Os Pássaros não Voam escrita por Eica
No dia subseqüente, Jodi bateu na porta de Tomas, que já estava pronto e o esperando. Caminharam pela rua, às vezes chutando pedras e gravetos que encontravam pelo caminho. Tomas cumprimentou um senhor que vinha sentado numa carroça cheia de melancias.
- Peguem um pedaço, rapazes – disse o senhor, passando um pedaço de melancia para eles experimentarem. – Não há melancias mais doces do que as minhas.
Após uma breve conversa, o homem se foi. Tomas e Jodi continuaram sua caminhada.
- O que fazem aqui para se divertir? – perguntou Jodi, de repente.
- Pescamos, nadamos no lago que você já conhece, há também o festival da maçã que acontece na época da colheita.
- Parece divertido.
- Se é. Muita música e comida. Este ano ainda não teve. Durante o festival, há concursos de melhor maçã, melhor prato feito de maçã e da rainha do festival.
Jodi riu.
- É uma pena eu não poder comer os pratos.
- Por que?
- Sou alérgico a maçãs.
- Não brinca!
- Verdade.
- Credo! Alérgico a maçãs? Essa é nova pra mim!
Riram.
Passearam pelo centro da cidade, onde se concentrava o comércio e a prefeitura. No cento dela, havia a praça das macieiras e dos jardins de lírios. Era uma cidade tranqüila e de terreno plano. Ótima para se andar de bicicleta, e hoje se via muitas pessoas pedalando com ânimo.
Próximos da praça, Jodi parou de andar.
- Que foi?
- Preciso descansar um pouco.
- Venha, segure-se em mim. – disse Tomas, pegando as mãos de Jodi e as colocando sobre seus ombros.
- Não é preciso.
- É sim. Venha, se segure. Estamos próximos de um banco da praça. Vou levá-lo até lá.
Tomas agachou o corpo e colocou Jodi sobre suas costas. O rapazinho era quase da sua altura, porém, muito levinho. Não foi difícil carregá-lo. Segurando com firmeza as suas pernas, levou-o ao banco de praça. Ali se sentaram e conversaram mais.
Três dias se passaram. Jodi já fazia parte do círculo de amizades de Tomas e Lídia: saia com os dois para muitos lugares da belíssima comunidade rural. Gostava da loira dos olhos verdes, a loira dos belos sorrisos e dos beijos amigáveis. Todavia, era impossível não ter suas preferências (é gozado que, mesmo entre amigos, exista aquela pessoa que te deixa mais à vontade para ser você mesmo) e Jodi tinha mais liberdade para falar com Tomas sobre qualquer coisa que fosse. Além do mais, eram homens, e homens costumeiramente se entendem melhor.
Ontem e hoje, Jodi fez companhia a Tomas, que estava super atarefado na fazenda. Já era o mês de trocar as camas de cascas de arroz dos boxes dos cavalos. Jodi ajudou, e como era de se esperar, cansou-se muito depressa.
- Vá descansar que eu termino.
- Não, não. Só mais esta. – disse Jodi, nitidamente exaurido.
Terminada as tarefas, Tomas quis que Jodi montasse sozinho num cavalo, mas o rapazinho não se via preparado para isto (sem contar o fato que Jodi preferia montar junto com Tomas. Era ótima sua companhia e também se sentia seguro com ele).
Hoje à tarde, quando o sol estava bem alto no céu, Jodi e Tomas cavalgaram até o campo e ficaram bem próximos do rio. Estavam numa parte da cidade em que o campo tinha arbustos altos. Como se sentaram no chão ficaram invisíveis a qualquer um – exceto Noddy, o cavalo grande e corpulento.
Tomas tentou tocar alguma coisa na gaita de Jodi. Sorriram um ao outro quando soaram notas musicais desajeitadas da gaita.
- Cuidado aí. Há formigas no chão. Suas picadas são dolorosas.
Jodi olhou para a fileira de formigas pretas que andavam próximas ao seu corpo, no chão. Afastou-se um pouco.
