Ameaça escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 5
Capítulo 5




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         Toshiya puxou as cobertas devagar, como se tivesse medo de acordar o guitarrista com movimentos bruscos ou barulho. Dobrando cuidadosamente a barra do cobertor sobre o lençol, o baixista permitiu que um suspiro saísse dos seus lábios, ao mesmo tempo que os rugas em sua testa de preocupação se desafaziam ao ver o guitarrista calmamente dormindo.
          Permitiu-se alguns segundos no quarto escuro com Kaoru, apenas ouvindo o barulho suave e constante da sua respiração. Havia demorado um bom tempo para Toshiya conseguir acalmar o guitarrista depois da terceira ameaça consecutiva que recebera, e o baixista notou que muito provavelmente, seu líder não gostaria de ficar sozinho nem por um momento. E nisso se seguiu o duro trabalho para convencê-lo a dormir.
          Balançando a cabeça levemente para livrar a sua visão de alguns fios de cabelo escuro, Toshiya olhou o relógio digital na sua cabeceira: oito e meia da noite. Saindo do quarto, mas deixando a porta aberta para voltar se Kaoru precisasse dele, o baixista pegou o telefone sem fio do suporte onde ficava quando estava fora de uso, digitando rapidamente os números do telefone residencial de Die.
          Como esperava, a secretária eletrônica entrou. Die e Shinya deveriam estar no teatro, ainda.
          - Die, sou eu, Totchi. Kaoru recebeu outro recado... Sabem que ele está aqui. Preciso conversar com você, Shin e o Kyo sem que Kaoru esteja por perto. Quando chegar, me ligue. Ah, ligue no keitai, ok? Kaoru finalmente dormiu e não quero acordá-lo. Ja ne.
          Desligando o aparelho, Toshiya sentou-se no sofá onde minutos antes estivera com Kaoru, vendo o jornal. Abrindo novamente na página que o bilhete havia indicado, ele tentou decifrar a letra.
          Os garranchos vermelhos eram tão malfeitos que era necessária alguma boa vontade para entender os recados. Sem dúvida, era a mesma letra da mensagem escrita com batom no banheiro do estúdio.
          Pegando o pedaço branco de papel, o baixista fitou as letras da frase de Cage durante alguns minutos. Estava impressa, não rabiscada como da outra vez. Por que isso? Por que alguém se daria ao trabalho de imprimir agora?
          Deitando no sofá, Toshiya colocou o braço sobre o rosto, fechando os olhos. Nada fazia sentido. Para começar, por que Kaoru era ameaçado? Nem mesmo o guitarrista parecia saber a resposta. Toshiya sabia que reconheceria qualquer traço de culpa no rosto do líder da banda, caso isso acontecesse; ele convivia há muito tempo com Kaoru, e sabia quando o outro estava mentindo ou escondendo coisas. Não era o caso, infelizmente.
          A horrorosa caligrafia vermelha dançava na sua mente, mesmo com os olhos fechados. O jeito de escrever era quase como a letra de uma criança que ainda não aprendeu a escrever direito, mas com um quê de macabro. Parecia... Que a pessoa se esforçava para obter aquele resultado.
          Toshiya se sentou no sofá com um estalo. Será que tudo isso era por que... A caligrafia era de alguém conhecido?

