Acima do Dever escrita por Flavia Souza


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/111001/chapter/4

"Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade." (Mario Quintana)

Aquele era um verbo que ele jamais pensara em conjugar. Casar-se.

 Edward passou a mão no maxilar e fitou os olhos Chocolates de Bella. Nunca, na vida inteira, considerara a idéia de se casar. Raios, por que consideraria? Passara a adolescência numa espécie de orfanato do condado. Quando finalmente conseguiu um lar adotivo, viu em primeira mão como um casamento ruim podia causar miséria a todos.

Escapara daquela casa ao completar dezoito anos, alistando-se no Corpo de Fuzileiros Navais. Lá, encontrou seu lugar no mundo. O único lugar ao qual pertencia. A noção de honra e dever combi­nava com ele, proporcionando a estabilidade que sempre desejara. A boa pontaria e a habilidade com explosivos acabaram lhe valendo um posto na força de reconhecimento, um grupo de elite para mis­sões especiais. Realizava um trabalho importante e perigoso, que não lhe permitia relacionamentos estáveis. O que nunca o incomo­dara já que, antes de Bella, nunca gostara de ninguém.

E quanto a ser pai? Bem, equivalia ao casamento, em seu ra­ciocínio. Fora o filho indesejado de uma mãe solteira e jamais lan­çaria o mesmo estigma sobre outra criança inocente.

Não. Emily era sua filha. E agiria corretamente com ela.

--- Nós não vamos nos casar .   Declarou Bella, meneando a cabeça.

--- Oh, sim, vamos.   Afirmou Edward.  --- Assim que eu providenciar os papéis.

--- Ouça, Edward...

--- Não.   Cortou ele.

Conhecia seu dever. Abandonara Bella com um abacaxi dezoito meses antes. Claro, não estava sabendo, mas agora consertaria a situação e a compensaria por não ter o companheiro por perto quan­do mais precisou.

Pensara tanto em Bella naquele ano e meio. Em cada momento livre, seus pensamentos se voltavam para ela. Mandara cartões-postais de cada porto, exultante por ter a quem escrever, pela pri­meira vez na vida. Não importava o fato de não poder receber respostas dela. Bastava saber que ela estava lá. Em casa. Segura. Acreditava que ela realmente sentisse sua falta. E quantas vezes imaginou se ela pensava nele tanto quanto ele pensava nela?

Bem, agora sabia que ela não podia ter deixado de pensar nele. Tivera um lembrete vivo ali com ela, vinte e quatro horas por dia.

Sentia-se grato por ela não ter interrompido a gravidez. Por ela não ter dado a criança a estranhos. A emoção veio forte, e procurou aplacá-la. A única forma de vencer uma batalha era mantendo os pensamentos limpos e, a julgar pela postura de Bella, estavam prestes a entrar em guerra.

--- Edward, casar não é a solução, neste caso.

--- Qual é, então?    Com o canto do olho, viu a pequena Emily erguer-se no berço novamente. Forte, pensou ele. E saudável. E bonita.

Bella ergueu as mãos e então deu de ombros.

--- Nem sei se há solução. Só queria que soubesse sobre Emily. Gostaria que fizesse parte da vida dela, se quiser.

Se eu quiser?    Bella achava mesmo que ele daria as costas a uma criança que gerara? Considerava-o tão vil?

--- Escolhi mal as palavras.    Ela ergueu uma mão num gesto de paz.  --- Claro que você quer. Só quis dizer que Emily merece conhecer o pai.

Sim, merecia. Só que ele não tinha a mínima idéia de como ser o pai que ela merecia. Iria decepcioná-la? Não seria bom o bastante?

O bebê tocou em suas mãos, no cercado do berço. Abaixou-se e fitou olhos idênticos aos seus. Sentiu o coração apertado até a dor parecer insuportável.

Então, Emily agarrou-lhe a camisa e ergueu um pezinho como se quisesse transpor a barreira que a confinava no berço. Ela queria subir e queria que ele a erguesse. Como adivinhara a intenção dela era um mistério, mas cedeu ao desejo da criança e ao seu próprio. Encaixou as mãos sob os bracinhos e ergueu-a. Ela agitou as perninhas e atirou-se contra ele, confiante em que ele a manteria segura.

Assim, facilmente, ela conquistou seu coração. Um coração repleto de emoções inusitadas, com as quais Edward não sabia lidar. Assim, como não sabia o que fazer com Bella.

Claro, seu pedido de casamento não fora o mais romântico do mundo, mas nunca fizera aquilo antes!

