Duas Rosas escrita por bionicrevenge


Capítulo 1
Capítulo 1 - Well, I will be watching you.


Notas iniciais do capítulo

aproveitem (:



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    A música já havia tocado inúmeras vezes, meu dedo ainda estava no botão “play” do rádio, minha mão esquerda ainda segurava o copo de whisky com as pedras de gelo derretendo. Estava sozinho na sala toda empoeirada, meu animo para limpar a casa já havia morrido, não tinha o porquê de limpar a sala ou o quarto ou a cozinha ou o banheiro ou qualquer cômodo. A casa inteira estava suja, as únicas coisas limpas eram as fotografias em minha volta que torturavam meus olhos, todas coloridas e vivas, eu olhava-as e conseguia vê-las se mexendo igual ao dia em que as tirei. Todas me mostravam a mesma coisa: sempre minha expressão indiferente e os cabelos rosados e o sorriso dela, eu queria poder ver uma fotografia viva que me mostrasse um sorriso meu e um sorriso dela. Não havia nenhuma.

     Mas uma fotografia me mostrava uma das coisas que as outras não possuíam: um beijo que minha amada me dava no ombro bem em cima de minha tatuagem, seus olhos verdes semicerrados, os cabelos rosas curtos e a mão puxando minha blusa. Era a fotografia que não se mexia, que não estava viva, que me amarrava o coração, que me perfurava os olhos, que me deixou parado e sentado três dias seguidos só a admirando.

    – Scarlet rose... scarlet rose, good night, sleep tight. – Repeti os últimos versos da música.

    A música que minha amada tanto gostava e venerava, ela cantava todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites. Quando eu acordava e já dava de cara com aqueles olhos verdes me encarando como se eu fosse a musa e ela o pintor, os lábios rosados se abriam para pronunciar docemente e admiravelmente o primeiro verso da música. De tarde, depois do almoço, ela tirava a mesa e quando pegava meu prato, vinha com os lábios sussurrando no meu ouvido a outra parte da música. Mas, de noite, quando já estávamos deitados e com os olhos fechados, ela voltava ao começo da música só que com o tom mais doce, mais suave e mais harmonioso que conseguia e quando terminava a música, me envolvia com os braços, colocava a cabeça no meu peito, jogava os cabelos rosados pelo meu braço e fechava os olhos.

    A música começou de novo e de novo e de novo e de novo e outra vez, o whisky desceu pela minha garganta de novo e de novo e de novo e de novo e outra vez, meus olhos falharam de novo e de novo e de novo e de novo e outra vez, a dor cresceu de novo e de novo e de novo e de novo e outra vez. Tudo se repetia, já havia se repetido durante três dias, e iria se repetir todos os dias, mesmo se eu levantasse da poltrona, mesmo se eu sorrisse. A dor estava comigo e ela nunca me deixaria.

     Fechei meus olhos para uma lagrima dançar em minha bochecha, tirei meu dedo do play e coloquei sobre meu olho esquerdo, mais lagrimas saíram dos meus olhos. Eu achava que era forte, que conseguiria viver sem o amor da minha vida, que poderia superar a dor de perder a pessoa mais próxima a mim. Cadê minha força? Onde está a minha vontade? Onde está a minha vida? Será que elas haviam sido enterradas junto ao meu amor? Meus dedos falharam deixando o copo de whisky cair no chão e formar uma poça dourada com cacos de vidros, tampei meus olhos com as duas mãos, chorava e chorava, mas a dor não sumia.

    Lembrei de sua morte: o carro prata vindo na direção errada da rua, batendo no meu carro, Sakura batendo a cabeça, Sakura quebrando o pescoço, o bêbado saindo do carro para discutir que eu estava errado, eu tentando acordar Sakura, os seus olhos perdendo a vida, sua pele ficando tão fria quanto a minha e por fim, seu coração parando.

    Deixei mais lagrimas caírem, tentei levantar, mas minhas pernas me enganaram e me levaram ao chão gelado, cacos de frios entraram em meus pés, joelhos e mãos, a dor era pequena comparada a dor que a morte da minha amada causou. Meus olhos se fecharam cansados e acabei dormindo ali mesmo. Não sonhei, não tinha como sonhar naqueles momentos, e mesmo que eu sonhasse, nele Sakura estaria comigo no, mas eu acabaria acordando. Acordando para a vida. Era melhor não sonhar do que sonhar e acordar.

    Acordei com a visão embaçada e já deitado na cama, não me lembro de ter-me deitado na cama, minha visão havia melhorado e já não sentia mais a dor dos cacos de vidros, mas em compensação, a dor da perda ainda estava comigo, era como se ela estivesse deitada comigo e abraçada ao meu corpo. Ela não estava indo embora, parecia que me amava tanto quanto eu amava Sakura, eu tentava fazer ela me deixar, mas depois de três dias com ela, eu já me acostumei com a maldita sussurrando a minha perda toda hora em meu ouvido.

    Sentia o cheiro de cerejeira de Sakura na cama, me encolhi na cama e abracei o travesseiro dela, seu cheiro era a fragrância que eu venerava, lembrei de quanto acordava com aquele cheiro colado ao meu corpo, e o cheiro me levava Sakura completamente nua, coberta pelos lençóis.

    Eu conseguia ouvir a música, mas ainda não sabia como estava deitado na cama, levantei sem muitas forças, meu corpo estava trabalhando a base de puro whisky, abri a porta e dei de cara com os olhos castanhos, frios e sérios de Morgan, minha melhor amiga ou irmã. Os olhos de Morgan se chocaram com os meus, surpresos, eles se dirigiam pelo corpo, analisando cada lugar.

    – Pensei que você já estava morto... – Ela disse com duvida e angustia.

