Estrela Solitária escrita por AnaYukina


Capítulo 3
Capítulo 2:Procedimentos e Padrões




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Capítulo 2 : Procedimentos e padrões
 
Cerca de dois meses antes da morte—a primeira—de Yusuke Urameshi.
 
—Keiko,será que o Yusuke aceitaria ser entrevistado?
 
A loira escovava seus longos cabelos diante do espelho,enquanto a outra lavava as mãos.
 
—Se você quiser eu posso falar com ele,mas duvido muito.—Yukimura fechou a torneira e enxugou as mãos.—Ele não gosta dessas coisas.Porquê não entrevista outro aluno?
 
Reiko Fujiwara fez um muxoxo.—Acho que não vou encontrar nenhum material interessante.Todo mundo é tão...como eu posso dizer sem ofender?Comum demais.Ninguém tem idéias na cabeça,só falam e pensam em festinha,namoro,fofoquinhas...na bolsinha da Gucci que acabou de ser lançada,dieta...naqueles grupos descolados onde um imita o outro por mais idiota que seja...!Já tô cheia disso!As pessoas são muito parecidas umas com as outras.Uma injeção de personalidade nelas não seria nada mal.
 
Keiko dobrou sua toalha e pôs numa pequena mochila azul,ao passo em que a colega guardava sua escova numa bolsa lilás.
 
—E porquê você acha que o Yusuke tem personalidade?
 
—Não é bem isso...é que todos o vêem como se ele fosse uma espécie de Hannibal Lecter juvenil...eu quero testar aquela máxima que diz que as aparências enganam...
 
Apoiando as mãos na bancada,Reiko içou-se e sentou,enquanto a morena ria ao imaginar Urameshi raivoso,com direito à máscara de hóckey e camisa de força.
 
—Ele tá muito longe disso.Ele pode ser no máximo um daqueles caras de Street Fighter.
 
—“Prepare-se pra morrer enquanto digo pela milésima vez que você não é páreo pra mim!”—Reiko estufou o peito,engrossando a voz ao imitar com perfeição e deboche o típico macho-guerreiro-indestrutível dos animes.—Agora,falando sério,a chance dele aceitar é maior se você interferir?
 
—Sinceramente?Não.
 
—Então nem se mete,deixa que eu dou um jeito!
 
De repente,a porta de uma das cabines do banheiro se abriu.De lá,saiu Suzume Terajima,estudante do 3º ano.A menina avançou em linha reta até a pia,e de cabeça baixa,começou a lavar as mãos.
 
—Quer dizer que não somos bons o bastante pra você,Fujiwara?—Observou a garota alta e muito magra,dona de olhos amendoados e cabelos verde-escuros.
 
—Eu acho que vocês não querem falar sobre coisas diferentes,só isso.
 
—Nós falamos sobre o que as pessoas normais falam.Você é uma idiota metida à intelectual...
 
—Ela não tava fazendo nada de errado,sua grossa!
 
—Deixa pra lá,Keiko,vamos embora.—Pediu Reiko,saltando da bancada,sem se alterar.—Alguém esqueceu de puxar a descarga e comprometeu todo o ambiente.Até logo,Suzume!
 
Yukimura assentiu, e antes de sair lançou um olhar de reprovação que Terajima viu refletido no espelho.Fujiwara caminhava calmamente, porém, sorrindo com involuntária falsidade.
 
—Eu adoraria enfiar a cabeça daquela nojenta na privada que ela tinha acabado de usar!
 
—Por favor,já basta aquela vez em que a pegou pelos cabelos!—Keiko advertiu,severamente.—É pior pra você do que pra ela,que fica de vítima!
 
—Tem razão,eu vou me controlar!—Reiko massageou as têmporas,fazendo o que chamava intimamente de Exercício da Sensatez.—Onde posso encontrar o Yusuke,além do terraço?Acho melhor entrevistá-lo fora da escola,já que ele não gosta daqui.
 
—Vou te dar o endereço dele.
 
—Em casa também não,seria muito invasivo!Tem de ser numa área neutra.
 
—Olha,quando não está perambulando pela rua ele fica naquelas casas de jogos sinistras na parte barra-pesada do distrito...mas você não vai lá sozinha,de jeito nenhum,certo?
 
—Claro que não,Keiko-chan,que idéia!Eu levo um dos meninos comigo.
 
