanto, ao sentir o calor, mais uma vez amaldiçoou mentalmente o pai alemão.

Caminhando pelo vilarejo, parou em frente a uma vitrine de uma mercearia. O reflexo exposto não era totalmente desagradável, mas a guardiã sabia que demoraria muito para ser considerada bonita ou tão bonita quanto Samantha.

Tentou desviar os pensamentos do casal que ficou no Centro de pesquisas, mas não conseguiu. Não bastava Nicolas estar presente todas as sextas feiras em sua vida, agora também teria que suportá-lo durante o resto da semana? O que fizera aos céus para estar merecendo aquilo? Por que ele insistia em aparecer no Centro quando não devia estar lá?

Me deixa ajudar você...” –ele havia dito.

Devia ter respondido que a melhor forma de ajudá-la seria sumindo de sua vida. Mas de que adiantaria? Teimoso como ele era, muito provavelmente a obrigaria a tolera-lo apenas para vê-la com raiva.

E Samantha? A francesa se atrevia a reagir enciumada? Quando Nick havia lhe pedido para deixar ajudá-lo, a ruiva esnobe praticamente saltara da mesa e reagira com um tom pastoso na voz. Que idiota! É lógico que Nick jamais sentiria algo por Live, então não havia motivos para despertar nenhum tipo de possessividade na outra.

Aqueles dois eram realmente um casal estranho.

Casal?

Bom, não sabia se eles estavam seriamente juntos. Nunca havia visto algo demais entre eles, mas o espanhol dera a entender que estava com Samantha quando lhe dissera que ela lhe oferecia algo que somente mulheres atraentes oferecem a homens como ele.

Dane-se!

Tinha que se livrar dos pensamentos que insistiam em ir até Nick. Se estivesse ou não com a ruiva, isso não lhe importava. Já estava com vinte e três anos e nunca sentira falta de um homem em sua vida. Iria ficar sofrendo agora por quê?

-Srta. Kamadeva...

A voz que a chamou era firme e masculina. Ao virar-se em direção a ela, viu Nirek Sabal, o sacerdote de Brama que morava no vilarejo.

-Sr. Sabal... É um prazer vê-lo.

-Já notou como sempre nos encontramos neste lugar? – ele respondeu sorrindo.

-Não havia percebido, mas é verdade. Sempre nesta rua, próxima ao Centro de Estudos.

Nirek estendeu o braço e Live aceitou. Os dois foram caminhando lado a lado, como velhos amigos em direção a uma praça.

-Sabe Live, um lugar assim... – disse, mostrando a natureza predominante do terreno – é um local sagrado aonde os deuses vem passar seus dias. O mundo não respeita isso! Nós, aqui na Índia, temos muitos problemas e até mesmos erros dentro de nossos dogmas, mas não somos como o resto da humanidade, que não consegue amar a criação.

-Nem todas as pessoas são assim.

Os dois sentaram-se em um pequeno banco, próximo a uma fonte de água.

-Sim, eu sei. Sua mãe adotiva, por exemplo, é uma bióloga ecologista, não? Qual a religião dela?

-E cristã – falou, orgulhosa de Maire.

-Ela ama a criação! Ela é uma verdadeira professa! Muitos se dizem religiosos e tementes ao deus que servem, mas não são capazes de amar a criação de Deus. Há alguns anos estive visitando a Europa e conheci muitas pessoas que se diziam cristãs, outras muçulmanas e até hindus. Mas quando passavam por um ser humano na rua, ou até mesmo por um cachorro com fome, eram incapazes de estender a mão. Isso não é religião, filha, é uma mentira. Religião é o que você tem dentro de você! É a sua vida e relacionamento com Deus. O resto é inverdade e enganação.

Surpresa e ao mesmo tempo encantada pelas palavras do sacerdote, Live não o interrompeu.

-Quando eu olho para você, Live, eu vejo a verdadeira religião. O que você está fazendo por aquelas crianças é a verdadeira religião.

Sem perceber os olhos da jovem ficaram repletos dágua. Percebia que as palavras de Sabal não eram uma reprimenda ao mundo, mas a si mesmo. Queria poder ajudá-lo, mas não podia, pois existiam batalhas que eram na alma e cada ser humano tinha o direito de escolher, mesmo que essa escolha trouxesse dor.

Sentiu então as mãos grandes do homem juntarem-se as suas. Quando iria abrir a boca para confortá-lo, ele falou:

-Consegui o telefone de sua mãe Micaela em um arquivo de seu avô que ficou comigo no templo. Aliais, ele doou para mim todos os seus livros e pertences históricos, você sabia?

Ignorando totalmente a herança simbólica que o avô deixará para Sabal, ela perguntou:

-Conseguiu o telefone de Mic?

-Falei com ela no domingo à noite.

-Falou?

