Mikelly retirou as bandagens que cobriam meu tórax antes de me encarar com os olhos serenos.

Fazia cerca de duas semanas que não pisava no colégio e uma que não via nenhum dos deuses, isso me deixava bastante preocupada.

-Tome cuidado pra não se esforçar demais – ela me recomendou juntando as gazes – E peça para Leon tomar cuidado aos lugares aonde você vai.

Apenas assento com a cabeça silenciosa antes de cruzar meus braços de maneira protetora.

-O que foi, Angelique? – ela me perguntou encarando-me preocupada.

-O que eles estão fazendo? –respondo com meu olhar direcionado pro nada.

-Estão procurando Ária – ela respondeu suave – E quem mais está atrás de você.

Encaro-a, antes de jogar em seus braços.

-Por que não pode ficar? – pergunto manhosa, não era justo que tivéssemos que nos separar agora.

-Tenho que obedecer às ordens que recebo dos Arcanjos – ela respondeu delicada afagando minhas costas – Tentarei visitar você sempre que possível.

-E Jordan? – indago afastando-me.

-Ele vai superar a separação – ela disse sem emoções.

-Selena – disse Leon entrando no quarto – Mikelly temos que ir.

Olho-o.

Parecia um pouco cansada, sua roupa estava suja de folhas, poeira e possuíam alguns rasgos.

Ele depositou suas pedras acinzentadas em mim.

-Tem algo daqui que queira? – ele indagou suave.

Balanço a cabeça negativamente enquanto me ergo para pegar meu casaco que estava na porta do meu guarda-roupa. Minhas coisas já tinham ido para seu apartamento, casa, sei lá, ontem e hoje era eu que ia.

-Mikelly – ele disse solene – Cuide-se.

-Parece um idiota falando isso – ela debochou – Cuida dela, Sebastian, por mim.

Ele apenas assentiu antes de sair do quarto. Volto-me para Mikelly que me olhava serena.

-Estarei sempre com você – ela sentenciou antes que eu saísse do quarto engolindo o choro que se formara na minha garganta.

Até parecia que estava ganhando uma nova vida e esquecendo da que eu tinha.

Ajeito meu casaco antes de sair de casa encontrando Leon encostado em seu carro me encarando de braços cruzados.

-Seus machucados estão curados? – ele indagou quando chego mais perto.

-Posso dizer que sim – digo baixinho.

Ele deixou um suspiro sair de sua boca antes de abrir a porta do carona pra mim.

-Hora de ir – ele sentenciou enquanto eu entrava no carro.

E minutos depois estávamos nos dirigindo para seu apartamento onde ao que presumo os demais deuses devem estar a nossa espera. Permaneço o caminho inteiro em silêncio, não tinha o que falar com ele e muito menos o romeno abrirá a boca para falar alguma coisa.

Dou um suspiro enquanto vejo as casas passando como borrões por nós.

Parecia realmente que eu estava ganhando uma vida nova, tediante e que seria bem amarga. Fecho meus olhos por alguns segundos, só que quando os abro novamente já estava deitada em um sofá na saleta onde a decoração era o mais básico e requintada possível.

-Acordou? – Leon indagou da cozinha que era ligada com a sala secando suas mãos – Vem comer.

Ajeito uma mecha de meu cabelo atrás da orelha enquanto me levanto indo para cozinha onde ele acabava de montar o jantar que pela cara parecia delicioso.

-Não fique apenas olhando – ele me criticou – Sente-se e coma.

Logo depois ele saiu da cozinha deixando-me apenas com o silêncio nada confortável do aposento que também era jeitoso. O apartamento tinha a cara de alguém que morava sozinho, solteiro e que recebia muitas mulheres possivelmente.

Afasto a cadeira para me sentar, pensando em todas as coisas que me ocorreram nesses últimos meses.

Tinha descoberto um novo mundo, uma nova Angelique que parecia ser perigosa para qualquer um, coisa que me gelava. Não apenas isso, mas as novidades sobre meu passado que não tenho mais, um deus dentro de mim que é apaixonado ao excesso por mim e agora estava morando com a pessoa que ele mais odiava apenas porque era mais fácil de me proteger.

Que, aliás, manda bem na cozinha.

Termino de comer e começo retirando a louça da mesa distraída que nem noto a aparição de Leon até que me viro dando de cara consigo.

-Vou te mostrar onde vai dormir de agora em diante – ele disse já se virando para que eu o acompanhasse.

Dou um suspiro, relaxando meus ombros.

Ele não poderia me odiar, mas também não ia com minha cara.

Oh coisa maravilhosa.

Ele abriu a porta de um quarto deixando que eu visse a decoração delicada que era inundada de branco, azul e lilás.

-Wade que arrumou – ele informou oco – Suas coisas estão no armário, se precisar de qualquer coisa apenas grite que alguém vai aparecer para te ajudar.

-Tudo bem – concordo assentindo com a cabeça. – Mais alguma coisa?

Ele colocou na minha mão uma chave enquanto ergo meu olhar para ele depois com uma sobrancelha arqueada.