As duas se despediram com acenas animados antes de adentrarem salas diferentes.
 
 
[center]***[/center]
 
 
—Querida,aquelas pessoas engraçadas chegaram!
 
Eram quase sete e meia da noite.Reiko mergulhou a colher no sorvete e colocou a tigela sobre o mármore,mordendo o lábio inferior.Baixou o olhar para o ralo da pia,xingando mentalmente.O avô chegaria tarde do trabalho.
 
—Já estou indo,vovó!—Ela anunciou,esforçando-se para soar tranqüila.Por dentro,o desânimo e o desgosto secavam-na.
 
Quando chegou à sala,encontrou dois integrantes da Guarda Expedicionária do Reikai empertigados,com as mãos para trás,observando tudo ao redor com ar de eficiência.Havia vasos tombados, quadros tortos nas paredes ou caídos no chão,tapetes desarrumados...
 
—Boa-noite.—Ela cumprimentou polidamente,cerrando os punhos.—Pelo visto chegaram com os efeitos especiais bacanas,como essas ventanias que tiram tudo do lugar...é engraçado,porquê as pessoas desse mundo tão civilizado que vocês adoram proteger batem às portas antes de entrar nas casas dos outros...
 
—Sentimos muito,mas é o nosso procedimento padrão.
 
—Claro que sim!—Reiko deu um sorriso forçado.—É como diz Koenma, “o show não pode parar”!
 
A loira subiu às escadas, seguida à uma certa distância pelos dois agentes.Ela podia sentir seus secos olhares cravados em suas costas.
 
A senhora Fujiwara sentou-se no sofá e apanhou uma revista, com a mesma gentileza congelada no rosto.
 
—Nós temos aqui o relatório das suas atividades desta semana...dê uma olhada e assine cada página enquanto conferimos seu quarto,sim?
 
Fujiwara estendeu o braço devagar, e pegou a prancheta,sem desgrudar os olhos das palavras impressas no papel.Ela recostou-se contra uma parede do corredor e ergueu o objeto de modo a esconder o sentimento pungente de humilhação e raiva que enrugava seu semblante.
 
Lá dentro,a dupla passou algum tempo remexendo gavetas,olhando debaixo do colchão,vasculhando o computador,examinando seus livros e revistas,sacudindo suas roupas.Até que ...
 
—Pode vir aqui?
 
Reiko mexeu-se bruscamente,e ao entrar,encontrou a mulher e o rapaz sentados na beira de sua cama,debruçados sobre seu diário pessoal folheando páginas.As mãos da garota suavam,trêmulas.
 
—Ei!
 
A oficial foi a primeira a lhe dar atenção.O outro prosseguiu com a leitura,parecendo muito intrigado.
 
—Você tem um grande interesse em paranormalidade.
 
—Algum problema?
 
—Aqui tem anotações sobre como manipular esse tipo de poder e o que fazer com ele...você iniciou um treinamento paralelo ao que foi determinado pelo Reikai?
 
Reiko apertava a prancheta contra o peito,lutando para se concentrar na conversa,e não no sentimento que esta lhe inspirava.—Vocês tem anotado aqui até o tempo que demorei no banheiro.Se eu estivesse fazendo alguma coisa de...
 
—Essa não é a questão.—Era o agente que falava,muito sério.—Você tem uma orientadora,a senhora Genkai.Não é necessário colher mais dados além dos que ela tem lhe passado.
 
A menina fechou e abriu os olhos,respirando fundo.—Olha...se vocês vivessem quebrando vidraças ou fazendo despencar coisas contra a vontade também se interessariam mais do que o necessário por todos os dados possíveis!Eu só estou tentando descobrir novas maneiras de controlar isso...eu só quero evitar problemas.
 
Ótimo.Havia controlado o nervosismo, ignorando qualquer negatividade.Olhava-os nos olhos, com segurança, preocupando-se em manter um divertido jogo do tipo “Quem Tem o Melhor Argumento”.Nada saíra do lugar.As emoções estavam dormentes, aquilo era rotina.Sem motivo para agitação.
 
—Isso quer dizer que você é realmente uma ameaça para si mesma e para os outros,o que nos leva a concluir que o melhor é parar de buscar informações por conta própria.Lembre-se,você tem alguém que a oriente,a senhora Genkai.
 
—Essas armas estão cadastradas?
 