Sentiu-se uma tola por estar repetindo tudo que ele dizia, mas a surpresa era grande.

-Ela aparenta ser uma mulher muito inteligente e culta. Eu conheço um pouco de espanhol e pude conversar com ela tranqüilamente.

-O senhor ligou para Mic e conversou com ela? Do que falaram?

-De você.

-De mim? O que falaram de mim?

-Tudo. Desde que você nasceu. Ela se mostrou bastante curiosa com a história de sua vida. Admitiu a mim que alguns fatos não conhecia, pois não chegou a conhecer seu avô. Creio que alguns fatos, nem você conhece.

-Quais?

-Sua mãe biológica, por exemplo, apesar de se casar jovem, tinha problemas para engravidar e para este feito, me procurou há alguns anos para dedicar o ventre a Vishnu. Pouco tempo depois ela engravidou.

Live sorriu.

-E Micaela achou isso interessante? Ela deve estar sentindo muito a minha falta, mesmo! Extremamente racional, ela acharia tudo isso uma grande bobagem.

-Ela gosta muito de você – ele disse o obvio – e se interessa por tudo que lhe diz respeito – respirando fundo, ele continuou – não pude deixar de contar a ela o que aconteceu com Taj e a maneira como você enfrentou a todos.

Atônita pela revelação, Live não se conteve:

-O senhor estava presente? Viu a maneira como aquela mulher tentou mutilar a menina?

-Conheço Taj desde que nasceu e conheci seus pais antes de serem mortos pela peste. Sim, Live, eu vi tudo.

-Por que não fez nada?

-O que eu poderia fazer? Sou um sacerdote de Brama, não posso sequer tocar na criança...

Live queria chorar e sacudi-lo. Por que ele se contentava com o seu destino? Por que não lutava por justiça e algo melhor? Mas antes de esboçar sua raiva, percebeu o que ele lhe revelara.

-O senhor disse a minha mãe que eu estava metida em um tumulto para salvar uma criança?

-Sim, falei.

-E ela?

-Pareceu um tanto nervosa, mas consegui tranqüiliza-la.

Soltando as mãos do sacerdote, Live levantou-se e olhou para o horizonte. Sabia muito bem que nenhuma palavra de Sabal tranqüilizaria Micaela, que, para surpresa de todos, se mostrara à mãe mais superprotetora do mundo com Live.

Muitas vezes a loira, juntamente com Mauricio, chegava a sufocar a jovem com tanto amparo. O fato que, em algumas situações, era engraçado, em outras, era vergonhoso. Micaela já chegara ao cúmulo de ir atrás de Live em uma festa porque a mesma havia esquecido o casaco em casa.

Diante de tais lembranças, ela não pode reprimir um sorriso. No fundo, gostaria que a mãe estivesse ali para ampará-la, mas ao mesmo tempo, temia que Mic assim o fizesse. A necessidade de se mostrar independente e dona do próprio nariz era muito forte para a guardiã de aquário. Cansara de ser uma bonequinha que Mic e Maire levavam de um lado para o outro. Queria mostrar que era capaz de agir por si mesma.

-Eu agradeço sua preocupação com minha vida – Live voltou a encarar o sacerdote – mas eu voltei para casa com um objetivo...

Ela não precisava explicar a aquele homem que objetivo era esse. A meta de Live seria sempre algo íntimo e de uma verdadeira guerreira. Respirando fundo, ela despediu-se de Sabal e voltou em direção ao Centro. Mas mal havia cruzado a esquina e avistou Nicolas vindo em sua direção.

-Onde esteve? – ele perguntou afobado.

Respirava ofegante e deixava claro, pela pergunta, que havia estado atrás dela.

-Estava na praça. – ela respondeu meio a contragosto.

Ele olhou em direção as árvores, mas Sabal não se encontrava mais lá e nem mesmo a indiana fez sinal de que lhe revelaria o que fazia parada entre os arbustos. Então Nicolas virou os olhos verdes novamente em direção a ela.

-Precisamos conversar... –ele balbuciou.

Live estava séria e o único gesto que fez para demonstrar que o estava ouvindo, foi passar os dedos nos cabelos e os ajeita-los atrás da orelha.

-Acho que um mal entendido está fazendo com que nossa relação profissional esteja difícil –ele começou.

-Que mal entendido? Que relação profissional?

Ela sabia exatamente do que ele falava, mas não queria dar o braço a torcer. Tudo começou porque Nick ousara lhe beijar e depois a insultara mandando-a embora. Poucos dias depois esfregava a ruiva na sua cara e ainda tinha a audácia de dizer que era tudo um mal entendido.

-Por que faz isso? –ele perguntou de repente.

-Fazer o que?

-Tornar tudo mais difícil. Estou tentando resolver as nossas diferenças numa boa, mas você insiste em agir como uma boba.

