Amor na Escuridão escrita por Marcela


Capítulo 3
Capítulo 3




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     Na metade da semana, Alice já se sentia exausta. O final de ano a deixava cada vez mais cansada. Sentia que, a cada dia, o tempo demorava mais a passar. Era quarta-feira, dia da sua aula de piano. Estava no fim do curso, então se formaria logo.

     A casa da professora não era muito longe da sua, por isso sempre voltava a pé após as aulas. Como o mês de outubro estava em seu estágio final, o horário de verão já fazia parte da vida das pessoas.

     Sete e meia da noite. O sol ainda bailava por entre as casas e iluminava o rosto de Alice, que caminhava lentamente até sua residência. A rua estava com pouca movimentação. Um tanto quanto estranho por ser àquela hora do dia. Após alguns passos, o sol se escondeu no horizonte e deu lugar à lua que cintilava intensamente no céu estrelado.

     A morena tentou apressar seu caminhar. Precisava chegar em casa logo. Seus pais chegariam tarde da noite, mas não poderia chegar depois deles. Não queria encrenca para o seu lado. Porém, seu desejo não foi realizado.

     Ouviu gritos e xingamentos quando estava perto de chegar em sua casa. Sabia que eram vozes masculinas pelo tom. Seu coração estremeceu ao reconhecer uma delas.

     — Parem!

     Aquela palavra foi repetida mais duas vezes antes que Alice pudesse visualizar a tal cena. Vira quatro garotos cercando um outro. De suas bocas saiam zombarias das piores. Com os punhos cerrados, eles socavam o garoto do meio. Injusto. Quatro contra um.

     Houve pontapés e mais socos. Os olhos da garota estavam arregalados. Ela notou que não havia muitas pessoas assistindo aquela cena horrível. Queria se intrometer para apartar a briga, mas um homem, que aparentava ter não mais que trinta anos, o fez antes. Gritando, ele afastou os garotos.

     — Você vai defender um assassino? Esse cara é um drogado que matou o próprio amigo.— um deles gritou céptico antes de correr com os colegas para longe da cena.

     Isso fez com que Alice voltasse os olhos para o garoto ao chão. Ele estava encolhido em formato de concha. Os braços segurando os joelhos apertados contra o peito. Seu rosto e mãos sangravam. O homem que separara a briga se ajoelhou perante o menino e tentou ajudá-lo a se levantar. Não obteve sucesso.

     Os outros garotos já estavam longe quando Alice correu até a vítima e se ajoelhou também. Sua respiração estava acelerada e ela mal conseguia controlar seus sentimentos. Disse para o homem se afastar e depois tocou, receosa, o corpo do moreno.

     — Bernardo. Sou eu, a Alice. — sua voz saiu trêmula ao perceber que ele não conseguia ao menos abrir os olhos.

     Ele murmurou seu nome sem abrir muito a boca enodoada pelo sangue vermelho vivo. Embora o medo tomasse conta de seu interior, ela colocou as mãos embaixo dos braços dele e o levantou com cuidado. O homem de trinta e poucos anos a ajudou a realizar a ação. Alice agradeceu, forçando um sorriso.

     Bernardo não disse absolutamente nem uma palavra durante o caminho. Apenas arrastou os pés enquanto seu braço jazia sobre os ombros da morena, que o levava com dificuldade. Caminharam por dois longos quarteirões, os quais Alice passava em menos de dois minutos normalmente. Demoraram quase dez para chegarem ao destino.

     A garota abriu a porta rapidamente e colocou o colega em seu sofá cuidadosamente.

     — Trouxe você para minha casa. — disse tremulando — Espero que não me traga problemas. Só quero te ajudar.

     Pensou ter dito aquilo para as paredes ao ver que o garoto não prestava atenção a nenhuma palavra que ela falava. Seus olhos inchados estavam fechados e o ar que entrava e saia de seus pulmões deixava sua respiração ofegante. Ele não podia dormir.

     — Ei, fique acordado. Eu estou aqui para cuidar de você. — Alice sussurrou ajoelhada no chão ao lado do sofá. — Não durma, por favor.

     Ela passou os olhos verdes pelo corpo de Bernardo. Suspirou ao ver seus diversos machucados. Por mais que soubesse que existia a possibilidade dele ser um assassino, ainda mais do melhor amigo, ela não conseguia acreditar nessa história. Correu pegar um pano molhado para limpar do sangue que já manchara o seu sofá cor de café. Pegou também esparadrapos e gases.

