Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 20
Resistência


Notas iniciais do capítulo

"Com tanta coisa estranha acontecendo, eu quase tinha me esquecido por que estávamos ali, afinal de contas."



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                Resista, Me-kun...

                Por favor...

                Resista...

                Eu não consigo mais...

 

                Acordei.

                Já é a terceira vez que eu acordo em tão pouco tempo. Ou é a quarta?... Estranho, eu posso jurar que acordei essa noite. Bom, não é uma “noite” propriamente dita, já que eu ainda estou no quarto esquisito que a Kasumi projetou. E que sonho estranho foi esse? “Resista”... Será uma premonição? Nah, não acredito nisso. Mas era muito real, comparando com qualquer outro sonho que eu já tive, mesmo que não tenha imagem nenhuma. Parece... que já aconteceu.

                Tá, não é hora de ficar pensando nisso. Nem sei onde estamos no universo, ou quanto tempo temos até a chegar ao C.E.M.. É bom eu levantar e checar isso com a Kasumi.

                ...Agora que eu paro pra reparar, Ana não está mais aqui. Fiquei assustado, a princípio, mas logo notei que a porta do banheiro estava fechada. Levantei-me e fui até ela. No momento que eu levantei a mão pra bater, a porta se abriu, revelando uma Ana vestindo apenas uma toalha do lado oposto.

                - AAAH!! – ela gritou, antes de bater a porta na minha cara – Você podia avisar antes de aparecer assim, Matt!

                - Desculpa... – falei, sem jeito e com o nariz latejando – Eu ia bater, mas você foi mais rápida que eu.

                - Tá... Você pode pegar minhas roupas ali, por favor? – por uma fresta da porta, apontou para uma cadeira no canto do quarto.

                Entreguei-lhe as roupas e esperei que ela saísse. Quando o fez, seus olhos estavam mais brilhantes que o normal. Mesmo recém-acordada, eu a via linda.

                - Que foi? Tem alguma coisa errada? – ela perguntou, ao que eu desviei o olhar.

                - Não, nada.

                - Claro que tem, olha sua cor! Você tá parecendo um tomate!

                Eita, parece que meu corpo não se adapta a nada...

                - É só que... você está muito bonita.

                - Matt, seu besta... – ela olhou pra mim, com a mesma cara de deboche que Kasumi usava com frequência. Então se aproximou, deu um beijo de leve na minha bochecha e se afastou, sorrindo.

                - Você devia tomar banho também, sabe? Parece que você suou enquanto dormia.

                Agora que ela diz, é verdade. Estranho, não fez calor...

                - BOM DIA, TRIPULAÇÃO!!!! – disse uma voz excessivamente alta e feliz que saiu da parede, fazendo com que eu e Ana saltássemos pra trás, assustados – ESPERO QUE TENHAM SE DIVERTIDO ESSA NOITE!! NAH, EU SEI QUE NÃO, EU VI TUDO... VOCÊS SÃO MUITO SEM GRAÇA DE VEZ EM QUANDO, SABIAM?

                - Kasumi, dá pra abaixar o volume desse... dessa parede?!! – exclamei, o mais alto que eu podia , tapando os ouvidos enquanto a voz continuava.

                - AH!! OK, DESCULPA, ME-KUN, VOU ABAIXAR SIM!! MAS ANTES, UM AVISO: NÓS AINDA TEMOS QUARENTA E DOIS MINUTOS DE VIAGEM, ENTÃO PODE IR TOMAR SEU BANHO TRANQUILO!! EU NÃO VOU TE ESPIAR MUITO, TÁ?

                - Abaixa logo!!!

                - HIHI, ISSO É DIVERTIDO!! – a voz desapareceu.

                Tirei as mãos das minhas orelhas, aliviado.

                - Ela é sempre doida assim? – Ana perguntou.

                - E como. Apesar disso, ainda precisamos conversar com ela sobre tudo.

                - Verdade... – ela olhou para a porta do quarto com um certo medo – Eu vou na frente, você pode tomar seu banho.

                - Tá – olhei pro banheiro com a mesma expressão. A idéia de ter Kasumi me “espiando” durante o banho, no mínimo, apavorava.

