Os Pássaros não Voam escrita por Eica


Capítulo 3
Capítulo 3




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No dia subseqüente, Jodi bateu na porta de Tomas, que já estava pronto e o esperando. Caminharam pela rua, às vezes chutando pedras e gravetos que encontravam pelo caminho. Tomas cumprimentou um senhor que vinha sentado numa carroça cheia de melancias.

- Peguem um pedaço, rapazes – disse o senhor, passando um pedaço de melancia para eles experimentarem. – Não há melancias mais doces do que as minhas.

            Após uma breve conversa, o homem se foi. Tomas e Jodi continuaram sua caminhada.

- O que fazem aqui para se divertir? – perguntou Jodi, de repente.

- Pescamos, nadamos no lago que você já conhece, há também o festival da maçã que acontece na época da colheita.

- Parece divertido.

- Se é. Muita música e comida. Este ano ainda não teve. Durante o festival, há concursos de melhor maçã, melhor prato feito de maçã e da rainha do festival.

            Jodi riu.

- É uma pena eu não poder comer os pratos.

- Por que?

- Sou alérgico a maçãs.

- Não brinca!

- Verdade.

- Credo! Alérgico a maçãs? Essa é nova pra mim!

            Riram.

            Passearam pelo centro da cidade, onde se concentrava o comércio e a prefeitura. No cento dela, havia a praça das macieiras e dos jardins de lírios. Era uma cidade tranqüila e de terreno plano. Ótima para se andar de bicicleta, e hoje se via muitas pessoas pedalando com ânimo.

            Próximos da praça, Jodi parou de andar.

- Que foi?

- Preciso descansar um pouco.

- Venha, segure-se em mim. – disse Tomas, pegando as mãos de Jodi e as colocando sobre seus ombros.

- Não é preciso.

- É sim. Venha, se segure. Estamos próximos de um banco da praça. Vou levá-lo até lá.

            Tomas agachou o corpo e colocou Jodi sobre suas costas. O rapazinho era quase da sua altura, porém, muito levinho. Não foi difícil carregá-lo. Segurando com firmeza as suas pernas, levou-o ao banco de praça. Ali se sentaram e conversaram mais.

            Três dias se passaram. Jodi já fazia parte do círculo de amizades de Tomas e Lídia: saia com os dois para muitos lugares da belíssima comunidade rural. Gostava da loira dos olhos verdes, a loira dos belos sorrisos e dos beijos amigáveis. Todavia, era impossível não ter suas preferências (é gozado que, mesmo entre amigos, exista aquela pessoa que te deixa mais à vontade para ser você mesmo) e Jodi tinha mais liberdade para falar com Tomas sobre qualquer coisa que fosse. Além do mais, eram homens, e homens costumeiramente se entendem melhor.

            Ontem e hoje, Jodi fez companhia a Tomas, que estava super atarefado na fazenda. Já era o mês de trocar as camas de cascas de arroz dos boxes dos cavalos. Jodi ajudou, e como era de se esperar, cansou-se muito depressa.

- Vá descansar que eu termino.

- Não, não. Só mais esta. – disse Jodi, nitidamente exaurido.

            Terminada as tarefas, Tomas quis que Jodi montasse sozinho num cavalo, mas o rapazinho não se via preparado para isto (sem contar o fato que Jodi preferia montar junto com Tomas. Era ótima sua companhia e também se sentia seguro com ele).

            Hoje à tarde, quando o sol estava bem alto no céu, Jodi e Tomas cavalgaram até o campo e ficaram bem próximos do rio. Estavam numa parte da cidade em que o campo tinha arbustos altos. Como se sentaram no chão ficaram invisíveis a qualquer um – exceto Noddy, o cavalo grande e corpulento.

            Tomas tentou tocar alguma coisa na gaita de Jodi. Sorriram um ao outro quando soaram notas musicais desajeitadas da gaita.

- Cuidado aí. Há formigas no chão. Suas picadas são dolorosas.

            Jodi olhou para a fileira de formigas pretas que andavam próximas ao seu corpo, no chão. Afastou-se um pouco.