- Tome, tente tocar alguma coisa.
- Sou ruim, mas tudo bem.
Jodi pegou a gaita e levou-a a boca.
- Credo! Que merda! – disse uma voz.
Jodi parou de tocar quando um grupo de três rapazes apareceu entre os matos.
- Pare de tocar ou vai espantar o cavalo. – disse um deles.
Os demais riram.
- Cale a boca, George. – disse Tomas.
- Que estão fazendo aqui escondidinhos? Quem é o fedelho?
- Olhe como fala!
- Xiiii, tá bravinho, é? Acordou de mau humor?
- Vamos embora, Jodi.
Tomas e Jodi se levantaram do chão. Porém, quando iam se mandar dali, George e os outros dois rapazes não permitiram.
- Você me surpreendeu agora, Tomas. Levando esse moleque pro meio do mato? Sabe que só os namorados pervertidos fazem isso? Ontem mesmo levei minha namorada para dar uns amassos.
- Pois é, por isso ela não entra mais no mato. Ficou traumatizada.
Jodi conteve um riso.
- Que é isso?
- Não! Devolve!
George tomou a bengala da mão de Jodi. Tomas tentou recuperá-la, mas o engraçadinho do George saiu correndo com ela. Seus amigos correram ao lado dele dando altas risadas.
- Fique aqui. Pego pra você! – disse Tomas.
Tomas foi atrás dos garotos malandros e sumiu de vista. Já Jodi, até que tentou ir atrás de Tomas, mas este caiu de joelhos no chão quando os músculos das pernas falharam. Só o que pôde fazer foi esperar ali mesmo o regresso de Tomas. Ficou do lado de Noddy, sentindo raiva e aflição.
Decorrido um tempo, Jodi ouviu um barulho vindo dos arbustos. Ao virar o rosto, viu Tomas, ofegante. Trazia sua bengala na mão e também hematomas no rosto e manchas de sangue no nariz. Do jeito que estava descabelado, deve ter lutado muito para recuperar a bengala.
- Desculpe. Não pude evitar. – disse ele, mostrando a bengala que estava rachada.
O rapaz moveu-se torto, obviamente sentindo as dores pelo corpo das pancadas que recebera. Jodi não ficou preocupado com a bengala. Tomas lhe importava mais.
- Te machucaram muito?
- As botinas são muito pesadas. – respondeu ele, com certo humor na voz.
Tomas levou Jodi, sobre suas costas doloridas, para a casa dele (Nathan não estava). Sentou-o no sofá da sala.
- Prometo te fazer uma bengala nova. Até lá, precisará de ajuda para se mover pela casa?
- Eu me viro. É melhor cuidar desse nariz.
- Ah, tá tudo bem. – disse o rapaz, levando a manga da sua camisa vaquera ao nariz.
- Obrigado por tudo, Tomas.
Os pais dos rapazes souberam do incidente no mesmo dia, afinal, como é que Jodi explicaria a bengala rachada e Tomas os seus hematomas no rosto? Marta disse que ia conversar com os pais de George e dos outros dois rapazes que participaram da briga (as três famílias moravam próximos deles. Eram vizinhos). Felizmente, Tomas não quebrou nenhuma parte do corpo, mas sentiu-se totalmente indisposto por causa das dores.
Repousando em casa, Tomas pegou um pedaço de madeira (que ele mesmo cortou do tamanho da bengala de Jodi) e começou a moldá-la com sua faca especial.
- É muita bondade sua fazer uma bengala nova ao garoto. – disse Ivete, quando viu Tomas sentado numa cadeira da varanda do quintal.
O rosto do rapaz estava inchado e roxo.
- George e aqueles outros filhos da mãe estão pedindo para apanhar. – disse, aborrecido.
- Não será burro de procurar briga, será?
- Bem que eles merecem uma surra.
Ivete balançou a cabeça.
- Quer alguma coisa antes de eu ir ao mercado?
Tomas sacudiu a cabeça.
