Dias haviam se passado desde a chegada daquela fatídica caixa, desencadeando o desmaio de Kaoru. O homem de cabelo roxo se encontrava completamente estabelecido, trabalhando à noite dentro de casa. Suspirou, tomando um longo gole do copo de cerveja que estava logo ao seu lado na mesa da sala de jantar do seu apartamento, enquanto tentava prosseguir com o seu trabalho.
          Em vão. Todas as notas começaram a dançar na frente dos seus olhos, misturando-se em figuras surrealistas e sem sentido. Por mais que balançasse a cabeça e esfregasse os olhos, não conseguia se concentrar.

          O telefone tocava sem parar, fazendo Kaoru rolar no sofá e trocar de posição. Quando o aparelho finalmente cessou com os toques em alto e bom tom, uma voz conhecida começou a falar, gravando uma mensagem.
          Imediatamente, ele abriu os olhos, levantando-se rapidamente do sofá. Quase caiu, ao tentar evitar pisar no controle da televisão, largado no chão. Correu para o quarto, trocando de roupa e tentando arrumar o cabelo no menor tempo possível. Agarrou as chaves do carro, os papéis que estavam jogados por toda a mesa e disparou em direção ao estúdio.
          Ao entrar na sala onde sabia que o resto da banda estaria, uma cena estranha se desenrolou à sua frente: Toshiya estava sentado à mesa, digitando constantemente no seu celular; havia sido ele quem ligara para a sua casa, perguntando se estava tudo bem e se compareceria ao ensaio. Kyo estava deitado em um dos sofás, os óculos escuros impedindo que Kaoru tivesse certeza de que o vocalista estava apenas dormindo. Die estava fumando perto da janela, e Shinya estava o mais distante possível do guitarrista.
          Kaoru balançou a cabeça negativamente. Não gostava dos rumos que os relacionamentos entre os integrantes do Dir en grey estavam tomando após aquela suposta ameaça. Fechou a porta silenciosamente atrás de si.
          - Tudo bem, Kaoru. Nós perdoamos seu atraso, não precisa balançar a cabeça desse jeito.
          Os outros três homens presentes se viraram para a porta e uma expressão óbvia de alívio se formou no rosto do baixista. Die apagou seu cigarro, jogando-o logo depois pela janela e fazendo Shinya murmurar coisas tão obscenas que assustaram Kaoru.
          O líder sentou-se a mesa, e notou que Kyo não fez movimento algum para se juntar a eles. Aliás, Kaoru estava certo agora de que o vocalista não dormia, e sem observava a todos.
          - Kaoru-kun? Tudo bem? O que aconteceu?
          O guitarrista sorriu ante a preocupação de Shinya.
          - Nande mo nai, Shin. Eu acabei perdendo a hora... Fui acordado pela mensagem que o Toshiya deixou na secretária eletrônica.
          - Kaoru perdendo a hora... O mundo está terminando. O quem vem a seguir? Shinya vai começar a fumar?
          Toshiya e Kyo se esforçaram para conter o riso, mas Shinya pareceu ficar ainda mais bravo ao ouvir o comentário engraçadinho de Die. Mudou de lugar, sentando-se ao lado de Kaoru e olhando as folhas que ele começava a dispor na mesa.
          - Tudo bem mesmo com você, Kao? Se recuperou bem daquele susto? - Toshiya perguntou, já com um semblante mais sério.
          - Já me recuperei. Não quero atrasar mais do que o necessário os preparativos para o novo single. Agora me ouçam. Andei trabalhando na b-side, mas acho...
          - Que você deveria investigar mais, Kaoru.
          O guitarrista virou a cadeira, encarando Kyo que ainda se encontrava deitado no sofá, sem preocupações aparentes com o trabalho.
          - Investigar o quê, Kyo? - o tom de Kaoru era cansado, quase exasperado.
          - Quem andou o ameaçando. Die deixou claro que não foi ele. Então... Quem foi?
          - Você? - o baixista sugeriu acidamente.
          - Ah, não. Não fui eu, Totchi. - o vocalista usou o nickname do baixista, sua voz pingando com sarcasmo - Quem sabe não foi você?
          - Eu? - Toshiya inclinou a cabeça, fazendo uma mecha de cabelo escuro cair sobre um dos olhos e conferindo uma aparência um pouco mais sensual para o baixista, mesmo que ele não tivesse consciência. Porém, Kaoru notou a ligeira mudança.
          - Claro. Afinal, isso lhe deu uma desculpa.
          Shinya e Die tinham expressões igualmente confusas, sem entender o comentário do vocalista. Por fim, Kyo se levantou e ocupou uma cadeira na ponta da mesma, girando a mesma com o corpo assim que sentou.
          Toshiya sentiu seu rosto esquentar um pouco, mas manteve suas emoções sob controle. Não precisou virar muito o rosto para encarar Kaoru, já que o guitarrista olhava intensamente para ele.
          - Vamos continuar, Kaoru?
          O líder piscou, como se saísse de um transe.
          - Nani?
          - Vamos... Continuar?
          - Ah, claro. Vamos, vamos.
          Todos giraram as cadeiras, ficando novamente de frente para a mesa, e Kaoru continuou explicando seus planos para a nova música. Mas o que Kyo dissera ficou na sua mente.
          Deveria investigar quem o andava ameaçando? Decidiu deixar essa decisão para depois da reunião, afinal, a banda vinha primeiro. Como sempre.