          Dois dias depois, Die e Toshiya se encontravam sentados à mesa de um bar que costumavam freqüentar. Kaoru havia sido levado em algumas lojas por perto por Shinya, e Kyo havia sumido há longos minutos, sem dizer palavra.
          Batendo o cigarro no cinzeiro para logo depois levá-lo de volta a boca, o guitarrista ruivo fitou o ansioso baixista à sua frente. Estendeu um dos braços sobre o sofá no qual havia se reclinado, fazendo espirais de fumaça com o seu cigarro vagarosamente.
          - Deixa eu ver se entendi direito, Totchi. Você quer que eu fique com o Kaoru em casa?
          - Hai. Quem quer que seja que anda mandando essas mensagens, acabou descobrindo que Kaoru está comigo... A menos... Você recebeu algum tipo de recado?
          Die balançou a cabeça negativamente.
          - Não, nada. Nada que eu tenha notado, pelo menos.
          - Hmmm... - Toshiya mudou de posição na sua cadeira - Certo. Mas fique atento. Em todo caso, estou pedindo para você porque já encontraram a minha casa, e o batom do Shinya foi usado semana passada... Talvez você e Kyo dêem sorte.
          - Estou vendo onde você quer chegar. Mas não acha que quem quer que esteja fazendo isso vai descobrir meu endereço também?
          - Não sei. - Toshiya balançou a cabeça, negando sinceramente - Eu confesso que não tenho idéias sobre o que devemos fazer. Kaoru parece relutante em investigar o que está acontecendo, e eu não quero arriscar mantê-lo sob minha proteção, quando isso se mostrou ineficaz.
          - Totchi... Você está fazendo o possível por ele. - o guitarrista sorriu por detrás da cortina de fumaça - Não se culpe por isso. Não é você que está fazendo Kaoru sofrer, é? Então não fique desse jeito.
          O baixista apenas suspirou pesadamente, começando a tossir com a fumaça.
          - Die... Esse seu cigarro está bem pior do que eu lembrava.
          - Nah. Você está andando demais com o Shinya, esse é o seu problema. - Die sorriu, apagando o cigarro e enterrando-o em definitivo no cinzeiro no centro da mesa - Mas me diga uma coisa... E Kyo? Você vai mandar Kaoru para a casa dele?
          - Sinceramente... Kyo anda estranho desde que tudo isso aconteceu. Ele diz que não é cego, que vê tudo o que está ocorrendo e ainda sim... Ele age como se tudo isso fosse muito divertido para ele!
          Die não conteu um pequeno sorriso. Estava ficando óbvio demais para ele que os sentimentos que Toshiya nutria pelo líder da banda haviam deixado de ser pura amizade e admiração há muito tempo. Mesmo que nem o próprio baixista percebesse isso.
          - Eu não entendo o Kyo às vezes... Mas talvez seja bom conversar com ele... Na verdade, acho que sentar o Kyo e o Kaoru numa mesma mesa e colocá-los para discutir os recados poderia surtir efeito. Tudo indica que Kyo parece saber de alguma coisa, e nosso querido líder fica evitando investigar isso a fundo. Acha... Que Kaoru tem medo? - Die perguntou, retirando os óculos escuros do rosto e pousando-os sobre a mesa.
          - Não acho. Tenho certeza... - Toshiya mordeu os lábios - Kaoru não fica mais sozinho, praticamente. Salvo quando ele vai tomar banho, mas eu... Tenho medo que ele tente fazer uma besteira, e venho obrigando-o a deixar a porta aberta, para onde quer que ele vá. Ele sai pouco de casa, mas nunca sozinho.
          Die fez um muxoxo, e coçou a parte de trás do pescoço.
          - Eu não estou entendendo nada disso.
          - Muito menos eu.
          - E pensar que fui acusado disso tudo.
          - Die... Você sabe que a acusação não foi algo tão assustador assim... No começo eu realmente achei que podia ser você, mas... É o que Kaoru diz. Isso já está durando tempo demais. Sempre às segundas-feiras.
          - Segundas?

          Os dois homens pararam de conversar e viraram a cabeça na direção da voz. Cabelo curto loiro, óculos escuros e uma quantidade significativa de piercings foram o suficiente para que a figura fosse reconhecida.
          - Kyo. Onde foi?
          - Andar.
          - Encontrou Shin ou Kaoru?
          - Iie. Não sabia que eles tinham saído.
          Kyo se mexeu e sentou ao lado do guitarrista, bebendo do seu copo antes mesmo de pedir, fazendo Die lançar um olhar assassino na sua direção.
          - Está quente.
          - Peça a sua, folgado.
          - Vou pensar no seu caso. - em seguida, voltou-se para Toshiya - Você disse segundas-feiras?
          - Hai... Os bilhetes, pelo menos até agora, chegam sempre de segunda. A hora do dia varia, mas é sempre o mesmo dia da semana.
          O olhar arregalado de Die evidenciava que ele não havia reparado nisso. Kyo assentiu com a cabeça.
          - Então em cinco dias teremos mais um.
          - Tomara que não, Kyo. Totchi vai mudar Kaoru para a minha casa... Vamos tentar despistar essa pessoa.
          - Eu acho que vai ser inútil.
          Baixista e guitarrista se voltaram para o vocalista, como se quisessem que ele sugerisse algo melhor. A sugestão não veio.
          - Seu otimismo é contagiante, Kyo.
          - Eu nunca fui otimista em relação a isso. Sempre achei que Kaoru deveria ir fundo. Mas ele resiste. E já que as ameaças são feitas a ele, como podemos forçá-lo, se ele não quer?
          Os outros dois homens mantiveram-se em silêncio. Ambos notaram o começo de um sorriso se formando nos lábios do vocalista.
          - O que será que Kaoru tem medo de descobrir?