O rapaz ficou sentado onde estava trabalhando na bengala e isto se estendeu até o anoitecer. Não estava disposto a sair dali sem antes terminá-la. Marta chegou à varanda e disse ao filho:
- Você tem visita.
Tomas foi para a sala com sua mãe e se surpreendeu ao ver Jodi ali, sentado no sofá.
- Vou deixá-los sozinhos. – disse Marta, indo â cozinha.
Tomas seguiu-a com o olhar e viu Nathan na cozinha. O pai de Jodi sorriu para ele.
- Meu pai quis me comprar uma bengala nova, mas... Disse a ele que prefiro aquela que você está fazendo pra mim. – disse Jodi, com um sorriso.
- Vai demorar um pouquinho. Como pode ver, ela está ainda bem rústica.
Tomas aproximou-se devagarzinho e se sentou ao lado de Jodi.
- Mas ficará belíssima quando eu lixá-la e envernizá-la. – concluiu.
O de camisa vaquera ficou com o rosto abaixado, de olhos na madeira na sua mão. Madeira esta que ainda não parecia uma bengala de todo. Depois olhou para Jodi, quando este riu de repente.
- Está engraçado com essa cara roxa.
Tomas soltou um risinho.
- Vamos indo, Jodi? – disse a voz de Nathan. – Não vamos atrapalhar Marta e Tomas. Eles devem ter coisas para fazer.
Marta, que entrou na sala quase ao mesmo tempo em que Nathan, replicou:
- Por que não ficam para jantar? Não acha uma boa idéia, Tomas?
- Sim, seria legal.
Nathan e Jodi, então, jantaram com eles. Nathan e Marta conversaram e pareceram se entender. Depois da refeição, Tomas levou Jodi, sobre suas costas, até sua casa. Sentou-o em sua cama.
- Precisa de alguma coisa?
- Não.
Jodi foi para debaixo dos lençóis depois de descalçar os tênis.
- Boa noite. – disse Tomas, lhe acenando.
Fechou a porta do seu quarto ao sair.
Um dia mais tarde, no quintal de casa, Tomas lixava a bengala, que moldara para Jodi, sobre uma mesa. A bengala tipo “t” era quase idêntica à outra. Com a diferença de que a madeira desta era mais clara do que a madeira da bengala original. Depois de envernizá-la, foi à casa de Jodi. Bateu na porta três vezes e ninguém atendeu. Um vizinho disse que viu Jodi e Nathan saírem.
Tomas sentou-se nos degraus da varanda com o intuito de esperar por Jodi (estava ansioso para presenteá-lo a nova bengala).
Durante a espera, Tomas cumprimentou algumas pessoas que passaram na rua. Uma delas foi o senhor Ernesto, o velho gordo dono de uma plantação de melancias que vende suas frutas no centro da cidade; o afiador de facas, Mauro; e Daniela, a pequena garota de onze anos. Dos cabelos encaracolados e ruivos alaranjados.
Daniela se aproximou de Tomas, segurando uma caixa de papelão.
- Veja, Tomy. Quer um?
Ao esticar o pescoço, Tomas viu vários filhotes de coelhos branquinhos e peludinhos, todos espremidinhos dentro da caixa.
- Quanto é cada um?
- Estou dando. Já tem dezessete dias que nasceram.
Tomas escolheu um deles e o pegou com cuidado. Daniela agradeceu e continuou andando pela rua oferecendo os coelhinhos a quem passava. Tomas quis esperar Jodi por mais um pouco de tempo, mas o dever com os cavalos da fazenda chamou e foi preciso dar um pulinho nos alojamentos. Deixou o filhote de coelho dentro de uma caixa de papelão que encontrou em casa e foi cuidar dos cavalos.
Mais tarde, quando viu que Jodi voltou para casa, foi até ele e o presenteou com a nova bengala (o garoto ficou super agradecido e feliz) e também lhe presenteou o coelhinho branco, que Jodi deu o nome de Perninha.
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