Ajeitando no braço o bumbum bem almofadado com fraldas, Edward mantinha a mão livre nas costas de Emily para se certificar de que ela não cairia para trás. Agora distinguia o aroma único de talco infantil. Voltou-se para Bella.

O sol de fim de tarde atravessava a janela cortinada dando bri­lho aos cabelos Chocolates dela.

--- Ela já gosta de você.   Interpretou ela, com um leve sorriso nos lábios e os olhos marejados por ver juntos pai e filha.

Ele esperava que sim.

--- Bella...

Ela recusou terminantemente.

--- Não recomece esse assunto de casamento, Edward. Por favor.

--- Achou mesmo que eu não ia querer me casar?

Bella riu e afastou os cachos da testa.

--- Não sabia o que pensar, Edward. Mal nos conhecíamos.

Ele não acreditava no que ouvia. Nas duas semanas que passara com Bella, sentira-se mais próximo dela do que de qualquer outra pessoa em sua vida. E sabia que ela também sentira a ligação. Que outra explicação havia para duas pessoas completamente estra­nhas se unirem, passando juntas cada minuto disponível?

Claro, havia o lado físico da questão. O sexo entre ambos era extraordinário, mas não tinham se limitado a ele. Conversaram muito, em longas caminhadas pela praia. Bella contara sobre seu trabalho como professora de jardim-de-infância, e ele revelara o quanto significava para ele pertencer aos fuzileiros navais. Talvez não tivessem aprendido tudo um sobre o outro na época... com certeza, não se lembrava de ter ouvido sobre quatro irmãos... mas não fora um caso passageiro. Ele já tivera muitos relacionamentos sem importância para perceber a diferença.

--- Você sabia, Bella.    Afirmou, desafiando-a a negar.   --- Sabia que eu queria me casar com você.

Bella suspirou e admitiu:

--- Sim. Acho que sabia.   Afinal, seu irmão Jacob também era fuzileiro naval, e era exatamente isso o que ele faria no lugar de Edward. Também assegurara que Edward tomaria a atitude correta quando voltasse e soubesse do acontecido. Os fuzileiros navais deviam hon­ra e dever uns aos outros dia e noite.

Não obstante, ela preferira não se iludir. Não se tratava de um assunto dos fuzileiros navais ali. Soube, no primeiro instante em que o vira, que Edward era um homem decente e responsável. Era natural que a pedisse em casamento. Assim como era natural que ela o recusasse.

--- Então, qual é o problema? Indagou Edward.

--- O problema... é que o bebê não é motivo suficiente para nos casarmos.  Explicou ela, erguendo o rosto para poder encará-lo.

Ele reagiu incrédulo, e riu.

--- Como não?

--- Porque estaríamos nos casando pelo motivo errado.

--- Proteger Emily é um motivo errado?

--- Claro que não.   Bella baixou a voz quando o bebê arregalou os olhos.  --- Mas não temos de nos casar para proteger a nossa filha.

--- Protegê-la de algumas coisas que fazemos.

--- Por exemplo? Edward cerrou os dentes.

--- Por exemplo, para evitar que ela seja chamada de bastarda.     Bella reteve o fôlego. Ele falava a sério?

--- Edward, não estamos nos anos cinqüenta. Já não se vê esse tipo de estigma.

Ele olhou para a filha.

--- Talvez não com adultos, mas as crianças sabem como magoar umas às outras. Acredite em mim quando digo que paus e pedras não são as únicas coisas que podem machucar.

Edward expressou dor, mas rapidamente disfarçou. Bella sequer ti­nha certeza de a ter visto de fato. Mas os argumentos dele levavam a crer que passara maus bocados junto de crianças desagradáveis.

--- Podemos amá-la o bastante para que isso não seja importante.  Afirmou, pousando a mão no braço dele.

--- Vai importar.   Afirmou Edward.    --- Talvez ela não admita, mas vai importar.

Bella compadeceu-se do garotinho que ele fora, mas o fato de ele ter sofrido não significava que o mesmo aconteceria com Emily. Ela manteria a filha a salvo. Proveria um lar amoroso e aconchegante para ela. E não precisava de um marido para tanto.

Durante toda a vida, Bella estivera cercada de homens tentando lhe dizer o que fazer e como fazer. Cedo, aprendera a rebater as provocações bem-intencionadas e não retrocederia agora. Se havia algo de que não precisava nessa vida era mais um homem lhe dando ordens.

--- Então, terei de ensiná-la a ignorar as provocações.

