Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 22
Senha


Notas iniciais do capítulo

"O C.E.M. já estava ao nosso redor novamente, mas ela não se importou."



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                - Então, está tudo aqui? – perguntei.

                Ana teria feito a mesma pergunta, mas se demorou um pouco em sua surpresa.

                - Sim – Kasumi respondeu, caminhando para dentro da sala escura – Joana teria guardado as memórias no SPIPA, mas com a situação dela, teve que enviá-las pra cá.

                - Mesmo que a gente não conseguisse acessar?

                - É. Aparentemente, ela achou que eu tivesse alguma coisa que quebraria a proteção do SPIPA. Acho que ela me superestimou, mesmo me subestimando.

                - Hein?

                - Vamos entrar – disse ela, ignorando a minha ignorância pra variar.

                Acompanhamos seus passos. Ana parecia não encontrar palavras para dizer, mesmo que estivessem na ponta da língua. Ainda assim, exalava uma mistura de felicidade e alívio de sua face. Mesmo ainda sem suas memórias, saber que estavam ao seu alcance por si já a deixava emocionada.

                Eu não podia estar diferente dela.

                Segurei sua mão e olhei fundo nos seus olhos. Dava pra ver que ela, assim como eu, estava se segurando para não me abraçar.

                - É bom que vocês fiquem quietos mesmo, por enquanto – frisou Kasumi, silenciosa – Nós não podemos nos revelar tão cedo. Mas quando a gente sair daqui, podem fazer a festa ali no elevador. Eu vou assistir quietinha, tá?

                - Ka...! – evitei pronunciar o nome dela em voz alta. Entendia perfeitamente o perigo, e provavelmente tinha mais medo que ela própria - ...Tá. O que a gente faz agora?

                - Silêncio – ela olhou, com a típica cara de deboche – Só me sigam, ok?

                Ela continuou perambulando, aparentemente sem rumo, pelo ambiente. Apesar da vontade, eu evitava fazer perguntas, temendo ouvir uma não-resposta que ela adorava dar. No entanto, ela estava diferente da conhecida Kasumi maluca. Qual fosse seu objetivo, estava realmente compenetrada em alcançá-lo. Eu não quereria interrompê-la.

                Mesmo assim, ela tinha uma estranha noção de cortesia. Para todas as pessoas, seres e criaturas que passavam, ela mandava um bom dia, estivessem elas trabalhando ou não, e nos persuadia a fazer igual. A maioria respondia, de forma menos enérgica, e alguns simplesmente acenavam a cabeça, ninguém realmente conversava. Os que tinham um rosto identificável mostravam uma clara expressão de estranhamento. Imagino se pelo fato de sermos humanos, tão mais amarelos e inferiores (estou pegando a síndrome da Kasumi...) ou por todos ali trajarem um uniforme branco e prateado, enquanto nós vestíamos roupas casuais de um planeta aleatório. Kasumi insistiu em continuar usando o uniforme escolar, mesmo depois que chegamos.

                Finalmente, ela parou ao lado de uma pequena tela com os mesmos caracteres esquisitos que se liam no mapa holográfico.

                - É aqui que você retira as memórias? – indaguei.

                - Não. É aqui que eu saboto o sistema de segurança – a alienígena falou, baixo o suficiente para que só nós dois ouvíssemos – Você não sabe ler, não?

                - Isso aí, não. Eu nunca vi essas letras antes.

                - “Sistema de Segurança: digite senha”. Eu leio, normalmente – disse Ana, para minha surpresa.

                - ...Lê? Mas como?

                - Ah, já sei – manifestou-se Kasumi, que ainda olhava para a tela – Como Joana alterou alguma coisa na sua mente, ela deve ter involuntariamente transferido alguma capacidade de processamento do SPIPA pra você. Incluindo a leitura universal.

                - Isso é mesmo possível? – perguntei, pensando nas possibilidades.

                - É, sim. Especialmente pra seres de nível inferior, já que eles não usam toda a capacidade cerebral – ela mencionou, sem tirar os olhos do monitor.

                - Huh... – ela realmente adora destacar isso.

                - Seria bom se você tivesse essa capacidade também, Me-kun.

                Antes que eu pudesse confirmar, Kasumi virou-se para mim e desferiu o que eu pensaria ser outra análise. Quando nossos lábios se tocaram, porém, eu senti como se um mar de informações adentrasse na minha mente, mas não conseguia identificar nada. Então, tão subitamente quanto começou, acabou.

                Nessa hora, eu fiz menção de me soltar. Kasumi, no entanto, ainda me envolvia. O C.E.M.  já estava ao nosso redor novamente, mas ela não se importou. Pelo contrário, passou novamente de analista a apaixonada. A transição foi tão rápida que eu levei um tempo para notar que ela estava realmente me beijando. Aparentemente, resolveu aproveitar o momento pra descarregar o amor que estava bloqueado pela presença de Ana. E era uma força tão intensa, uma paixão tão grandiosa, que eu não queria me soltar. Faltavam forças pra resistir.

                Resista...

                A palavra misteriosa ecoou mais uma vez pela minha mente, mas parecia ter surtido efeito também em Kasumi. No instante em que ela soou, a alienígena interrompeu seu beijo e me libertou. Ao ver seu rosto, percebi que estava bastante atordoada. Porém, logo depois, ela adquiriu a mesma expressão de seriedade mesclada com deboche que tinha antes.

                Quase não percebi que agora eu podia ler perfeitamente o que estava escrito no monitor.

                - Ééé... Essa transmissão de habilidade foi bastante grande, não? – disse Ana, completamente vermelha. Pensando que ela tinha assistido toda a cena, meu rosto ficou ainda mais corado que o dela.