-Cópia da chave do apartamento – ele explicou passando a mão para ajeitar a gola de sua camisa social – Humanos aturam esse tipo de coisa?

-Você ainda não viu nada – satirizo antes de fitar o teto do quarto – Não tem como me lembrar do que aconteceu antes de oito anos atrás, tem?

-Por que a pergunta? – ele perguntou indo se sentar na cadeira giratória que estava próxima a escrivaninha.

-Curiosidade – respondo indo sentar na cama de casal coberta por uma colcha lilás – Quero saber o que houve entre mim e vocês.

-Nada que mereça ser lembrado – ele disse meio seco olhando o quarto inteiro – Wade sempre curtiu decorações.

-Desviar do assunto não ajuda – o critico – Noelle disse que sempre brigávamos e...

-Ela é linguaruda – ele me cortou deixando seus olhos morrerem em mim – O caso é que nossa relação no passado não precisa ser lembrado. Você gostava do Sean e ele de você, mas estava no caminho para que se casassem.

-Pensei que Guardiões e Deuses não pudessem se envolver amorosamente – reflito.

Ele deixou um sorriso sem humor escapar de seus lábios que faz estremecer, mesmo sem alegria ainda seu sorriso continuava atraente.

-Sean não se importaria com as conseqüências – ele explicou sem qualquer emoção – Não dizem que o amor sempre fala mais alto?

-Mas não o amava – discordo – Por que está dizendo uma coisa dessas?
-Se é inteligente, vai saber que o melhor é não se envolver com ninguém – ele responde com uma nota na voz misteriosa demais para o meu gosto.

-Se refere ao fato de que Sean fique ensandecido e tente algo? – conjeturo com escárnio.

-Ganhou na loteria – ele satirizou – Enfim, se quer que a pessoa que você gosta fique inteira e bem, melhor não se aproximar dela.

-Por que? – pergunto meio sarcástica – Sean irá matá-lo?
-Isso é fácil demais – ele disse sério – Ele faria pior, muito pior.

-Isso se ele pudesse se mover – objeto erguendo minha mão onde a pulseira que ele colocara semanas atrás no pulso.

-Não o impede completamente – ele explicou – Exemplo disso é que você não dormiu quando víamos para cá, Sean assumiu o controle.

-E por que não me lembro de nada? – pergunto meio surpresa.

-A pulseira separa suas mentes também – ele respondeu sério – Não possuem mais pensamentos ou situações compartilhadas.

-E o que aconteceu para ele querer tomar meu corpo? – pergunto receosa.

-Não vai gostar de saber – ele responde suave – E como avisei antes, se ama alguém fique longe dessa pessoa o quanto puder para mantê-la viva.

-Sean não é capaz de fazer nada – o defendo ficando irritada com toda aquela insistência.

-Ele antes de ser servo da Mentira ou mesmo a Dor – ele começou solene – Foi um psicopata bastante exímio no que fazia.

Dou um sorriso de descrença, mas com uma dose de medo.

Afinal de contas, o que posso esperar de alguém assim?

-Está mentindo – digo tentando soar com confiança.

Ele tomba a cabeça para o lado.

-Não acreditou mesmo que ele fosse um santo, acreditou? – ele indagou retórico – Deuses que regem esse tipo de coisa sempre possuem um currículo invejável de coisas erradas, maldade.

-Então você se encaixa nessa categoria – rebato reflexiva.

-Totalmente – ele concordou levantando-se – Não pense que todo mundo não fez nada de errado no passado, se não quiser quebrar a cara.

-Já entendi o recado – digo ríspida – Tem algo mais que queria acrescentar as novidades?

-Saiba que Loren freqüenta aqui de vez em quando, por isso, tomem cuidado com o que quebram – ele disse num de sarcasmo.

Fecho a cara.

-Miranda não? – indago seca

-Apenas Loren – ele reforçou – Ninguém mais.

Assento com a cabeça mordendo meu lábio inferior.

Um tremendo problema sem solução ele é.

Na verdade tirando o corpo escultural, o sorriso deslumbrante e um coração que uma hora ou outra bate acelerado perto dele é um retardado de primeira classe.

-Vou te pedir um favor – digo olhando para o chão – Cuidado para não magoar Miranda. Se souber que fez isso, juro que te mando direto para um hospital.

-Isso não é um favor – ele discordou suave – É uma ameaça.

Ergo meu olhar para fitar suas pedras acinzentadas que transmitiam algo que não consigo decifrar direito.

-Entenda como uma então – replico séria.

-Então deixa te dizer uma coisa – ele se aproximou um pouco mais de mim – Cuidado com o que fala, pois caso chegue aos ouvidos de alguém, pode acabar de metendo em encrenca.

-Ficar ao seu lado já é uma encrenca – provoco.

No segundo seguinte estava deitada na cama com ele por cima de mim encarando-me com seus olhos flamejantes.

-Então tome cuidado com o que faz – ele saiu de perto de mim deixando-se desnorteada – Arrume-se, vou te levar a um lugar.