Ameaça escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 7
Capítulo 7




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          Piscando, Kaoru levou alguns minutos para se acostumar com a luz que entrava pela janela do quarto. Se espreguiçou vagarosamente, sentindo seu pulso arder um pouco. Ignorando a sensação que ele atribuiu ao sono, decidiu se sentar na cama, virando-se logo em seguida para a janela atrás da cama e estendendo um dos seus braços para fechar a cortina.
          Foi quando a luz do sol incidiu no corte que estava no seu pulso.
          Arregalando os olhos, o homem de cabelos roxos quase pulou da cama, aproximando-se da luz e observando o corte que ele não se lembrava de ter no pulso até a noite passada. Não havia sido muito profundo nem grande, mas ele tinha certeza de que aquela ferida não havia acontecido por acidente. Não mesmo.
          Olhando para os lençóis amarrotados, ele viu que eles também estavam manchados com um vermelho escuro, embora não fosse muito. Ele havia se cortado durante a noite? Com o quê?
          Esfregando os olhos e desejando que tudo aquilo não fosse real, Kaoru se arrastou para a sala, onde viu Kyo dormindo no sofá. O vocalista roncava sonoramente e estava dormindo em uma posição estranha, ainda com as roupas do dia anterior. A temperatura havia caído durante a noite, e era capaz que o homem de menor estatura estivesse encolhido de frio.
          Ao se aproximar de Kyo, Kaoru tomou outro susto. Havia um corte no seu rosto, que havia manchado algumas almofadas do seu sofá. Comparando com o próprio corte que estava no seu pulso, eles tinham mais ou menos o mesmo estilo. A mesma coisa teria cortado ambos?
          Afundando em uma poltrona ao lado do vocalista que ainda dormia, o líder do Dir en grey enterrou o rosto nas mãos. A cada dia que passava, ele sentia dentro de si mesmo uma angústia crescente, uma necessidade de fazer alguma coisa drástica, que mudasse tudo e parasse com aquela loucura. Mas o quê? Kaoru não tinha idéia de onde vinham esses sentimentos, que na maioria das vezes, pareciam de uma outra pessoa.
          Aliás, desde que todas as ameaças haviam começado, o guitarrista havia notado que ele sofria de lapsos de memória constantes, e que às vezes sentia coisas estranhas a respeito de uma ou outra pessoa. Já fazia alguns dias que ele achava que Kyo não era uma pessoa segura de se aproximar, mas ele não sabia por quê. Era como se algo dentro dele o afastasse do vocalista, mesmo sabendo que não havia nada a temer.
          Shinya e Die não causavam nenhuma mudança no guitarrista de cabelos roxos. Porém Toshiya...
          Suspirando, Kaoru jogou o corpo para trás, sendo apoiado pelo encosto da poltrona e encarando o teto branco do apartamento de Kyo. Com o começo de toda essas ameaças sem sentido, o líder da banda se viu mais e mais sob os cuidados e preocupações do baixista, e ele sabia que quando tudo terminasse, ele sentiria falta do contato mais próximo e prolongado que havia experimentado durante os dias insanos que estavam vivendo.
          Sentiria falta de ser abraçado por Toshiya, de passar mais dias na casa dele, ou em sua companhia no estúdio. Mas no fundo, ele sabia que seria melhor assim.
