E se Fosse Verdade escrita por EmyBS


Capítulo 21
Lua cheia




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Dois longos dias, ou melhor, mais dois longos dias se eu contar os dois primeiros em que eu fiquei apagada. E isso significa que já estou quatro longos dias desaparecida e que em apenas um dia será lua cheia. Me perguntava se alguém havia notado a minha falta. Esse era um péssimo momento para eu notar que deveria dar mais satisfação para meus pais e minhas amigas, mas não, eu vivia sumindo enclausurada em minha casa sem falar com ninguém por longos períodos. Tinha certeza que ninguém deveria ter reparado que eu desapareci. Só para piorar a situação eu estava de férias no trabalho. Minhas primeiras férias reais como uma trabalhadora assalariada e eu estava presa num canil.

Esses pensamentos me deixavam nervosa.

Não que eu tivesse motivo. Afinal eu apenas estava numa casa lotada de lobisomens. As vésperas da lua cheia, que por sinal mais parecia um relógio sinistro a noite. Nada preocupante realmente, e pelo pouco que pode perceber na movimentação dentro e fora da casa deveriam ter uns trinta deles naquela alcatéia como tinham falado, mas nenhum deles veio me visitar.

Nem mesmo o loiro mais velho ou o cara que me raptou.

Só o Pierre parecia ir se entocar no quarto. E isso era estranho e bom, pois fazia muito frio naquele lugar e ele aquecia o quarto de uma maneira agradável quando estava sozinho. Foi estranho perceber a rotina daquele lugar. Tinha que admitir eles pareciam organizados. E cada um parecia ter uma tarefa especifica a realizar todos os dias.

A de Pierre deveria ser me cuidar.

Muitas vezes ele apareceu no quarto machucado e se deitou num canto afastado, suas roupas rasgadas mostravam marcas de luta física. Muitas vezes ele parecia cansado demais e apagava jogado no tapete no canto do quarto, eu tentava imaginar como a coluna dele não reclamava de dormir tão desconfortável, mas ele levantava como se nada estivesse errado e me lançava um olhar cheio de dor antes de deixar o quarto.

Não sabia como reagir e apenas observei, maravilhada, suas pequenas feridas serem cicatrizadas diante dos meus olhos. Era fantástica a maneira como a pele se fechava numa velocidade impressionante para qualquer mortal e eu tinha que me lembrar que ele não era um simples mortal como eu, mas os olhos dele azul turquesa não pareciam tão felizes. Havia tanta magoa e humilhação escondidos naquele olhar de filhote perdido.

Eu não tinha nenhum motivo para estar feliz. Exatamente por isso não deveria me importar com um lobisomem infeliz, mas ele parecia tão carente como se fosse realmente um filhotinho abandonado e o meu lado protetor dos filhotes perdidos se acendia em meu peito.

Isabella, você está sentindo pena de um ser que quer te devorar?

Suspirei olhando a lua que na próxima noite estaria completamente cheia se afastar lentamente deixando os fracos raios de sol aparecerem. Os dias eram longos e as noites curtas demais. Eu perdia muito o sono ali, sem ter o que fazer, com quem conversar, sem ter muitas respostas ou qualquer esperança.

A única esperança era Carlos vir me buscar, mas isso também significava que ele cairia numa armadilha e que teria que enfrentar todos esses lobisomens juntos, na noite em que eles deveriam possuir mais força, isso se as lendas forem verdadeiras. Eu não sabia de mais nada e eu sinceramente não gostaria de ser responsável pela morte de Carlos.

Morte?

Vampiros já não estavam mortos? Isso era muito confuso na minha mente.

Voltei a suspirar vendo a porta do quarto se abrir. Pierre entrou se agachando no chão e aquilo me assustou. Ele estava sangrando e não eram aqueles poucos cortes de antes, mas havia muito sangue dessa vez. Com certeza aquele machucado era bem mais profundo que os outros. Sua roupa estava encharcada e ele deixava um rastro vermelho por onde passava.

Mordi o lábio, incerta do que fazer.

