Adeus, Potter escrita por st_lu


Capítulo 1
Adeus, Potter




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"Estranha atração parece abençoar a maré da noite

E eu levarei isso ao seu lado

Imaginação parece ajudar os sentimesntos a deslizar

E eu levarei isso ao seu lado

Correlação imediata bombeia e gera um pacote de mentiras

E eu levarei isso ao seu lado

Saturação extra enrola a pele e bronzeia o couro

E eu levarei isso ao seu lado..."

Eu provavelmente não deveria estar aqui. Sentado, com uma taça de champanhe na mão, degustando-a como se tivesse algo verdadeiramente à celebrar.

Não. Não deveria tentar me embebedar com este vinho doce e que desce minha garganta de maneira dócil. Não deveria utilizá-lo como um artifício para aplacar minha dor que de longe ataca alguma parte do meu corpo que saboreia juntamente comigo este líquido borbulhante.

Foram duas palavras tão insensatas, duas adagas jogadas em minha direção, dois cortes profundos em minha alma.

"- Adeus, Potter."

Nada além disto.

Ele sempre dizia...

Duas palavras que me pareceram sujas e desleais. Que me fizeram recordar os ursos de pelúcia velhos e desgrenhados que são jogados nos lixões quando perdem sua graça.

A primeira vez que ele me disse estas palavras, eu realmente me senti como um objeto quebrado, que é descartado sem remorsos. Assim como o carregar da poeira pelo vento.

E junto à taça da bebida, ao seu lado eu tinha um cinzeiro inundado de filtros de cigarro. Era o meu único consolo. Eu tragava a fumaça e podia-a sentir adentrando meus pulmões, me tornando rouco, e insano pela próxima tragada.

Eu o fumava e o consumia e não o contrário.

Severus retirava o que havia de melhor em mim. Absorvia até meus errantes suspiros e depois me descartava como um pitoco de um cigarro vagabundo demais para ser apreciado até o máximo que desse...não, ele não queimaria seus dedos, não se sacrificaria para sentir o ardor na garganta, o calor nos lábios.

Ele sempre me dizia: "- Adeus, Potter."

Eu, masoquista, sempre procurava algo para me entorpecer, mesmo no fundo sabendo que ele não valia a pena, não condizia ao tempo perdido e o dinheiro empregado em meus maços de cigarros e minhas bebidas alcoólicas.

E eu gostava de cigarros com filtros vermelhos. Que bem na verdade eram laranjas. Fortes. Gostava do cheiro da fumaça na minha roupa, gostava de ver a brasa consumindo e queimando o oxigênio. Gostava da combustão. Do fogo. Quente, como deveria ser uma paixão.

Mas Severus era gelo, e não poderia ser nem comparado à bebida que agora apreciava, pois esta era doce e ele, completamente amargo.

Todos os sábados ele vinha ao meu encontro. Abusador. Eu idiota, ainda acreditava em histórias de amor, pintava realidades coloridas, sonhos românticos. Me imaginava ao seu lado, caminhando, apenas isso...

Mas ele não me dava este aperitivo. E eu aceitei.

Severus era um vinho seco. Que desce rasgando pela garganta e atacando a gastrite, provocando feridas interiores. E daquele tipo em que uma taça é virada às forças, pois após o primeiro gole a pessoa já se sente incerta em se mutilar novamente.

Mas o pior é que, depois de uma semana, aquela vontade de queimar o meu interior sempre retornava. E talvez eu, fosse doce. Sim, porque ele me devorava de tal forma que me deixava inevitavelmente atordoado e incapacitado à procurar algo mais tragável do que ele.

Um sádico amargo, beirando o azedo.

"Tick tock

Tick tock

Tick tick

Tick tock..."

Mas eu sempre acreditei que escondido em toda aquela coisa indigesta, haveria algo mais agradável, e por isso eu deixava lentamente minha gastrite tomar forma de úlcera.

E a procura pelo doce já se fazia restrita. Junto com meus maços de cigarro, eu era um nada. E nem a nicotina aliviava as infâmias em minha cabeça. Nem ela conseguia me trazer momentos de prazer. Severus era mais forte, mais viciante, mais destrutivo.

Às vezes eu queria me afogar nele. Me afundar.

Ele gostava do meu gosto. Do meu cigarro forte. Da minha bebida borbulhante.

Dizia também que gostava dos meus beijos. E ele sugava meus lábios, e algumas vezes os mordia de leve, outras fortes, arrebentando-os e fazendo pequenas gotículas de sangue deslizarem deles. Ele gostava de lamber meu sangue. Gostava de me fazer sangrar.

Gostava do meu cheiro e da minha pele. Da sua claridade, brancura. Gostava de maculá-la, provocar roxos e por vezes exteriorizar as feridas que já possuía em meu interior. Dizia ser apaixonado pelo formatos dos meus ossos e como a pele os encobria. Também falava algo sobre minha musculatura e como ela se moldava aos movimentos.

Ele tinha paixão em comprovar o quão flexível eu era. Gostava de me entortar. Me virar ao avesso, tirar meu mundo de órbita, fazer perder minha direção e meu senso de auto preservação.

Na verdade, ele gostava de comprovar sua superioridade. Ver a minha dependência doentia. E isso era quase triste. Quase.