     – Desculpe, Morgan, eu não estou agüentando. – Pela primeira vez em minha vida, eu transmitia dor e arrependimento nos meus olhos.

    – Você precisa comer e tomar um ban...

     A abracei com força, deixei minha cabeça cair em seu ombro, as lagrimas voltavam a minhas bochechas, elas queimavam meu rosto sem dó.

    – Dói, Morgan, dói e não para. – Disse entre os soluços. – Faça parar, por favor!

     Ela se distanciou de mim e com os olhos molhados, abriu os lábios e os mexeu como palavras, só que sua voz falhava. Recitava um poema sem som e seus olhos tinham menos vida que seus próprios lábios.

    – Eu não consigo, você precisa fazê-la parar sozinho. – As lagrimas desceram sobre seu rosto silenciosamente. – Coma algo, volto amanhã... não tente se matar. – Dizia enquanto se retirava, e antes mesmo da porta bater, tive a ilusão de ver os cabelos negros de minha melhor amiga virando rosados, seus olhos molhados e negros virando verdes e brilhantes, a porta fechou e minha ilusão foi embora. O que eu estava fazendo? Imaginando Sakura no corpo de Morgan... estava ficando louco.

    A música interrompeu meus pensamentos, ela estava repetindo o mesmo verso inúmeras vezes, o CD estava riscado, só poderia...

     “Well, I will be watching you... Well, I will be watching you... Well, I will be watching you... Well, I will be watching you... Well, I will be watching you... Well, I will be watching you...”

    Bem, eu vou estar te vigiando...


    
“Não tente se matar.” A frase de Morgan estava ecoando na minha cabeça desde o mês passado... A morte de Sakura já fazia um mês e eu estava pior que nunca, o whisky já acabou, o CD já estava riscado e a música não tocava mais.

    Meu sapato estava cheio de terra que se colidia com a água da chuva, a barra de meu sobretudo preto estava sujo com lama. Subi meus olhos para a lapide com as inscrições em dourado “Uchiha Sakura 1985-2009”, sorri quando li seu nome mesclado com o meu. A chuva estava ficando cada vez mais forte, seus pingos me batiam na cabeça e desciam sobre meu rosto até chegar a meus ombros, quando olhei para cima, os pingos viam e acariciavam meu rosto com força, eram melhores que as lagrimas, eles não ardiam, na verdade, era confortante.

     – Sakura... – Desci meus olhos de novo.

    Agachei na altura da lapide, passei minha mão sobre ela e sorri, por mais bobo que fosse.

     – Você não acreditaria se eu lhe contasse o que eu tenho feito. – Falei enquanto olhava a terra sobre o caixão. – Sabe aquela sua música? Eu venho ouvindo ela há dias, mas o CD acabou riscando... Eu até tentei procurar em alguma loja se tinham o CD original, não consegui achar. – Fiz uma grande pausa tentando conter minhas lagrimas. – Obriguei Morgan a gravar a música em um CD, a música é a faixa 1 até a faixa 24. – Tirei o CD de meu bolso e coloquei-o sobre a terra. – Você também lembra do whisky que comprou no nosso casamento dois anos atrás? Bem... eu o comprei umas cinco vezes até parar de beber, até por que, o que lhe matou, minha querida, foi um homem que não agüentou ficar sem beber. – Desta vez, tirei um recipiente cheio com o liquido dourado e coloquei-o do lado do CD. – Desde que você morreu, eu parei de comer... qualquer comida não se compara a sua, mas agora, eu voltei a comer, e tenho que lhe confessar, Sakura, a minha comida não é boa. – Fiz uma pausa grande e desta vez, deixei que minhas lagrimas se juntassem aos pingos de chuvas. – Nada é a mesma coisa sem você, nada se compara a você... Sinto-me culpado de dizer isso, minha querida, mas eu preciso lhe contar... A uma semana atrás, eu estava tão doente que cheguei a imaginar que Morgan era você e a beijei, mas os lábios dela não são como os seus. – Solucei três vezes até voltar a falar.

    – Ela me deu um tapa, Sakura, eu acho que mereci, não? – Ri com o nariz. – Eu sinto sua falta, e nada do que eu possa fazer, irá te trazer de novo. Até pensei em me matar, Sakura, mas acho que você não gostaria disso. Falam que depois da morte de alguém próximo a nós, vem uma lição de vida... – Limpei meus olhos com a manga do sobretudo. – Mas eu não estou vendo merda de lição nenhuma. Só vejo você e você, sempre... Deitada ao meu lado, sentada a mesa junto a mim, abraçada a mim enquanto escovo os dentes e principalmente, onde quer que eu olhe, qualquer pessoa que eu vejo, é você, Sakura, são os seus cabelos rosados e seus olhos verdes. – Chorava e soluçava, quase não conseguia falar. – E do mesmo jeito que você não me deixa, a dor também não me deixa. Por que isso tinha que acontecer justo com você, querida? Não poderia ser comigo? Por que você levou minha vida e minha força junto com você? Por quê? – Sussurrei enquanto me apoiava sobre minhas mãos. – Querida, eu te amo.

    Por fim, levei minhas mãos aos bolsos, tirei algumas coisas deles e as coloquei sobre o tumulo de Sakura junto ao CD e o whisky. Eram as coisas mais importantes para Sakura: uma carta com a letra de sua música predileta “Scarlet Rose”, uma carta com a letra da minha música predileta “Love Of My Life”, um bilhete com o significado da palavra “amor” e duas rosas vermelhas, uma amarrada a minha aliança e outra sozinha. Uma significava o amor e outra a felicidade.

    “You are my Scarlet rose.”

FIM


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Notas finais do capítulo

A história é antiga, a escrevi em 2009, mas continua linda pra mim, beijos.



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