          Desde a entrada do baixista na banda, Kaoru havia sido inegavelmente atraído por Toshiya. Por mais que ele tivesse lutado contra isso durante meses, anos até, o guitarrista havia chegado a conclusão de que era impossível. Sua simples atração pelo lindo baixista se transformou em amor, depois de tantos dias de convivência. O que havia sido iniciado por causa da linda e cativante aparência de Hara Toshimasa evoluíra para amor, depois de encontrar tanto em comum com o outro homem, além de compreensão, que ele tão avidamente buscara em alguém até então.
          Mas ele jamais arriscaria contar a verdade. Primeiro que ele não sabia como o alvo dos seus sentimentos reagiria; segundo que como líder da banda, ele não tinha coragem de colocar em jogo as vidas de outras três pessoas, caso sua confissão abalasse os alicerces do Dir en grey e o trabalho que os cinco haviam feito até o presente momento.
          Aquele havia sido seu raciocínio desde sempre.
          - Kaoru?
          Porém, parecia que seu coração estava sendo esmagado, destruído por mãos invisíveis. Ele sentia algo tão forte, tão dolorido dentro dele... Uma melancolia inexplicável, como se ele estivesse para se despedir de tudo e todos. Despedir-se de Toshiya.
          - Kaoru? Está me ouvindo?
          Ele não queria abandonar nada. Ainda havia muito a ser conquistado. Então por que esses sentimentos tão confusos, tão estranhos e que não pareciam seus não iam embora?
          Kaoru foi tirado dos seus devaneios internos por uma sacudidela não exatamente delicada do seu companheiro no momento: Kyo. O vocalista observou o homem de cabelos roxos por alguns minutos, antes de suavizar o olhar e enxugar duas lágrimas solitárias que haviam rolado dos olhos de Kaoru.
          Gesto nada típico de Niimura Tooru.
          - K-Kyo?
          - Kaoru. Levante-se.
          Sem entender nada, Kaoru se desencostou da cadeira e levantou assim que Kyo deu dois passos para o lado, deixando espaço livre para o líder do Dir en grey ficar em pé. Sem mais palavras, o menor dos dois caminhou até a porta principal do apartamento, destrancando-a mas não abrindo a mesma antes de falar:
          - A última ameaça está lá fora, na parede.
          O guitarrista ficou ligeiramente mais pálido, antes de concordar com a cabeça a observar a mensagem. Dessa vez, ele tinha certeza de que tudo estava caminhando para uma conclusão, seja pelo próprio trecho de música escolhido ou pelas palavras do vocalista.
          - Como você sabe que esta é a última mensagem, Kyo?
          - Por causa disso. - ele agarrou o braço esquerdo de Kaoru, trazendo-o para cima e virando de forma que o dono do mesmo pudesse ver o corte feito no pulso - Kaoru, você sabe o que vai acontecer quando o dia de hoje terminar?
          Os olhos escuros do guitarrista fitaram o chão. De repente, ele viu imagens que até então não lembrava: sua própria mão direita afundando a lâmina de uma faca no seu pulso esquerdo.
          Erguendo rapidamente a cabeça e fitando Kyo, ele pressionou os lábios em uma linha fina, antes de dizer:
          - Eu sei...
          - Então nesse caso... - Kyo respondeu, fechando e trancando a porta de novo - Eu acho melhor você pensar em como vai sair dessa, Kaoru. E logo.
          Frase totalmente típica de Niimura Tooru.

