Noites de Tormenta escrita por Shunnie Youko


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :3



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Noites de Tormenta

Era uma noite de tempestade. A chuva caia com imensa força do céu. O clarão dos raios por entre as nuvens deixava um ar tenebroso por toda a cidade. Em uma cidade interiorana, onde todos conheciam todos, a família Müller era extremamente famosa por sua riqueza.

Uma família com poucos requintes, cujo único luxo era a mansão em que viviam. Kleine Beere. Esse fora o nome dado ao local. Uma casa com mais de 20 cômodos, na qual viviam três pessoas. A pequena Katrina, de oito anos, que morava com os tios, Heike e Max.

Os pais da menina, e antigos proprietários da mansão, haviam falecido havia dois anos, em um acidente de carro, em um dia de tempestade. Desde então, a pequenina estava sob custódia dos tios. Mesmo que ambos fossem solteiros, eram aqueles mais próximos dela, já que também moravam em Kleine Beere.

O dia descrito anteriormente era no começo de dezembro, aproximadamente dia 10. Heike e Max haviam começado a decorar a propriedade para o natal que logo chegaria. Durante o dia, a pequena fora com os tios visitar os pais, e depois lhes ajudara com a montagem da árvore.

Muitas pessoas da cidade por vezes vinham para auxiliar na decoração. Nessas horas, a pequena menina se escondia por entre a população, e rezava para que nunca a encontrassem. Mas era à noite, depois que todos iam embora, que a tormenta da pequena Katrina tinha inicio. E ninguém desconfiava.

Quando a tempestade teve inicio, Katrina pegou sua boneca de pano velha e surrada, escondendo-se embaixo da cama, mesmo que soubesse que a achariam. A menina rezava para que isso não acontecesse, mas sempre a encontravam. Quando não era Heike, era Max. Quando não era Max, era Heike.

Como qualquer criança que perde os pais em um dia como tal, a pequena temia tempestades. No começo, se encolhia embaixo dos cobertores com Jade – a boneca de pano –, todavia o tempo mudou seu comportamento. Não apenas o tempo, mas a tortura que lhe era imposta, com os gritos infantis que eram acobertados pela chuva que caía na escuridão da noite, e pelos trovões que infestavam o céu.

Na primeira vez, era um dia de chuva como qualquer outro. Katrina chorava, embolada em seus cobertores, quando a tia entrou no quarto, berrando.

- Porque diabos não engole esse choro, pirralha maldita?

- T-tia??

A menina hesitou. Não era a tia que ela conhecia. Não. Aquela mulher que lhe agarrara pelo braço brutalmente e lhe jogara no armário do corredor, em meio a vassouras e tudo o mais, não era sua tia.

Katrina sentou no chão duro e frio, desatando a chorar. O que fizera para merecer aquilo? Trancada em um armário, sem comida e sem água, sem saber quando iria sair dali. E não obstante, havia também um palhaço. Um velho boneco, maior que a pequenina, cujo rosto sorridente e maquiado a assustava. E ela não podia se movimentar, então estando ali, a única coisa que poderia olhar era esse palhaço.

Em sua pureza infantil, não compreendia o motivo de tudo isso. Tortura que, no começo, acontecia apenas nas noites de tempestades, já que os trovões e o próprio barulho da chuva escondiam os gritos de desespero da menina. Com o passar dos meses, Heike e Max se tornaram mais confiantes e tudo isso acontecia não apenas em dias chuvosos.

Certo dia, Katrina escutou parte de uma conversa entre os dois irmãos, quando silenciosamente se esgueirou do quarto até a cozinha. Uma única frase, fora tudo que ouvira. Max. Ela sempre achou que ele se achava o “máximo”. Mas, no fundo, sabia que era Heike quem “ditava as leis”.

“Se você quer esse dinheiro, precisamos acabar com a pirralha. A herança é dela.”

A pequena entrou em desespero ao ouvir isso. Correu para seu quarto, dando o melhor de si para não fazer barulho. Pegou Jade, e tentou fugir.

Não conseguiu. Apenas irritou ainda mais os tios, que lhe prenderam novamente. Katrina chorava alto, com a esperança de que alguém lhe escutasse. E apenas Heike o fez. Tirou-a do armário, e a levou para o porão.

Lá, pegou uma vara bem fina, e acertou a menina. Não interessava aonde, qualquer lugar que fosse lhe cortava a pele. Apenas usava toda sua força para machuca-la. E isso apenas aumentou o choro. Mais tarde, Katrina descobriu que aquilo era uma vara de marmelo.