               

                Saí do quarto usando as mesmas roupas, que pareciam estranhamente limpas quando as vesti novamente. Até parecia que o banheiro tinha um sistema de lavagem pelo ar, ou coisa assim. Era a primeira vez que eu explorava a parte interna da espaçonave. Ela era ainda maior do que eu já tinha considerado. Levou um tempo até eu encontrar o cockpit outra vez. Ana estava sentada numa terceira poltrona, olhando para as estrelas que passavam pela nave a uma velocidade monstruosa. Kasumi estava girando na sua própria cadeira, cantarolando qualquer coisa.

                - Me-kun! Até que enfim! – ela saltou do seu assento na minha direção, sem perder nenhum equilíbrio por conta dos giros. Soltei a usual exclamação de “tem uma alienígena prestes a cair em cima de mim” e fechei os olhos, mas nada aconteceu. Abri-os novamente, e ela estava de volta no seu lugar.

                - ...O que foi isso?

                - Ah, nada não. Foi um lapso meu, desculpe.

                - Como assim?

                - Além do mais, a Ana tá aqui. Você não quer que eu faça isso na frente dela.

                - Eu nunca “quero” que você faça isso...

                - Olha, a frigideira! Eu... Ah, frigobar! Eu programei umas bebidas da Terra pra esfriar!

                - Kasumi, alguma coisa tá errada. O que é?

                - Você tá com sede, é isso! Vem aqui, tem Taca-cola, Janta, Psi-pé... Ah, falei tudo errado, mas você me entendeu! – ela mexia freneticamente no frigobar.

                - Esquece, Matt – disse Ana, que observava atentamente – Não deve ser nada grave, ou ela já teria dito. Ela já me disse um monte de coisa que você deixou passar ontem.

                - Ah, é?

                - É, sim – Kasumi se virou – Sua memória é uma porcaria, Me-kun, eu já disse isso?

                - Não. Obrigado por dizer... – falei, sarcástico.

                - De nada! – sorriu – Agora vem aqui beber. Eu vou pegar uma vóquida, quer um gole? Não, não é isso... Esquece, você não pode beber isso, mesmo.

                Por algum motivo, Kasumi estava alterada. Mas ela estava disposta a não dizer o porquê de jeito nenhum. Mais tarde eu pergunto novamente, temos outras prioridades.

                - Ana, Kasumi te disse o objetivo real da vinda dela à Terra? – perguntei, me sentando.

                - Ah, sim. Eu perguntei se tinha mais alguma coisa além de “coletar informações”. Mas ela disse que é isso mesmo.

                - Eu não recebi mais nenhuma ordem do C.E.M. – disse Kasumi, com uma garrafa de vidro na mão – E não tô mentindo, viu? Se quiser provar, o SPIPA tá aqui.

                - Não, tudo bem. Eu confio em você.

                - Yay, o Me-kun confia em mim!! – ela pulou pra cima de mim outra vez e, outra vez, parou no meio e voltou a se sentar.

                - Kasumi, o que há com você?

                - Nada! – ela modelou um sorriso sem graça no rosto.

                - Fala a verdade, de uma vez! Não é pela Ana estar aqui que você normalmente deixaria de fazer esse tipo de coisa...

                Ela abaixou a cabeça e continuou forçando um sorriso. Ao perceber que uma lágrima brotava em seu rosto, ela virou para o lado.

                - Eu não posso passar dos limites de novo... – murmurou.

                - Hã?

                - Tenho que resistir...

 

                Resista...

 

                A frase me atingiu com uma intensidade anormal. Eu não entendi o motivo de ser uma expressão tão forte. Muito menos o que ela quis dizer com aquilo. Mas tenho certeza que meu sonho, se era mesmo um sonho, tinha um tom extremamente semelhante àquele...

                - Matt, o que foi? – Ana veio até mim – Você ficou pálido, de repente.

                - Não sei... – respondi, ainda meio abalado – Um tipo de déjà vu mais intenso.

                - Você tá bem? – ela me segurou, preocupada.

                - Agora, sim. Foi só aquela hora.

                - Tenho que resistir... – Kasumi repetiu.

                - Resistir a quê? – perguntei, relutante.

                Antes que ela pudesse dar uma resposta, convincente ou não, um alarme soou no controle da nave.

                - Atenção! Um minuto até o destino.

                As estrelas na janela perderam velocidade, revelando um espaço mais parecido com o que eu conhecia, exceto pela enorme nebulosa azul-esverdeada que envolvia todas as extremidades do meu campo de visão. Bem no centro da nuvem disforme, havia um pontinho luminoso. À medida que nos aproximávamos, o ponto ganhou forma, revelando, aos poucos, uma fortaleza prateada gigantesca, de formato cilíndrico. Era uma vista grandiosa e, ao mesmo tempo, intimidante.