          Toshiya detestava segundas-feiras. E com as ameaças sempre no mesmo dia, ele as detestava ainda mais, se é que aquilo era possível.
          O lindo baixista estava sozinho na sala onde eles geralmente se reuniam no estúdio. Ele não sabia dizer se haveria ensaio ou qualquer encontro no prédio naquele dia, mas ele não conseguia ficar em casa, e o único lugar onde ele se sentia relativamente em paz era ali.
          Shinya e Die não haviam aparecido, mas ele não estava preocupado com eles. Aliás, atrasos por parte dos dois estavam ficando freqüentes, mas Toshiya realmente não ligava para isso. Sua mente estava em Kaoru e no jeito como o homem tão decidido, resoluto e perseverante que ele conhecia havia se reduzido a alguém com medo, assustado, indefeso e passivo diante de tudo que acontecia.
          De repente, a porta da sala se abriu, admitindo Kaoru. Ele estava sozinho, a guitarra presa às suas costas. Toshiya levantou os olhos da mesa e encontrou os do líder da banda.

          Silenciosamente, Kaoru ocupou uma das cadeiras na grande mesa, sem falar nada. Desde que havia entrado ali, ele se sentia sob o exame atento de Toshiya, mas ao contrário do olhar de Kyo, que o incomodava por ser tão penetrante, sabia que o baixista estava preocupado com ele, como sempre.
          Tirando a guitarra das costas e colocando-a em uma das várias cadeiras vagas, Kaoru continuou calado. Abriu com cuidado a capa do instrumento e tirou a mesma de dentro, conseguindo evitar uma pequena careta por causa da dor que sentira do corte. Vestindo uma blusa de mangas compridas, o risco vermelho no seu pulso não era notável, mas isso não queria dizer que não ardia.
          Cuidadosamente, colocou-a em posição para tocar, e dedilhou durante alguns minutos uma melodia suave, calma. Toshiya fechou os olhos e inclinou-se para trás, na cadeira, apenas ouvindo Kaoru tocar.
          Era alguma coisa inédita, com certeza. O baixista nunca havia escutado aquela melodia antes, tão fortemente carregada de melancolia. Parecia que era um pedido de desculpas, uma despedida...
          Quando o silêncio voltou a reinar na sala, Toshiya perguntou, ainda de olhos fechados:
          - Do que você se despede, Kaoru?
          - Da minha vida.
          A resposta fez Toshiya arregalar os olhos castanhos, fixando-os no rosto do guitarrista, esperando encontrar uma expressão alegre e zombeteira. Encontrou um sorriso, mas era quase o fantasma de um, carregado de tristeza.
          O baixista rapidamente se levantou da sua cadeira, sentado-se ao lado de Kaoru e segurando suas mãos, logo que a guitarria havia sido deixada de lado.
          - O que você quer dizer com isso, Kaoru?
          - Que eu recebi a última ameaça e que meu prazo acaba hoje.
          - A... Última?
          Sem palavras, o guitarrista enrolou a manga da blusa, mostrando o corte. Ele virou os olhos para o lado, não querendo ver a expressão de Toshiya.
          - Kami-sama! O que aconteceu? O que houve, Kaoru? Kaoru... Kaoru olhe para mim!
          O rosto delicado do líder da banda foi virado forçosamente para o baixista, que agora tinha os olhos cheios d'água. A imagem de alguém tão machucado, tão triste e por sua causa era demais para Kaoru, que tentava desviar os olhos novamente, mas sem resultado.
          Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, o rosto de Toshiya avançou, sumindo com a distância que separava ambos. Os lábios molhados de lágrimas do baixista encontraram os seus, que acabaram respondendo ao toque.
          Segundos depois, os braços de ambos os homens estavam entrelaçados, mantendo os dois corpos unidos firmemente. Quando se separaram para respirar, não falaram nada, Toshiya apenas apoiando a cabeça no ombro de Kaoru.

          A cabeça de Kaoru estava quase doendo, tamanha quantidade de vozes, imagens e pensamentos passavam por ela, ora fazendo sentido nenhum ora se mostrando reveladoras.
          Ele havia violado justamente a regra que havia se imposto há anos: a de não se aproximar demais de Toshiya, de não causar problemas desnecessários para nenhum dos dois ou para a banda. No entanto, ele sabia que aquela noite seria a noite da sua morte, assim como tinha uma vaga idéia de que não seria possível pará-la.
          Afinal, tudo fazia sentido. Quem queria sua morte era ele mesmo, e sem saber como parar a si, restava apenas se despedir do que lhe era tão caro. Agora, infringir a regra não importava mais, porque não estaria vivo para ver as conseqüências.
          Porém, ele sentia no fundo um arrependimento marcante, arrependimento por não ter beijado e provado o gosto dos lábios de Toshiya antes; porque agora era tarde demais.
          Então era isso que aquele sentimento de angústia dizia: que por culpa dele e somente dele, iria morrer e deixar para trás coisas tão boas que poderia ter aproveitado.