Respirei fundo sentindo aquele aroma cítrico dele misturado ao cheiro de sangue fresco e suor. Caminhei lentamente em direção dele me ajoelhando a sua frente. Ele me encarou com aquelas íris encantadoras emanando um pouco de medo e receio. Pierre estava assustado e aquilo não parecia bom. Nem mesmo a temperatura do quarto havia subido com sua entrada como sempre acontecia.

- Quem fez isso?

Como eu consegui manter um tom de voz baixo foi um mistério.

- Sai daqui.

A voz rouca veio num gemido.

Ele pareia tanto um filhotinho acuado.

- Deixa eu ver?

- Sai...

Ele empurrou minha mão e eu realmente estranhei. Não estava mais tão quente.

- Você não está quente.

Disse alarmada obrigando-o a me deixar ver o machucado.

Um gemido abafado e ele encostou a cabeça na parede. Tinha muito sangue ali. Pierre estava todo vermelho e eu estava ficando totalmente suja apenas de tentar ver o ferimento.

Era grave.

- Vai sarar...

A voz dele saiu num fiapo tão baixo que mal pude escutar.

- Vamos limpar isso.

Disse ajudando-o a se levantar. Ele era alto. Mais alto que eu. E pesava. Muito. Quase cai no chão ao perceber que ele não tinha forças.

Pierre riu da minha tentativa inútil.

- Não vejo nenhuma graça. – disse irritada voltando a me equilibrar com o peso dele.

- Eu não vou morrer... – Pierre sussurrou entre gemidos.

- Não estou preocupada com isso.

Funguei deixando-o no chão e me encaminhando para o banheiro a fim de pegar alguma coisa que ajudasse com o ferimento. Não havia nada de muito útil ali. Uma pia, uma banheira e mais nada. Nem sabonete ou pasta de dente ou curativos ou qualquer outra coisa. Nem ao menos uma toalha. Eu estava a dois dias suja e imunda presa naquele lugar e agora desesperada em busca de algo que pudesse ajudá-lo.

- Se não é isso você pode simplesmente me deixar aqui.

Ouvi o resmungo sem prestar muita atenção. Não havia nada naquele banheiro. Eu estava com a mesma roupa com que tinha ido desesperada a casa de Rodrigo. Nossa! Rodrigo! Parecia que tinha acontecido em outra vida e tinha se passado apenas quatro dias. Balancei a cabeça voltando a realidade ao ouvir um gemido reprimido de dor de Pierre no quarto. Por mais que ele se fizesse de forte eu sabia que aquele ferimento era muito profundo. Olhei para a roupa que estava no meu corpo a tanto tempo. Um vestido velho e liso. Não pensei duas vezes e cortei um pedaço da barra umedecendo na pia e voltando para o quarto. Eu precisava controlar aquele sangramento. Pierre estava ficando fraco com toda aquela falta de sangue.

Corri de volta ao quarto vendo-o ainda jogado no chão e sangue muito sangue por tudo onde ele tocava. Me ajoelhei rasgando a camisa ensangüentada dele a procura de espaço para limpar o ferimento. Parecia uma garra ou algo estranho. Estremeci só de imaginar o que poderia ter feito aquilo nele. Não gostaria de estar no lugar dele nem por um segundo.

Os olhos azuis me encararam e ele sorriu fraco voltando a fechá-los logo em seguida. O corpo dele ficava a cada instante mais frio e aquilo me assustava. Ele sempre foi tão quente. Uma lareira humana e parecia fora do lugar não sentir o desconforto do calor. Me senti um pouco idiota mais acabei abraçando ele a fim de passar um pouco do meu fraco calor a ele.

Pierre abriu os olhos, interrogativo e apenas sussurrei no seu ouvido.

- Você está ficando gelado.

Ele não contrariou nem fez movimento algum. Pareceu se acomodar melhor no meu abraço como uma criança pequena em busca de algum conforto. Sentir a pulsação mesmo que fraca dele contra o meu peito parecia me relaxar um pouco. Perdi a noção do tempo acariciando os fios loiros. Não havia mais nada que eu pudesse fazer por aquele garoto.