                - Eu não te disse, Me-kun – Kasumi falou – mas é pra isso que eu precisava dos dispositivos D. Eles servem de radar pra gente chegar até aqui.

                - Destino alcançado. Bem vindos à sede do Centro de Entendimento Máximo.

                Outra voz veio do pequeno controle que Kasumi segurava nas mãos. Aparentemente, estava na mesma língua que ela falava. Assim que o diálogo entre eles terminou, uma espécie de campo de força saiu do cilindro gigante e passou a puxar a nave na direção de uma pequena fresta no seu centro.

                - O que você disse a ele? – Ana perguntou.

                - Que nós somos cientistas e viemos ao C.E.M. na esperança de conseguir vagas para contribuir na pesquisa do planeta Makrosta.

                - Sério? – perguntamos juntos, com um alto nível de descrença.

                - Ele acreditou! E o sistema de defesa nem tentou resistir – ela parecia bastante contente com seu ato – Um bom jeito de nos infiltrarmos, não?

                Ficamos em silêncio, enquanto ela comemorava e tomava um gole da sua garrafa.

                - Me-kun... – ela ficou séria, de repente – Podemos deixar a outra conversa pra mais tarde? Temos outra prioridade, agora, não é?

                Eu não me sentia confortável com aquilo, mas concordei. Ainda mais quando o mesmo controle anunciou “Nível de energia do Raio D: 90%”. Com tanta coisa estranha acontecendo, eu quase tinha me esquecido por que estávamos ali, afinal de contas.

                - Tudo bem... Kasumi, nós vamos mesmo salvar a Terra?

                - Claro que vamos! Eu já te disse que sei exatamente o que nós vamos fazer aqui.

                - Se você diz...

                Ela se levantou e foi até um pequeno armário, de onde tirou duas pistolas cheias de luzes vermelhas.

                - Nós vamos precisar recorrer à força bruta? – Ana perguntou, apreensiva. Ela parecia tão ansiosa quanto eu.

                - Só em último caso. Mas essas duas não são pra vocês usarem.

                - Não?

                - São pra eu usar em vocês.

                Num instante, Kasumi tinha as duas pistolas apontadas para nós.

                Eu não pude reagir.

                Ana soltou um grito.

                Kasumi puxou os gatilhos.

                ... ... ...

                - Ok, já deve estar bom – Kasumi falou, voltando-se para guardar as pistolas.

                - Hein? – olhei para o lado. Ana estava com os olhos arregalados, mas não tinha um arranhão.

                - Isso é um tradutor temporário. Vocês vão poder entender o que os outros dizem e conversar com eles até que tenham seus próprios SPIPAs. É exigido sempre que se entra aqui, já que uma palavra na sua língua pode ser uma ofensa grave pra outros. Ah, não se preocupem em respirar... – ela se virou – Vocês estão bem? Ficaram tão brancos, de repente...

                - Nunca... mais... nos dê um susto assim... – Ana falou entre dentes. Esforçava-se para não derramar uma lágrima.

                - Eu assustei vocês? Com o quê? – ela realmente estava em dúvida?...

                - Você não sabe o que resulta de uma arma apontada pra cabeça? – perguntei.

                - Arma? Isso?! Pelo jeito, as armas da Terra são muito mais toscas do que eu pensava...

                Ela ignorou nossa indignação e se dirigiu a uma gaveta no canto da sala. De lá, tirou uma máquina pequena o suficiente para ser apoiada com muito esforço num ombro comum. E grande o suficiente para matar um animal só de medo.

                - ISSO é uma arma!

                - Isso é uma fábrica de genocídio! – falei, atônito – Pára de apontar isso pra gente!!

                - Hihi! Não vamos usar isso, mesmo – ela a pôs de volta na gaveta.

                Finalmente, Kasumi se dirigiu para a porta de saída no chão da nave.

                - Vocês estão prontos?

                - Ahnn... – enunciamos, novamente em coro.

                - Claro que estão – ela riu, apertando um botão. O chão diante dela se abriu, e uma escada se estendeu até o chão.

                - Vamos lá.

 

 


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Notas finais do capítulo

Finalmente, a história volta a se desenvolver /o/
Decepcionei a todos com a promessa do tempo... mas aqui está! Um capítulo king-sized =D

Desculpa, não vou prometer nada pro próximo capítulo ._.'