          Toshiya inalava calmamente o perfume dos cabelos de Kaoru. Ele estaria mentindo para si mesmo se dissesse que não sabia por que havia beijado o seu líder.
          O baixista sabia muito bem que ele estava apaixonado pelo outro homem, e isso já fazia muito tempo. Porém, ele sabia que no mínimo, Kaoru não reagiria bem a isso, ou então iria negar qualquer tipo de envolvimento com ele por causa da banda. Ele conhecia Niikura Kaoru bem ao ponto de conseguir prever suas ações.
          Porém, saber que a pessoa que amava estava para deixar sua vida e de todos ao seu redor tão repentinamente era um choque, ainda mais sem nunca ter feito nada a respeito dos seus sentimentos.
          Ele sabia que poderia ter deixado Kaoru confuso com o seu beijo, mas ele estava machucado por demais; ele não iria deixar a pessoa que amava partir sem fazer nada. Aliás, ele não iria deixar a pessoa que ele mais prezava no mundo sair daquela sala sem ouvir uma palavra.

          - Aishiteru.
          Os olhos castanhos de Kaoru se arregalaram.
          - Aishiteru, Kaoru. - repetiu o baixista, suspirando em seguida.
          Dentro do corpo de Kaoru, todas as emoções confusas que ele sentia pararam. Era como se alguém houvesse desligado uma chave e desativado tudo dentro dele, menos o amor que sentia pelo homem nos seus braços.
          - Aishiteru mo.
          A confirmação de que sentia o mesmo que Hara Toshimasa havia deixado seus lábios tão facilmente que ambos se espantaram. Tirando sua cabeça do seu apoio confortável, Toshiya olhou novamente para Kaoru, antes de beijá-lo uma segunda vez.
          Quando se separaram, o guitarrista tinha um sorriso nos lábios, além de um brilho no olhar tão diferente que Toshiya não se lembrava de ter visto antes. 
          - Arigatou, Totchi.
          Era quase como se outra pessoa falasse por Kaoru. Os olhos não eram os que ele conhecia... Mas tão rápido quanto veio, o brilho misterioso sumiu dos olhos do guitarrista. Sem peder mais tempo, beijaram-se novamente, não registrando o barulho da porta se abrindo e se fechando logo em seguida.
          Do lado de fora do corredor, Kyo acendia um cigarro com o seu isqueiro, logo depois passando os dedos pelo corte que havia no seu rosto. Ele havia tomado a atitude certa em trazer Kaoru ali.
          Desde o começo de tudo, o vocalista sempre havia entendido o que estava acontecendo. Não havia se intrometido antes porque sabia muito bem que certas vezes, é preciso estar muito perto de perder para dar valor às coisas. A responsabilidade exagerada de Kaoru e tudo que ele reprimira durante anos vieram à tona de um jeito drástico. Ele tinha certeza que pelo menos a partir de agora, o líder do Dir en grey seria alguém menos sério e mais atento aos próprios sentimentos. Ele esperava sinceramente que aquela personalidade assustadora de Kaoru tivesse ido embora para sempre.
          Naquele momento, passos apressados e risadas ecoaram no corredor, e Kyo viu Shinya e Die se aproximando. Com um movimento de mão, mandou os dois pararem de andar.
          - Não entrem aí.
          - Não? Por quê? Kaoru vai...
          - Kaoru não vai nada. Vamos tomar alguma coisa. Não tem ensaio hoje.
          Die não contestou as palavras do vocalista por um segundo, sorrindo abertamente e puxando Shinya para junto dele pela cintura e murmurando algo no ouvido do baterista, que apenas riu.
          Andando atrás dos dois, Kyo deixou um pequeno sorriso curvar seus lábios. Ele era realmente muito bom, não só havia evitado a morte de Kaoru como havia feito dois casais surgirem na banda.
          O sorriso sumiu no mesmo instante do rosto do vocalista, quando ele percebeu quão irritante seria ensaiar agora. Ele iria experimentar o horror de ser uma "vela" durante todos as próximas reuniões.
          Amizade levava as pessoas a fazerem coisas estúpidas, Kyo ponderou, fazendo um barulho de desprezo com o fundo da garganta. Mas na verdade, ele sabia que podia aturar o novo clima da banda. Só não estava disposto a admitir isso, claro.

 

FIM


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Notas finais do capítulo

Acabou! Parabéns a todos que decifraram a identidade de quem fazia as ameaças antes do final e mil desculpas pela alta improbabilidade do enredo em geral. x3

Beijos para todos!



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