Eu não podia ter certeza, mas meu cérebro me dizia que eu deveria estar sonhando. Estava escuro. Muito escuro. E eu corria. Não sabia muito bem do que estava correndo, mas olhei para o alto e uma enorme lua cheia preenchia o céu. Só podia ser um sonho, pois uma lua linda daquelas iluminaria o meu caminho, mas tudo era tão escuro. Ouvi uivos ao longe e isso me fez correr ainda mais rápido.

De repente flashes apareceram na minha frente.

Quando conheci Carlos.

A primeira vez que beijei Rodrigo.

Carlos se despedindo.

Rodrigo dizendo que me amava.

Aquelas imagens corridas me deixavam ainda mais confusa e começava a ficar quente.

Muito quente.

Abri os olhos tremula sentindo meu corpo ensopada de suor e a primeira coisa que vi foram os olhos azuis brilhantes de Pierre em mim.

- Obrigada.

Ele estava a centímetros de mim apoiado pelo cotovelo no chão. Eu tinha certeza que os ferimentos estavam curados ou ele não estaria daquele jeito. Tive certeza também que ainda estávamos cheios de sangue.

- Por quê?

Consegui perguntar com a voz rouca pelo sono mergulhada na minha imagem refletida nas retinas dele.

- Por ter me ajudado.

Pisquei sentindo meu corpo arder pelo calor concentrado que emanava do dele.

- Eu não fiz nada.

Pierre riu. Aquele riso rouco de cachorro. Seus olhos também sorriam enquanto o cabelo fino caia nos olhos de maneira angelical.

- Obrigada mesmo assim.

Levantei cambaleando e ele ajudou a me sustentar. Minhas pernas pareciam um pouco fracas. As mãos dele na minha cintura queimavam como ferro quente e aquilo incomodava.

Doía ser tocada por Pierre.

Me joguei no chuveiro com a mesma roupa para tirar o suor, sangue e o calor do meu corpo. Tive a nítida impressão de a água evaporar em contato com a minha pele.

- Hoje é lua cheia.

O tom parecia indiferente, mas ele estava parado no batente da porta me olhando fixamente. Tive a tardia lembrança do vestido grudado no corpo revelando muito mais do que eu gostaria, mas naquele momento nem tinha muita importância.

Era lua cheia.

Era o fim.

- Ele está vindo.

Pierre tinha a voz controlada e parecia me devorar com os olhos. Eu tentava a todo custo não olhar para ele e nem dizer nada. Não havia nada para dizer. Meu coração parecia incerto entre ter esperança ou medo pelo que poderia acontecer a Carlos. Ele parecia ter ouvido minha angustia muda, pois continuou.

- Não está sozinho.

Tive a certeza que Pierre se aproximava lentamente do chuveiro.

- Talvez mais alguns e se eu não estou enganado um humano.

Minha mente girou. Alguns? Não apenas mais dois. Carlos teria contactado mais amigos vampiros. Estariam todos vindo para uma armadilha e seria tudo culpa minha.

Um humano?

Meu joelho fraquejou e senti as mãos quentes dele novamente na minha cintura queimando a pele. Não podia ser verdade. Não podia ser Rodrigo. O que ele estaria fazendo junto com Carlos. O que poderia junta-los e como eles iriam se encontrar. Lembrei assustada que eu estava na casa de Rodrigo quando fui raptada, que tudo poderia fazer algum sentido, mas eu não queria perde-lo.

Eu não poderia perder os dois ao mesmo tempo.

- Eu vou te ajudar.

A voz rouca no pé do ouvido me fez tomar ciência que meu corpo estava em brasa por estar grudada ao dele.

- O que?

Me virei ficando novamente a centímetros dele.

A mão deslizou pelas minhas costas marcando a fogo.

- Me espere.

Pierre beijou minha testa deixando o local rapidamente e eu continuei ali parada em baixo do chuveiro deixando a água cair pelo meu corpo, tentando entender toda aquela loucura, meu corpo foi perdendo as forças, eu me deixei escorregar pelo ladrilho encardido e ri. Ri feito uma louca nos seus últimos minutos de insanidade. Ele iria me ajudar. Pierre iria me ajudar. No fim havia uma esperança. Uma única esperança, e eu precisava me agarrar a ela com todas as minhas forças.


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