-Resolver nossas diferenças é me insultar? Quem você pensa que é para me chamar de boba?

Percebendo que algumas pessoas já os observavam curiosos, Live respirou fundo e se acalmou. Tocando no braço dele, indicou a praça que acabara de sair e o convidou a irem conversar lá.

A sombra de uma grande árvore os acolheu, e a morena encostou as costas na madeira. Nicolas postou-se a sua frente e baixou a fronte. As mãos nos bolsos da calça jeans mostravam que ele estava sem jeito.

-Não estou com Samantha – ele confessou rapidamente.

A aquariana arregalou os olhos. Não esperava aquela revelação e muito menos que Nicolas diria aquilo a ela. Afinal, o que ela tinha com isso?

-Por que esta me dizendo isso?

-Porque você gosta de mim.

Enrubescida Live se ofendeu.

-Acha que eu o estou perseguindo porque tenho uma relação platônica não resolvida com você e isso faz com que eu tenha ciúmes dos seus relacionamentos com outras mulheres?

Nicolas segurou um riso, mas conseguiu responder com a voz firme.

-Mais ou menos isso – confirmou.

Live estava se segurando para não bater nele. Colocou as duas mãos na cintura e franziu a testa.

-Pois está enganado! Não me interessa a mínima com que você dorme ou deixa de dormir!

Pensou em sair daquele local, mas a mão de Nicolas no seu braço a impediu de sair correndo.

-Você esqueceu...

-Esqueceu? De que? – ela perguntou.

-De negar que gosta de mim.

Live quase engasgou.

-Não vai negar?

-Vá pro inferno!

-Fica se fazendo de mulher independente e madura, mas não passa de uma menininha que não tem coragem de assumir que se sente atraída por um homem.

-Por um homem talvez, mas por você não!

-Está negando?

-Estou!

-Vou ter que mostrar que esta errada!

A morena se viu sendo puxada de encontro ao tórax firme do espanhol. Antes que pudesse esboçar alguma reação sentiu a boca dele de encontro a sua e tudo o mais perdeu a razão de ser. Não lhe importava que estivesse em uma praça pública, num lugarejo da Índia, com um homem que a fizera sofrer durante semanas. Tudo que existia para ela naquele momento era a pele morena e a boca sensual se movendo contra ela.

Um relapso de realismo a tomou e ela deu um passo para trás, tentando se afastar, mas Nicolas não a soltou. Sentindo a árvore contra as costas, Live percebeu que estava perdida. Prensada contra o corpo forte dele, todos os seus instintos femininos desabrocharam. O calor úmido no ventre, a palpitação no coração e a vontade de que aquele momento durasse para sempre.

Que Visnhu a ajudasse! Ela o amava!

-Não! – gemeu entre os dentes.

Ao notar a reação dela, Nick a soltou. Ofegante ele se afastou, mas ainda estava próximo o suficiente para não retirar a mão do braço dela.

-Não? Vai negar que me deseja?

Ele falava de sentimentos íntimos com tanta naturalidade que ela se envergonhou.

-Não sou Samantha!

-Eu sei disso!

A indiana aguardou que ele soltasse algumas frases a esnobando e revelando o poder feminino da francesa, mas Nick nada disse.

-Por que esta tentando fazer isso comigo? O que você ganha em tirar a minha paz?

-Você fala em paz, mas é o meu tormento! Nunca mais dormi direito à noite depois que a conheci! Eu me sinto culpado por...

Mordendo o lábio inferior, Nicolas enfim a soltou. Ele parecia angustiado e passou a mão pelos cabelos escuros. A frase não acabada demonstrava que ele parecia embaraçado e confuso. De certa forma, Live se compadeceu dele. Quis tocá-lo, mas faltou-lhe coragem.

-Não entendo... Por que se sente culpado?

Nick a encarou. Os olhos verdes a estreitaram com volúpia. Nunca um homem a havia olhado daquela forma antes e a jovem sentiu todo o corpo se arrepiar.

-Você é diferente das outras mulheres... –ele murmurou.

-Isso é um elogio ou uma crítica?

O sorriso charmoso que a encantara na primeira vez que eles se encontraram, desabrochou dos lábios firmes do espanhol.

-Depende o ponto de vista.

O Nicolas que a beijara havia sumido. Aquele homem que estava na sua frente agora era o mesmo esnobe que exibia a ruiva na sua frente.

-Por que esta fazendo isso comigo?

A pergunta escapara da boca da Guardiã. Já fazia semanas que ela pensara em qual era o objetivo daquele homem em lhe magoar, mas não conseguira chegar a nenhuma conclusão.

-Você nem imagina?

-Não...

Ele não respondeu. Curvando-se, beijou-lhe os lábios rapidamente. Depois virou-se de costas e saiu da praça, a deixando melancólica, olhando para sua figura que sumia no horizonte...

Continua...


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