Não foi apenas assim, mas também tamancos de madeira, chinelos, cintas, e por vezes até chicote. Depois dessas sessões, sempre a prendiam novamente. Por horas a fio, sem comida ou água. Nem mesmo podia ir ao banheiro. Com o tempo, ela se acostumou com a dor. E não mais chorava.

Seu corpo estava completamente recoberto por cicatrizes horríveis. Cada dia acordava com a incerteza de sobreviver ou não até o anoitecer. Havia três anos que convivia com essa tortura. Era uma menina de apenas 11 anos, mas o peso que carregava em suas costas era extremamente maior.

Não ia para o colégio, tinha aulas particulares. Seus professores? Escolhidos a dedo por Heike e Max, que a diziam “desastrada”, falavam que sempre levava tombos, por isso suas cicatrizes e hematomas. Por isso, não tinha como repararem na pequena e muito menos em sua dor.

Certa noite de inverno decidiu que ia tentar fugir. Arrumou uma mala, colocou-a embaixo da cama. Tinha um primo, por parte de pai, que morava ali perto. Iria até lá. Eles iriam entender. Agasalhou-se bem, e se deitou, apenas esperando que os tios fossem dormir.

Quando isso aconteceu, Katrina pegou a bota e a mala, e foi até a cozinha. Deixar-lhes-ia um presente. Todavia, nada mortal. Não queria se igualar a eles. Ia apenas fazer com que tivessem crise alérgica.

Para Max, pegou um bolo de chocolate, e trocou com a embalagem do bolo que continha morangos. Para Heike, jogou todo o café em pó que tinha na pia, e encheu os potes com chocolate em pó.

Feito isso, saiu. Em uma mão, a mala. Na outra, estava Jade. No começo, corria o mais rápido que suas pernas machucadas lhe permitiam. Quando se aproximou da casa do primo, começou a rezar em sua mente para que eles ainda morassem ali.

Tocou a campainha, ainda rezando. E como a primeira coisa boa que lhe aconteceu em cinco anos – desde a morte dos pais –, eles ainda moravam ali. Agathos, seu primo, quem atendeu a porta. Nessa hora, lágrimas escorriam dos olhos de Katrina. Ele lhe parecia “Deus”.

- Katrina? – disse-lhe, tocando-lhe a face docemente. Um toque preocupado, que havia muito a menina não sentia. – O que houve com você, priminha? Vem, vem, entra!

Ela não respondeu. Apenas entrou na casa. Agathos a levou para a sala, onde estavam os pais dele – seus tios. Por um momento, ela tremeu. Ficou com medo que eles fossem iguais a Heike e Max. Mas, quando seu tio Damião a pegou no colo, ela sentiu seu “acalmar”. Então, a tia Ceres lhe abraçou, e a menina chorou até adormecer.

No dia seguinte, quando acordou, estava deitada sozinha em uma enorme e confortável cama de casal. Levantou-se com medo, e saiu do quarto, indo até a cozinha. Ao chegar lá, estavam os três sentados na mesa. Damião levantou-se quando viu a sobrinha, e a pegou no colo, fazendo com que Katrina choramingasse um pouco, devido aos machucados.

Colocou-a sentada numa cadeira, e Ceres lhe serviu uma fatia de um bolo de chocolate extremamente confeitado, algo que ela nunca havia comido antes. Provou um pedaço, desconfiada, e descobriu ser bom. Os tios e o primo estavam lhe assistindo comer, sorrindo.

Quando terminou, a campainha tocou. O tio foi abrir a porta, e quando o fez, Katrina reconheceu a voz de Heike. Puxou a mão da tia, e disse-lhe que eram seus tios, e que eles a haviam machucado. Ceres foi até a porta.

- Vocês são Heike e Max, certo? – disse, para quem estava ali fora. – Não são bem-vindos aqui. Vão embora e deixem Katrina em paz!

Damião fechou a porta em seus rostos, trancando-a. Depois sentaram-se com a menina, que lhes contou tudo, entre soluços. Eles ligaram para a polícia.

Quando os policiais chegaram lá, encontraram os dois mortos. A causa da morte? Uma crise alérgica extremamente forte. Mas ninguém nunca pegaria a assassina.


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Notas finais do capítulo

Reviews?
Se quiserem entender o porque de algumas coisas entre aspas, procurem os significados dos nomes :3