Reiko voltou-se para o armário.Todas as portas e gavetas estavam abertas.Aproveitando o pequeno embate,a soldado de cabelos verdes tinha aproveitado para fuçar o restante,sendo que encontrara um facão,uma espada reta,dois bastões,duas lanças,dois [i]nunchaku[/i],quatro punhais,dois leques com pontas de metal e uma alabarda.
 
—Como assim?
 
—O Reikai sabe oficialmente da existência delas?
 
—Sabe.—Ela quase sorriu com seu costumeiro ar brejeiro.—A partir de agora.Eu uso nos treinos de luta corpo-a-corpo.
 
—Você deveria usar as armas de sua orientadora e guardá-las no local do treinamento, não mantê-las com você!
 
—Dá licença, qual é o seu nome mesmo?
 
—Lain.
 
—Certo,Lain.Eu não estou formando nenhum exército clandestino.Aliás, se tem algum youkai zanzando por aí,ele certamente preferiria arrancar minha cabeça a se aliar à mim.Eu treino em casa,por isso...
 
—Saiba que estamos a par desta irregularidade também.Nós confiscaremos as armas.
 
Reiko teve vontade de dizer que se quisesse partir alguém ao meio não precisava daquilo,mas se conteve.
 
—Vocês não podem ser um pouco mais razoáveis?Eu sempre fiz questão de colaborar porquê não tenho nada a esconder e também porquê eu...,eu realmente acredito que o regulamento do Reikai é indispensável,pra manter a ordem,e todos tem...,tem que se submeter...mas isso já é demais.
 
A mestiça pareceu perder o fôlego.Sentiu vontade de chorar,mas reprimiu violentamente.Uma tesoura que havia sobre a escrivaninha se abriu,deslizando com sutileza até à borda...
 
—Eu entrego as armas para Genkai.—Garantiu a paranormal,olhando discretamente o objeto metálico.Estava apavorada.
 
—Temos de examiná-las primeiro.Não leve à mal...—O homem uniformizado se dirigiu ao armário e começou a recolher os artefatos.—...isto deve constar do relatório.É um procedimento padrão.
 
À seguir,os dois agentes utilizaram aparelhos de scanner para verificar teto,piso e paredes.Enquanto executam o trabalho meticulosa e cautelosamente,como se esperassem que algo perigoso brotasse de súbito,Reiko passeava pelo próprio quarto de braços cruzados,sem expressar emoção alguma.Eles tinham feito cópias dos arquivos de seu computador,sem dúvida para análise posterior.A maior parte consistia em material do seu jornal.
—Bem,por hoje é só.Já assinou as fichas de rastreamento?
 
A menina assinou cada uma das vinte páginas.Viu de relance alguns comentários.
 
12:15 PM – Almoço com quatro colegas de classe,Kazuma Kuwabara,Taichi Kirishima,Yaten Sawamura e Yoji Ookubo.Aparentemente sociável,se mistura adequadamente à indivíduos normais.
 
14:20 PM – Aula de História.Necessidade de se camuflar atrás de uma imagem puramente humana ao demonstrar comoção excessiva com guerras e revoluções sócio-culturais.Youkais tem natureza beligerante,e não possuem espírito de união.
 
16:43 PM – Reunião em clube escolar.Considerável agitação.Ideais divergentes da comunidade,possíveis atritos podem acarretar ocorrências anormais.Tendência dominadora típica dos youkais.
 
—Até a próxima semana,Fujiwara.Já sabe as regras:nada de sair deste distrito ou da cidade.Nada de fazer coisas como a que fez no ano passado,quando agrediu aquela humana...
 
—E nada de relacionamentos íntimos com humanos do sexo masculino.
 
Sarcástica,Reiko bufou,ardendo de vergonha.—Como isso poderia acontecer,já que sou lésbica?
 
—Foi uma boa desculpa.—O homem observou.
 
—Você devia fazer disso mais que uma desculpa...afinal,cruzamentos entre fêmeas não geram filhotes.Vai que você se acostuma,será uma restrição à menos!
 
Tão logo os dois desapareceram,levando consigo as armas de Reiko e suas risadas irritantes,ela soltou o grito mais furioso que pôde,agarrando o diário e atirando-o contra a parede.Koenma sugerira que escrevesse ali.Segundo ele,era o único lugar onde poderia ter privacidade.
 
                     

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