O bom de tudo, é que muitas vezes eu podia revidar. O empurrar contra alguma parede e arrancar suas roupas. Segurar seu rosto com força, afundando meus dedos naquela pele marcada pelo tempo, puxar seu cabelo de maneira brutal lhe fazendo soltar lamúrias por aqueles lábios infames.

Ele só poderia ser comparado à um erro da natureza. Um desvio do percurso original. Uma mancha negra se sobressaindo nas geleiras claras. Ele era um vulcão inerte, preguiçoso, egoísta.

E eu me perguntava se seria esta forma torta que o fazia se tornar tão viciante.

E a droga te subjuga.

Me faz surgir questionamentos à tona, toda hora, todo dia. O calendário fica ao me lado, para que eu possa contar quantos dias sempre faltam pra ele retornar.

Ele era pontual. Sempre mesmo horário. Uma rotina viciante. A minha rotina, que se desvincula de minha vida pacata. Porque eu era normal. O homem médio, dito aceito pela sociedade moralista. Estranho que Severus também era o tal do homem médio.

Sempre tinha um espumante quando ele chegava. E cigarros. Também havia a cama completamente arrumada. Um absurdo praticamente extravagante. Ele não merecia tudo isso. Era fascinante apenas aos meus olhos e cheguei a conclusão que eram estes órgãos que o tornavam especial. Olhos hipnóticos.

Me sentia uma ratazana sendo encurralada por um enorme ser ofídico. E sim, praticamente nossa relação consistia em um tema sensual, sexual. E eu fazia o papel de donzela, porém ele estava muito longe de ser um cavalheiro, quiçá um príncipe.

Ele vinha e eu me entregava. Ele não era muito inclinado à declarações de amor ou à toques mais gentis. Não demonstrava seus sentimentos e não fazia questão alguma de reparar nos meus. No fundo, eu não passava de um corpo que lhe dava prazer. Um objeto vivo destinado à fazê-lo suar e se entregar aos prazeres da carne.

"Eu sou um sujo, um libertino

E toda a vez que você destila a sua raiva

Eu pareço perder o poder da fala

Você está deslizando lentamente de meu alcance

Você me cultiva como uma sempre-viva

Você nunca viu toda a solidão em mim..."

Severus era um tanto quanto violento. Sem preparações, sem consentimentos, sem preocupações. Era um por cada, sobreviva quem for esperto, astuto.

Ele não me dava 'Oi', apenas dizia "–Adeus, Potter", depois que havia se recomposto. E não pedia companhia, já sabia o caminho da porta. Também não agradecia por eu ceder meu corpo de tão boa vontade. E muitos menos se desculpava pelos machucados que causava.

"-Adeus, Potter".

O seu vocabulário se restringia à estas duas palavras, que me pareciam sujas saindo de sua boca. Severus. Severus. Estranho que, sempre em que eu dizia este nome, a segunda sílaba sempre me fazia morder os lábios. E por mais que eu tentasse não baixá-los, eles desciam. Severus. Um nome feito para maltratar. Severo como o homem que o carregava.

Ele me dava milésimos de prazer e seis dias por semana de dores e divagações. O que me fazia ainda o querer? Eu realmente o queria? Ele sim me desejava, mas desejava apenas a minha aparência e uma determinada parte de meu corpo que o dava dos mais excelentes momentos. Ele sempre atingia o acme da relação sexual. Eu, por muitas vezes, necessitava de minha própria boa vontade para chegar em algum lugar. Era ingrato.

Talvez fosse tudo culpa dos olhos hipnóticos mesmo...

Eles eram vazios. E negros. Profundos. E me pareciam silenciosos, traziam a calmaria que anunciava os estragos posteriores. Mas eram posteriores, e isso o que realmente me importava. O fundo, a batida contra o solo, o que ao meu ver, significava definitivamente pés no chão.

Mas após as duas palavras, tudo já perdia o sentido. O barulho da cidade voltava, bem como as luzes artificiais. E por mais que ele não me libertasse, eu sentia falta. Sentia falta da companhia passageira e dos sons que eu provocava. Ficavam apenas os copos vazios e o cheiro de tabaco inundando o lugar.

O que me restava, era voltar as minhas pequenas e mórbidas dependências. Porque por seis dias estas seriam minhas únicas companheiras. E o cigarro sempre me parecia mais doloroso a cada vez que ele se ia, e a bebida doce demais. Porque ele já beirava o azedo e minha úlcera latejava em meu estômago. Ele era meu ácido clorídrico em excesso...

E eu continuava aqui. Sentado com minha taça na mão e degustando do líquido claro. E também continuava fumando. Não havia realmente nada a celebrar. Mas o fato é que agora faltavam apenas pouco menos de dois dias pra ele aparecer. Até lá, eu contentaria em alimentar meu fígado e pulmões.

Porque, apesar de tudo, era ainda ele o único que me fazia ter algo em que me agarrar e aguentar o arrastar das horas. O único e real motivo pelo qual eu suportava os dias da semana e suas faces até chegar o dia. O dia dele.

Mas eu sabia que ele era podre. E egoísta. Um desalmado. Mas agora eu também já era. E ansiava por escutar sua voz, nem que fosse pra dizer de uma maneira grotesca aquelas duas palavras que ainda me machucavam. "-Adeus, Potter." Mas ele sempre voltava...

"Eu

Leve o plano, gire lateralmente

Eu, queda

Sem você eu não sou nada,

Sem você eu não sou nada..."

Without you I'm nothing - Placebo


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