--- Raios, Bella!    Protestou ele, assustando o bebê aninhado junto ao peito. --- Nós geramos esta criança. E nossa responsabilidade tomar conta dela.

Bella suspirou. Era difícil lutar contra o senso de honra de um homem. Mas não queria ser um remédio para ele engolir. O pur­gante. A cama em que ele tinha de se deitar simplesmente porque a fizera.

--- Edward... Você não me deve nada. Sou perfeitamente capaz de criar Emily sozinha.

--- Eu não disse que não era.

--- Eu sei, mas não está me ouvindo. Não quero nada de você. Só queria que conhecesse sua filha.

--- Bella...

Ela desejou que ele parasse de discutir e aceitasse sua decisão. Mas sentia que tinha chance de ver isso quanto de ver neve no domingo de Páscoa na praia.

Gostaria que a situação pudesse ser diferente. Aquelas duas semanas com Edward foram quase... mágicas. Nunca sentira uma co­nexão tão forte com ninguém antes. Era como se, do momento em que ele a retirara inconsciente do mar e reanimara, passassem a ter uma ligação. Ele a impressionava de tantas formas. Sofrera muito quando ele partira. Após tanto recordar tudo o que tinham vivido juntos, chegou a cogitar se não imaginara tudo.

Até, claro, realizar o teste e descobrir que estava grávida. Então, tudo ficou bem real. Não deixou de pensar em Edward, ao contrário. Preocupou-se com ele, imaginou o que estaria fazendo, onde esta­va... ao mesmo tempo, lidava com as mudanças em sua própria vida. E enfrentava quatro irmãos irados.

Agora, Edward estava de volta e a mágica entre ambos se recom­punha. A ignição fora o beijo ardente que trocaram na frente da casa. Só que não eram mais só os dois. Havia Emily a considerar.

Como podia concordar em se casar com Edward, sabendo que ele só a pedira em casamento por causa da filha? Não queria um marido que se sentia pressionado a se casar. Raios, nem queria um marido. Não precisava de outro homem em sua vida, mesmo sendo um homem que a excitava só com um olhar.

Bella sentiu o calor tomar-lhe o corpo e, para disfarçar, pegou o bebê dos braços de Edward. Devia se envergonhar por se esconder atrás da filha. Mas, naquele momento, estava desesperada demais para racionalizar a ética da questão.

--- Emily merece uma mãe e um pai.   Insistiu ele, fitando o rostinho da filha como se não se cansasse de olhar para ela.

Bella reprimiu a ameaça de descontrole. Daria um desconto pa­ra ele, afinal, acabara de descobrir sobre Emily.

--- Ela tem uma mãe e um pai.   Observou, paciente.

--- Juntos, Bella.    Especificou Edward, no mesmo tom que seus irmãos usavam. O tom de "nós sabemos o que é melhor".

Ela nem respondeu, para não gritar.

--- Ela merece ter os dois pais. Juntos.   Edward estendeu os braços. --- Raios, toda criança merece isso!

A última frase em alto volume assustou Emily. Ela começou a chorar. Edward empalideceu.

--- O que foi? Qual é o problema com ela?

--- O problema é que o pai gritou e a assustou.   Bella explicou, irritada.

Desolado, ele baixou a cabeça.

--- Não foi minha intenção.

--- Eu sei.  Retrucou Bella, mais branda.  --- Ela, infelizmente, não sabe.

Ela embalou o bebê, sussurrando palavras suaves em meio ao aroma que era só de Emily. Quando a filha se acalmou, sentiu o coração tão cheio de amor por aquele pinguinho de gente que era impossível imaginar a vida sem ela. Notou o brilho maravilhado nos olhos de Edward e se enterneceu.

--- Está tudo bem, Edward. Ela já esqueceu.

--- Ela tem ótimos pulmões.   Murmurou ele, consternado quan­do o bebê voltou o rostinho molhado de lágrimas. Estendeu a mão, mas, pouco antes de tocá-la, cerrou o punho e recuou.   --- Ouça, Bella, talvez eu tenha feito tudo errado. Sei que não foi o pedido de casamento mais romântico do mundo, mas só quero tomar a atitude correta aqui.

--- Eu sei, Edward. Entendo de verdade. Mas casar não é a solução.

Ele remexeu o maxilar, e ela soube que aquela conversa ainda não terminara. Se ele tinha trinta dias de folga, iriam se ver dia­riamente, com certeza. Edward voltaria a se infiltrar em sua vida. E na vida de Emily.

Só não sabia se conseguiria suportar, cônscia de que ele partiria novamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Acima do Dever" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.