                - Desculpa, Ana-chan. Foi necessário – ela mentia muito bem, pra variar – Eu deixo você descontar com o Me-kun daqui a pouco, ok? – Ana corou novamente.

                - ...Foi desse jeito que a Joana tirou minhas memórias?? Que nojo!

                “Não pensa nisso, Matt, não pensa nisso!...”

                Quando as forças pra falar voltaram, outra pergunta veio à minha mente, mantendo minha tonalidade de rosto:

                - Os outros funcionários não viram isso também, viram?

                - Viram. Mas isso é normal, por aqui, especialmente com os novatos. Olha, lá está um exemplo! – ela apontou, e a minha cabeça girou, mesmo que eu imaginasse que não seria uma visão muito agradável. Uma criatura dourada bem parecida com a forma original de Kasumi estava agachada e tocava os supostos lábios no centro dos membros de um ser inidentificável, avermelhado e cheio de tentáculos.

                ...Que nojo...

                - Que lindo! – disse Kasumi – É um gorengano, nível 82! Sabia que a boca deles também tem a função de...

                - Prefiro não saber – falei, antes que ela terminasse a curiosidade.

                Após algum tempo de admiração (contida ou forçada, era difícil distinguir vindo dela), Kasumi voltou sua atenção para o monitor outra vez.

                - Essa senha ainda é uma barreira. O que a gente poderia escrever aqui, Me-kun?

                - E você pergunta pra mim? Como é que eu vou saber?

                - Você tem tantas possibilidades de saber quanto eu. Nível 89 ou 42, probabilidade não é afetada por isso.

                - E que probabilidade a gente tem de acertar a senha?

                - Uma em 143452056. Por isso que temos que nos esforçar juntos, vai multiplicar por três.

                Ela estava mesmo falando sério?...

                - Kasumi... – Ana chamou – Não tem como a gente “sabotar” a segurança, como você mesma disse que ia fazer?

                - Claro que tem. E é pra isso que eu preciso da senha.

                - Hã?? – dissemos em coro.

                - É que o C.E.M. permite aos funcionários de cada seção que estiverem numa emergência sabotarem o próprio sistema para que eles possam satisfazer suas necessidades, com acesso ao trabalho dos outros, mas sem afetá-los diretamente.

                - Por que raios eles permitiriam isso? – perguntei.

                - Por cortesia, claro. Eles são sempre compreensivos com o pessoal, Me-kun.

                - ...Destruir a Terra não me parece muito compreensivo.

                - Eu disse com o pessoal, não com o resto do universo. Sobre isso, eu não sei bem o que eles querem.

                - Não seria mais prático – sugeriu Ana – se a gente pegasse a senha com um funcionário desse setor?

                Kasumi arregalou os olhos para ela, aparentemente impressionada com a sugestão. Depois de alguns instantes de surpresa, pediu:

                - Vem comigo – e puxou Ana pelo braço. Ela quase deixou escapar um grito.

                - Ei! Aonde vocês vão?? – perguntei, seguindo-as.

                Inicialmente, a minha pergunta foi ignorada. Quando chegaram a um canto bem escondido da sala, porém, entendi parte do plano. Kasumi, oculta por uma parede sobressalente, tirou o próprio SPIPA e colocou na cabeça de Ana.

                - Agora você pode pegar a senha de um deles! Ana-chan, pra uma 42, você é inteligentíssima!

                Eu me pergunto se essa coisa de nível de desenvolvimento afeta mesmo a cabeça dos seres “evoluídos”...

                - Tá... – disse Ana, após se adaptar ao capacete – Mas como exatamente eu faço isso?

                - Do mesmo jeito que eu e o Me-kun fizemos todas as vezes. 

                - ...Eu vou ter que...

                - Sim – os olhos de Kasumi brilhavam.

                - Ah, meu Deus... Matt, o que eu faço?

                Eu deixei escapar uma risadinha. Por mais que eu estivesse preocupado, a súbita inversão de papéis me pareceu um tanto cômica.

                - Por que você tá rindo, hein? – ela se aproximou, o olhar em chamas.

                - Nada, é que... – não consegui terminar a frase. Ana tapou minha boca com seus próprios lábios. E o que tinha acabado de acontecer com Kasumi acontecia novamente. Mas dessa vez, era uma simples análise. E depois dela, não tinha a parte de resistir.

                Separamos nossos corpos após algum tempo. Kasumi observava a cena, perplexa e divertida ao mesmo tempo.

                - O que foi isso? – perguntei, curioso.

                - Um teste – Ana respondeu com um sorriso esquisito – Eu vou mesmo ter que fazer isso com outra criatura?

                - Não com toda essa duração – respondeu Kasumi, com um sorriso também esquisito –É só pensar em “senha” que a informação deve vir pra você no mesmo instante. Eu iria no seu lugar, mas corro o risco de ser descoberta.

                - Tá bom – ela começou a andar até o centro da sala, mas antes de sair de perto de nós, dirigiu um olhar um tanto hostil para Kasumi – Eu volto logo. E desculpas adiantadas, Matt.

                - Tá, eu entendo...

                Eu não entendia. Tudo bem até a parte de analisar outro ser, mas por que é que ela estaria com raiva da Kasumi? Olhei para ela, que rapidamente adivinhou o meu pensamento.

                - Ela descobriu, Me-kun.

                - O quê?

                - O quanto eu te amo.

 

 


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Notas finais do capítulo

Agora é guerra o.o
Será que a Kasumi vai sair ilesa dessa situação? Não me perguntem, eu não sei >—>