          Batidas na porta.
          Quem quer que fosse, bateu de novo. E mais alto e com mais força dessa vez.
          Assustado, Kaoru abriu os olhos, sem entender direito o que estava acontecendo. Sua mente protestava, ainda tentando se orientar e descobrir o que estava acontecendo.
          Como as batidas na porta não davam mostras de parar tão cedo, Kaoru se arrastou na direção do barulho, abrindo a porta. Não esperava uma claridade tão intensa do lado de fora, fator que o levou a cobrir o rosto com o antebraço.
          - Kaoru! Você está aqui, então.
          A voz era conhecida.
          - Die? O que estava fazendo na minha casa?
          - Casa? - o som da risada cristalina do outro guitarrista encheu os ouvidos de Kaoru - Eu sei que você gosta de trabalhar, mas considerar o estúdio como sua casa... Já é ir longe demais.
          O líder baixou o braço lentamente, acostumando-se à luminosidade. Constatou com espanto que seu colega estava certo: não estava na sua casa, e muito menos lembrava de estar dormindo.
          - Kaoru, todos estão procurando você. Toshiya e Shin-ch... Shinya estão preocupados.
          Mesmo com sono, o homem mais velho notou que Die parecia sofrer com o atual andamento da sua relação com Shinya. Depois da pesada acusação feita pelo baterista, eles mal se falavam, exceto quando era indispensável em algum ensaio. Isso estava atormentando a cabeça de Kaoru, talvez mais do que o assunto da ameaça de morte.
          - Eu devo entender que você e Kyo não estavam?
          - Não! - Die exclamou, em seguida percebendo o sorriso de Kaoru e se corrigindo - Não, não quis dizer que não estávamos; mas que os outros dois estão a ponto de me irritar. Principalmente Toshiya, ele vai fazer um buraco naquela sala de tanto andar em círculos.
          O homem de cabelos roxos sorriu mais uma vez ante a menção da preocupação de Toshiya. De fato, desde que Kaoru quase desmaiara, o baixista vinha dedicando grande parte do seu tempo a cuidar dele, para ter certeza que ele não esqueceria de comer e dormiria propriamente.
          Bom, dormir ele não havia conseguido naquele dia, prova de que acabou atrasando para o ensaio e havia se retirado para um cômodo qualquer do estúdio para dormir.
          - Anou... Kaoru?
          - Hai?
          - Você está bem?
          O questionamento de Die aparecia mais na contração das suas sobrancelhas do que na sua pergunta, e Kaoru apenas sacudiu a cabeça afirmativamente. Aquela pergunta estava se tornando corriqueira.
          - Hai, hai. Vamos, não devemos fazer os outros esperarem.
          - Mais do que já esperaram... - acrescentou Die, enquanto caminhavam de volta para a sala das reuniões - Isso não é típico de você, Kaoru. Desde quando você dorme no almoço e some desse jeito?
          - Acredite, Die. Não lembro de sumir. Mas não dormi direito essa noite... - Kaoru esfregou a têmpora com a mão direita, como se ilustrasse o que dizia - E acho que decidi tirar parte do atraso.
          O outro guitarrista apenas concordou com a cabeça com um sorriso, como se soubesse ao que Kaoru se referia. Em dois minutos, estavam de volta à mesa de reuniões, e o clima estranho que imperava nos últimos dias entre os membros da banda também retornara.