- Tome, tente tocar alguma coisa.

- Sou ruim, mas tudo bem.

            Jodi pegou a gaita e levou-a a boca.

- Credo! Que merda! – disse uma voz.

            Jodi parou de tocar quando um grupo de três rapazes apareceu entre os matos.

- Pare de tocar ou vai espantar o cavalo. – disse um deles.

            Os demais riram.

- Cale a boca, George. – disse Tomas.

- Que estão fazendo aqui escondidinhos? Quem é o fedelho?

- Olhe como fala!

- Xiiii, tá bravinho, é? Acordou de mau humor?

- Vamos embora, Jodi.

            Tomas e Jodi se levantaram do chão. Porém, quando iam se mandar dali, George e os outros dois rapazes não permitiram.

- Você me surpreendeu agora, Tomas. Levando esse moleque pro meio do mato? Sabe que só os namorados pervertidos fazem isso? Ontem mesmo levei minha namorada para dar uns amassos.

- Pois é, por isso ela não entra mais no mato. Ficou traumatizada.

            Jodi conteve um riso.

- Que é isso?

- Não! Devolve!

            George tomou a bengala da mão de Jodi. Tomas tentou recuperá-la, mas o engraçadinho do George saiu correndo com ela. Seus amigos correram ao lado dele dando altas risadas.

- Fique aqui. Pego pra você! – disse Tomas.

            Tomas foi atrás dos garotos malandros e sumiu de vista. Já Jodi, até que tentou ir atrás de Tomas, mas este caiu de joelhos no chão quando os músculos das pernas falharam. Só o que pôde fazer foi esperar ali mesmo o regresso de Tomas. Ficou do lado de Noddy, sentindo raiva e aflição.

            Decorrido um tempo, Jodi ouviu um barulho vindo dos arbustos. Ao virar o rosto, viu Tomas, ofegante. Trazia sua bengala na mão e também hematomas no rosto e manchas de sangue no nariz. Do jeito que estava descabelado, deve ter lutado muito para recuperar a bengala.

- Desculpe. Não pude evitar. – disse ele, mostrando a bengala que estava rachada.

            O rapaz moveu-se torto, obviamente sentindo as dores pelo corpo das pancadas que recebera. Jodi não ficou preocupado com a bengala. Tomas lhe importava mais.

- Te machucaram muito?

- As botinas são muito pesadas. – respondeu ele, com certo humor na voz.

            Tomas levou Jodi, sobre suas costas doloridas, para a casa dele (Nathan não estava). Sentou-o no sofá da sala.

- Prometo te fazer uma bengala nova. Até lá, precisará de ajuda para se mover pela casa?

- Eu me viro. É melhor cuidar desse nariz.

- Ah, tá tudo bem. – disse o rapaz, levando a manga da sua camisa vaquera ao nariz.

- Obrigado por tudo, Tomas.

            Os pais dos rapazes souberam do incidente no mesmo dia, afinal, como é que Jodi explicaria a bengala rachada e Tomas os seus hematomas no rosto? Marta disse que ia conversar com os pais de George e dos outros dois rapazes que participaram da briga (as três famílias moravam próximos deles. Eram vizinhos). Felizmente, Tomas não quebrou nenhuma parte do corpo, mas sentiu-se totalmente indisposto por causa das dores.

            Repousando em casa, Tomas pegou um pedaço de madeira (que ele mesmo cortou do tamanho da bengala de Jodi) e começou a moldá-la com sua faca especial.

- É muita bondade sua fazer uma bengala nova ao garoto. – disse Ivete, quando viu Tomas sentado numa cadeira da varanda do quintal.

            O rosto do rapaz estava inchado e roxo.

- George e aqueles outros filhos da mãe estão pedindo para apanhar. – disse, aborrecido.

- Não será burro de procurar briga, será?

- Bem que eles merecem uma surra.

            Ivete balançou a cabeça.

- Quer alguma coisa antes de eu ir ao mercado?