          Die andava de um lado para o outro na sua casa, fumando mais um cigarro, o enésimo naquele dia. Era segunda-feira.
          Ele se encontrava muito ansioso, sem saber se realmente iriam entregar um recado ou mensagem para Kaoru naquele dia. Parando de andar por alguns instantes, ele ouviu o barulho do chuveiro sendo desligado. Andou rapidamente até o banheiro.
          - Daijoubu ka, Kaoru?
          - Hai. - Kaoru saiu do box, enrolado em uma toalha na cintura, enquanto usava outra para secar o cabelo molhado - A cor está saindo...
          Die se aproximou do guitarrista, tomando cuidado para não ficar molhado. De fato, a raiz do cabelo de Kaoru estava deixando de ser roxa. Die olhou o próprio cabelo no espelho, eternamente vermelho.
          - Mas os meus fios são pretos no começo...
          - Mas em você isso combina.
          Die riu do tom frustrado de Kaoru, e saiu do banheiro. Virou-se da porta:
          - Seque-se e vamos jantar! Pizza hoje.
          Kaoru riu.
          - Die, você come muito mal.
          Die fingiu estar magoado.
          - Prefere uma salada de alfafa, ridaa-sama?
          - Não! Kami-sama, não sugira uma coisa dessas!
          O guitarrista de cabelo púrpura riu alto, em seguida olhando Kaoru largar a toalha que usava no seu cabelo. Uma boa parcela do corpo do outro guitarrista estava descoberta, e de fato, era uma visão atraente. Ele podia entender o que Toshiya via no líder da banda.
          - Não demore, Kao. Ou então não vamos terminar de ver aquele DVD de Gundam hoje.
          - Não brinque com isso. Endless Waltz é sagrado!
          Die se retirou do corredor, apagando o cigarro e jogando-o em um cinzeiro na mesinha de centro da sala. Entrou na cozinha, abrindo uma gaveta e remexendo no conteúdo da mesma em busca dos folhetos de disk-pizza. Eles tinham que estar em algum lugar.
          Quando metade dos papéis da gaveta já havia sido colocada para fora, Kaoru apareceu na cozinha com um sorriso triunfante e...
          - Meu folheto! Kaoru, isso foi perverso!
          - Eu sei. - o outro sorriu, em seguida dando de ombros e pegando uma cerveja na geladeira - Sua casa é uma bagunça. Na verdade, salvei nossa janta.
          Die sorriu. Pelo menos, parecia que Kaoru nem lembrava que era segunda-feira muito menos parecia preocupado com as ameaças.
          - Arigatou, ó todo-poderoso líder. - Die imitou uma reverência.
          - Dou itashi mashite, reles mortal. A pizza deve estar chegando.
          - Como assim? Você já pediu?
          - Hai.
          Die piscou algumas vezes, vendo a forma de Kaoru deixar a cozinha e ligar a televisão na sala. Pegando uma cerveja para si também, decidiu seguir o colega de banda, não ligando para pratos. Eles comeriam na caixa da pizza mesmo.
          Olhando para o que tanto chamava a atenção do líder na tela da televisão, Die sorriu abertamente. Kaoru praticamente não piscava, não mexia um músculo. Estava completamente absorto por Gundam Wing. Essa era a hipótese mais provável.
          Vendo que Kaoru não daria sinais de vida muito cedo, cutucou-o.
          - Hey, que sabor pediu?
          - Pedi? - Kaoru virou para encarar Die - Sabor de quê?
          - Da pizza?
          O líder franziu as sobrancelhas.
          - Não lembro.
          - Oh, sabor surpresa. - sorrindo, Die pegou o controle remoto que estava no chão e aumentou um pouco o volume - Eu gosto do Duo.
          Kaoru olhou para a lata aberta de cerveja na sua mão. Deu um suspiro profundo. Ele estava ficando realmente cansado de tantos brancos de memória. Verdade que os brancos haviam diminuído sua freqüência, mas ainda eram irritantes.
          Antes que o primeiro episódio terminasse, a campainha tocou. O guitarrista ruivo se levantou para atender, achando que seria letal interromper Kaoru no meio de uma sessão de Gundam Wing.
          Abrindo a porta, recebeu a caixa da pizza. O entregador parecia ligeiramente assustado, e Die atribuiu isso ao fato de que não era todo dia que se entregava pizza para um astro do rock no Japão. Suas suspeitas se confirmaram quando o garoto pediu por um autógrafo, e Die rapidamente rabiscou sua assinatura em um papel.
          Trazendo a caixa para dentro do seu apartamento após fechar a porta, Die percebeu que Kaoru ainda estava totalmente envolvido com o anime. O outro usou o controle para pausar o desenho, mantendo uma distância segura de Kaoru.
          - Kaoru! A pizza está aqui.
          - Percebi.
          Die retirou a tampa da pizza, fechando os olhos ao sentir o cheiro. Ele adorava pizza. Nisso, ele perdeu o olhar assustado de Kaoru.
          - Die... - o outro guitarrista puxava sua manga, parecendo uma criança.
          - Nani, Kao... Kami-sama.
          Os dois tinha os olhos fixos nas letras vermelhas escritas por cima do queijo da pizza. Provavelmente ketchup ou molho de tomate. Mas ainda sim... Um recado.

"Koko kara zutto anata wo miteiru wa.*
E você ainda não percebeu... Não é, Kaoru?"


Continua...


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Notas finais do capítulo

* A tradução seria: "Eu estou sempre observando-o daqui". É um trecho da música Ain't Afraid to Die.



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