          Era chegado o fim de todos os compromissos daquela segunda-feira, que havia se arrastado com as tensões entre os integrantes. O comportamento de Kyo também não agradava Kaoru em nada; era quase como se ele soubesse de alguma coisa, aliás, como se ele constantemente soubesse de tudo que acontecia.
          E não queria dividir esse conhecimento.
          Não, não era possível. Deveria ser impressão. A falta de sono, os lapsos de memória e o stress com as relações deterioradas na banda estavam deixando Kaoru positivamente maluco.
          E a voz que sempre dizia que consultar um médico era a melhor saída perdia nos embates desenrolados dentro da sua cabeça. Suspirando, Kaoru entrou no banheiro anexo à sala de reuniões, enquanto o resto da banda terminava de recolher papéis e pertences pessoais.
          Quando fechou a porta, Kaoru tateou às cegas pela parede, procurando o interruptor. Finalmente localizando o mesmo, acendeu a luz e gritou.
          Havia uma mensagem no espelho, escrita novamente com aquela caligrafia horrorosa. O guitarrista se aproximou devagar do espelho, sem notar que a porta havia sido aberta com um movimento brusco, e que Toshiya e Die já se encontravam ali com ele.
          Sentiu que as mãos de Toshiya haviam agarrado um dos seus braços, forçando-o a se encostar na parede gelada de frente para o espelho. O contato com a superfície gélida trouxe Kaoru de volta à realidade, o susto de encontrar uma mensagem ali dentro diminuindo e voltando a recuperar sua respiração.
          - Outro... Recado.

"Do que você tem medo, Kaoru?"

          Die aproximou-se do espelho, passando o dedo indicador da mão direita sobre o material que fora utilizado na mensagem. Espalhou nos outros dedos, tentando descobrir o que era.
          Nesse instante, Shinya irrompeu pela porta aberta, sem se dar conta de que havia acontecido algo sério dentro do banheiro. Olhava para o chão, como se tentasse achar alguma coisa.
          - Ah, Totchi... - o baterista ergueu a cabeça, ignorando Die de propósito - Você viu o meu...
          A voz do baterista sumiu na hora em que seus olhos caíram sobre a mensagem, e sobre o estado em que Kaoru se encontrava, os olhos ainda ligeiramente dilatados após o susto. Toshiya tinha uma expressão de aflição crescente, e mal se virou para encarar o baterista.
          De repente, Shinya soltou um grito, abafado pela sua própria mão.
          - Meu... Batom.
          Os outros três homens presentes seguiram o olhar do baterista.
          Caído ao chão estava um batom vermelho, quase utilizado por completo. Estava destruído, já que não havia sido tomado cuidado na hora que a mensagem foi escrita.
          Kyo escolheu essa hora para aparecer à porta do banheiro, visto que mais uma pessoa não caberia ali dentro.
          - Ora ora... Então quem ameaçou Kaoru exatamente uma semana atrás... Foi você, Shinya?
          Um silêncio pesado caiu dentro do recinto. A única pessoa que tinha um sorriso nos lábios era o vocalista.



Continua...