     Rezou para que ele melhorasse antes que seus pais chegassem em casa. Eles não gostariam nem um pouco de ver um garoto sozinho com sua filha, ainda mais um garoto suspeito de homicídio.

     Passou o pano com cuidado nos lábios dele. Bernardo estremeceu com o toque, mas deixou com que ela continuasse. Aquilo começou a diminuir a dor que sentia. Porém não era sentida somente por fora, onde estavam os cortes e hematomas, era sentida em seu interior, em seu peito.

     — Se eu fosse a um cardiologista neste momento — ele falou ainda de olhos fechados, assustando Alice —, ele diria que meu coração está quebrado.

     A morena sentiu os olhos serem inundados por lágrimas. Mas não foi ela quem chorou. Uma gota escorreu pelo rosto de Bernardo que logo estava soluçando. Alice não interrompeu. O dono dos olhos pretos parou após cinco minutos e respirou fundo. Tentou olhar para a garota em sua frente. Conseguiu. Ainda deitado, forçou um sorriso.

     — Sim, eu também posso chorar.

     Aquelas palavras arrancaram de Alice um riso trêmulo e rápido. — Eu achei que não podia.

     — Achou errado. — respondeu sorrindo.

     Então o silêncio pairou sobre a sala. A garota encostou as costas na poltrona, ainda sentada no chão. Bernardo fixou o olhar no teto, assim como Alice fizera na biblioteca. Suas mãos estavam sobre a barriga. A respiração mais calma desta vez.

     As pálpebras abertas não duraram um minuto.

     — Posso ficar aqui mais cinco minutos? — perguntou quebrando o silêncio.

     — Se meus pais não chegarem nesse meio tempo, pode. — Alice respondeu de olhos também fechados.

     Ele não disse mais nada. Pegara no sono em menos de dois minutos. A morena quase cochilou também, porém o medo não permitiu desviar a atenção. Ela olhou para o estranho em seu sofá sujo de sangue. Sentiu o coração acelerar. Arrastou o corpo até ele e cruzou os braços ao lado de seu corpo. Apoiou a cabeça ali, fechando os olhos novamente. A respiração pesada de Bernardo bateu em seus cabelos.

     Voltou a olhar para ele. Os lábios inchados e vermelhos estavam fechados quase formando um biquinho. Ela sorriu grata por ele não ter feito nada de errado em sua casa. Estava tudo indo muito bem.

     Concentrou o olhar naquela boca, mas foi pega de surpresa quando o garoto abriu os olhos ainda inchados. Com muito esforço, Bernardo se levantou e ficou sentado no sofá encarando Alice. Não disseram mais nada.

     Ele também se ajoelhou no chão e avançou em direção a garota. Suas mãos apertaram os delicados ombros dela e a pressionou contra o chão. Ambas respirações estavam aceleradas. Os cabelos compridos de Alice se esparramaram no tapete e a única coisa que ela podia ver era o rosto de Bernardo. Sua boca estava a menos de cinco centímetros da boca dele. Foi quando ele tocou ambos os lábios, fazendo a morena fechar os olhos.

     Porém, não fora nada mais do que apenas um toque. Um toque delicado que desceu pelo queixo até o pescoço de Alice, fazendo o coração machucar suas costelas. Os lábios de Bernardo tinham um leve gosto de sal. Talvez fosse por causa das lágrimas que molharam a região. Mas ela não foi capaz de sentir mais que isso.

     O moreno se levantou e, mancando, saiu pela porta da frente.

     Ele havia deixado seu gostinho de quero mais nos lábios de Alice.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu não consegui terminar a história no terceiro capítulo. Provavelmente ela se conclua no próximo ou se estenda até o quinto. Não quero uma long fic. Espero que esta seja a primeira de muitas outras short fics. :D
Espero também que tenham gostado de mais um capítulo. Desta vez um pouco "tenso", vamos assim dizer. Tenso em relação a situação da Alice com o Bernardo. Levar um garoto pra casa sem os pais sabendo e esse garoto sendo suspeito de assassinato, não é NADA bom. E a morena está bem ciente disso.
Enfim, aguardo comentários! :*