Estamos em plena primavera, esta é minha estação do ano favorita. Árvores de cores diferentes, crianças brincando no parque, pessoas caminhando e escutando o lindo canto dos pássaros. Ao longe, um homem avançava em minha direção. Eu não consegui distinguir seu rosto, mas ele parecia sombrio, seus lábios estavam retorcidos mostrando seus belos e brilhantes dentes.Seus olhos eram de um tom vermelho-sangue.Ele era o homem mais belo que já vi. Ele estava chegando perto, e algo dentro de mim me avisou para sentir medo, mas eu não consegui.

            O homem chegava cada vez mais perto, e por onde passava, as pessoas desapareciam e tudo virava frio, como se estivéssemos no inverno. Pequenos flocos de gelo pousavam sobre minha cabeça e cobriam o topo dos pinheiros e o solo por completo. Um arrepio percorreu minha espinha, e percebi que estava apenas com um vestido vermelho, combinando com meus cabelos ruivos. Minha pele estava mais pálida do que nunca e me vi avançando na direção do homem. Não consegui me deter, isso acontecia como se eu estivesse sendo atraída para aquele homem, no entanto, eu aguardava ficar perto dele. Queria muito ficar a seu lado. Nunca havia sentido esse desejo, em toda a minha vida. Quanto mais me aproximava, mais esse desejo tomava parte de mim. Então... eu acordei.

            A realidade é muito mais cruel que o inconsciente. Eu por exemplo, tenho certo poder sobre meus sonhos, eles sempre se concretizam de um modo ou de outro, mas nunca como se espera. Ás vezes, isso me deixa ansiosa ou nervosa. É um pouco frustrante saber que quando você tem um sonho horrível, este vai ocorrer de qualquer maneira.

            Percebi isso ontem, quando sonhei que meus pais haviam sofrido um acidente. Hoje, acordei e recebi a notícia trágica: meus pais haviam morrido.

            Não é algo com que se possa acostumar, pois é uma habilidade única, e não tenho ninguém para compartilhar. Sou o tipo de pessoa anti- social que se auto-exclui com muita facilidade.

            Hoje serei obrigada a morar em uma mansão em La Luna com minha tia Elisabeth Boursier, que espero que seja uma mulher silenciosa e reservada, como eu.

           O mordomo me recebeu.

            - Seja bem vinda Srta. Boursier. Sou Charles.

            - Obrigada. Onde está tia Elisabeth?

            - Sua tia está na mansão e ordenou-me para recepcioná-la, pois não tem tempo para coisas banais.

            - Oh, isso é muito... reservado da parte dela.

            -Sim, sim... Sra. Boursier tem este aspecto como principal característica desde que o Sr. Boursier faleceu. De qualquer maneira, a Srta. deve estar cansada. Por que não me acompanha até seu novo quarto?

            -Claro. Por curiosidade... onde fica?

            - Na torre.

            Olhei para cima. A torre era o local mais apropriado e perfeito do Mundo. Charles sentiu meu olhar de cobiça e pigarreou, interrompendo meus pensamentos.

            Subimos várias escadas lentamente, para eu poder apreciar cada cômodo daquele paraíso. Paramos em frente a uma porta Branca com letras cursivas grandes na cor azul. Dizia: El Cuarto Del Luna. Abaixo, havia meu nome: Rose. Olhei em tom especulativo para Charles, que desviou os olhos rapidamente. Pensei melhor e decidi não intimá-lo com perguntas idiotas.

            Charles me entregou uma chave dourada e retirou-se.

            Observei cuidadosamente a pequena chave, perguntando-me por que não estava na porta. Tentei abri-la sem usar a chave, mas estava trancada. Meu bom censo impediu-me de tentar abri-la novamente sem o uso da chave. Encaixei-a na porta e girei-a cuidadosamente. Abri-a vagarosamente, curiosa para saber que mistérios se escondiam naquele quarto.

            Entrei.

            Não pude acreditar que aquele enorme espaço era apenas meu, perguntando-me se Charles havia cometido um erro. Mas, depois das informações que recebi de minha adorada tia Elisabeth, tive a impressão de que se ele cometesse erros não teria este emprego. Achei uma boa idéia reconsiderar.

            Ao olhar este quarto, recordei-me de minha antiga vida. Meus olhos se encheram de lágrimas com as imagens de minha curta infância com a família que um dia eu amei, mas que, como as minhas lembranças, com o passar dos anos, serão apenas meras recordações esquecidas com o tempo.

            Olhei em volta enquanto meu rosto era aos poucos, coberto por lágrimas, que iam sendo substituídas por lágrimas alegres, por eu ainda ter recordações de meus pais, e por eu estar em um quarto enorme, que seria a primeira coisa apenas minha em minha nova vida.

            Deitei na cama e esperei que ficasse inconsciente, para poder aproveitar mais as lembranças que ainda não foram esquecidas. E fiquei feliz, por isso ser o primeiro sinal de felicidade de minha nova vida, porque este é um recomeço. Meus pensamentos foram cessando pouco a pouco, com meus olhos acompanhando seu ritmo, enquanto minhas pálpebras se fechavam, e então, eu sorri.