            Tomas sacudiu a cabeça.

            O rapaz ficou sentado onde estava trabalhando na bengala e isto se estendeu até o anoitecer. Não estava disposto a sair dali sem antes terminá-la. Marta chegou à varanda e disse ao filho:

- Você tem visita.

            Tomas foi para a sala com sua mãe e se surpreendeu ao ver Jodi ali, sentado no sofá.

- Vou deixá-los sozinhos. – disse Marta, indo â cozinha.

            Tomas seguiu-a com o olhar e viu Nathan na cozinha. O pai de Jodi sorriu para ele.

- Meu pai quis me comprar uma bengala nova, mas... Disse a ele que prefiro aquela que você está fazendo pra mim. – disse Jodi, com um sorriso.

- Vai demorar um pouquinho. Como pode ver, ela está ainda bem rústica.

            Tomas aproximou-se devagarzinho e se sentou ao lado de Jodi.

- Mas ficará belíssima quando eu lixá-la e envernizá-la. – concluiu.

            O de camisa vaquera ficou com o rosto abaixado, de olhos na madeira na sua mão. Madeira esta que ainda não parecia uma bengala de todo. Depois olhou para Jodi, quando este riu de repente.

- Está engraçado com essa cara roxa.

            Tomas soltou um risinho.

- Vamos indo, Jodi? – disse a voz de Nathan. – Não vamos atrapalhar Marta e Tomas. Eles devem ter coisas para fazer.

            Marta, que entrou na sala quase ao mesmo tempo em que Nathan, replicou:

- Por que não ficam para jantar? Não acha uma boa idéia, Tomas?

- Sim, seria legal.

            Nathan e Jodi, então, jantaram com eles. Nathan e Marta conversaram e pareceram se entender. Depois da refeição, Tomas levou Jodi, sobre suas costas, até sua casa. Sentou-o em sua cama.

- Precisa de alguma coisa?

- Não.

            Jodi foi para debaixo dos lençóis depois de descalçar os tênis.

- Boa noite. – disse Tomas, lhe acenando.

            Fechou a porta do seu quarto ao sair.

            Um dia mais tarde, no quintal de casa, Tomas lixava a bengala, que moldara para Jodi, sobre uma mesa. A bengala tipo “t” era quase idêntica à outra. Com a diferença de que a madeira desta era mais clara do que a madeira da bengala original. Depois de envernizá-la, foi à casa de Jodi. Bateu na porta três vezes e ninguém atendeu. Um vizinho disse que viu Jodi e Nathan saírem.

            Tomas sentou-se nos degraus da varanda com o intuito de esperar por Jodi (estava ansioso para presenteá-lo a nova bengala).

            Durante a espera, Tomas cumprimentou algumas pessoas que passaram na rua. Uma delas foi o senhor Ernesto, o velho gordo dono de uma plantação de melancias que vende suas frutas no centro da cidade; o afiador de facas, Mauro; e Daniela, a pequena garota de onze anos. Dos cabelos encaracolados e ruivos alaranjados.

            Daniela se aproximou de Tomas, segurando uma caixa de papelão.

- Veja, Tomy. Quer um?

            Ao esticar o pescoço, Tomas viu vários filhotes de coelhos branquinhos e peludinhos, todos espremidinhos dentro da caixa.

- Quanto é cada um?

- Estou dando. Já tem dezessete dias que nasceram.

            Tomas escolheu um deles e o pegou com cuidado. Daniela agradeceu e continuou andando pela rua oferecendo os coelhinhos a quem passava. Tomas quis esperar Jodi por mais um pouco de tempo, mas o dever com os cavalos da fazenda chamou e foi preciso dar um pulinho nos alojamentos. Deixou o filhote de coelho dentro de uma caixa de papelão que encontrou em casa e foi cuidar dos cavalos.

            Mais tarde, quando viu que Jodi voltou para casa, foi até ele e o presenteou com a nova bengala (o garoto ficou super agradecido e feliz) e também lhe presenteou o coelhinho branco, que Jodi deu o nome de Perninha.


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