Eu acordei com o despertador apitando. A manhã amanhecera fria e o sol estava coberto por nuvens cinzentas. Me virei na cama e ele não estava lá. Era de se esperar, adorava acordar cedo e fazer o café para mim. Me levantei indo em direção à cozinha, mas estava vazia. Eu aguardava ver seu corpo nu coberto apenas pelo lençol branco junto ao fogão. Quando não o vi ali, meu sorriso se foi.

Me joguei na cama novamente. Seu cheiro ainda estava guardado ali nos meus lençóis, aquele perfume amadeirado forte me trazia as doces lembranças da noite anterior. Todo meu corpo implorava para ficar deitado ali pela eternidade. Aquele aroma me embriagava e fazia meu sangue correr mais rápido. Aquele cheiro pregado ali era instigante.

Por fim, depois de alguns minutos lutando contra minha própria vontade, me levantei e banhei meu corpo na água morna do chuveiro. Eu quase podia sentir suas mãos suaves percorrendo o mesmo caminho da água no meu corpo, como na noite anterior.

Troquei-me depois do banho e me preparei para o trabalho. Antes de sair, pesquei um bilhete em cima da mesa. Com letras tortas e grandes dizia:

“Desculpe ter te deixado tão cedo, meu amor. Mas precisei deixar você dormindo para preparar uma nova surpresa para esta noite. Não fique curiosa! Não direi o que é!

Te vejo à noite.

Amo você.”

Meu corpo todo formigava de excitação. Ele adorava me fazer surpresas. E eu sempre odiava ter que esperar até a noite para desvendá-las. Saí de casa com meus olhos brilhando. Já no trabalho, tentei ligar para seu celular, mas ele deixara desligado. Então, eu tive que esperar.

Todo o dia demorou a passar. As horas pareciam se esticar mais a cada vez que eu olhava para o relógio. Quando cheguei em casa, já anoitecendo, me despi e pulei para o chuveiro. Vesti a camisola de seda e aguardei.

Eram 20:24h quando ele chegou. Eu nem tinha percebido que cochilara na cama esperando por ele. Acordei sentindo seus lábios quentes e grossos selando os meus. Pulei da cama passando meus braços por seu pescoço. Ele me fitou com aqueles olhos azuis e senti meu coração pular feito louco lá dentro.

- Senti sua falta. – disse eu sorrindo para ele.

- Eu também. – ele respondeu deixando de lado sua maleta preta do trabalho e me empurrando para a cama ficando em cima de mim. Seus olhos estavam tentadores, eu queria nadar naquela piscina azul que eram eles.

- E a surpresa? – perguntei curiosa olhando para os lados procurando por algo diferente.

- As surpresas vêm no final da festa. – ele me mostrou um dos seus sorrisos de canto de boca. – Agora, vou tomar um banho.

Ele me beijou novamente antes de se levantar e caminhar até o banheiro.

Corri até a cozinha e levei uma garrafa de vinho até o quarto. As taças da noite anterior ainda estavam no mesmo lugar e aguardavam para serem cheias do líquido vermelho novamente. Já havia tomado alguns goles do vinho quando ele entrou no quarto novamente. A toalha preta estava amarrada na cintura, o corpo escultural e os cabelos loiros molhados. Ele puxou a garrafa de vinho, encostou-a nos lábios e sorveu o líquido engolindo devagar e se deliciando com o sabor.

Me ajoelhei na cama e fiquei o olhando beber do vinho. Eu lambia algumas gotas que caíam da sua boca e escorriam para o seu pescoço misturando-se aos pingos de água. Ele largou a garrafa de lado e segurou meu rosto em suas mãos.

- Você não deixou nenhum gole para mim. – choraminguei.

- Você não vai precisar. Quer vinho ou a surpresa que lhe aguarda? – ele sorria para mim.

There something I can’t see

Something different in the way you smile

Seu sorriso, porém, parecia diferente. Havia alguma coisa ali que eu não podia ver. Eu nunca soube ler nas entrelinhas. Ainda sim, continuei curiosa. Seus olhos hipnotizadores estavam ali na minha frente, por que eu deveria recuar? Não havia motivos. Seus olhos azuis...

Ele me largou e eu sentei nas minhas pernas. Foi até sua maleta preta, a abriu e tirou de lá algo enrolado numa flanela preta.

- O que é? – perguntei fitando o embrulho em suas mãos. Ele ainda tinha aquele sorriso estranho no rosto, ainda sim eu continuei.

Ele deixou a flanela deslizar até o chão. Tinha uma pistola preta na mão direita e apontava para mim. Eu não senti mais o coração bater. Meus pulmões ficaram um tempo sem saber o que era ar. Meus lábios estavam apertados numa linha reta, eu prendi a respiração e fiquei imóvel. Olhei em seus olhos.

- O que é isso? – gaguejei baixinho.

Ele abriu um sorriso maior. Meus olhos desceram até a maleta. Teria ali um uniforme de policial? Seria só uma brincadeira? Eu sabia o quanto ele tinha pensamentos perversos, poderia só querer se vestir de policial...

- Diga adeus para mim, meu amor. – sua voz era quase um sussurro.

- Diga que ela é de brinquedo. – senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto.

Ele alisou com carinho a pistola com os dedos.

Engoli em seco.

- Ela pode fazer um estrago grande, querida. Eu não sou de brincar. Você sabe bem. – e voltou a apontar a pistola para mim.

- Por que isso? – minha voz estava trêmula. – POR QUE? – gritei chorando.

- Ah, porque eu senti vontade. Cansei de você. E... bem, você é uma burra, sabia? É, burra.

- Não faça isso. Por favor! – eu implorei.

- Por quê? – ele fez um beicinho e deu mais um passo para frente. – Só porque você não quer? Ah, me poupe. Todas que passaram por essa cena comigo imploravam a mesma coisa. Como se eu fosse deixar de sentir o gostinho de matar novamente. Como se eu fosse deixar de sentir o cheiro de sangue fresco! – ele deu uma gargalhada.

Behind those eyes you hide

Behind those eyes you lie

Olhei para seus olhos novamente.

Olhos que me esconderam sempre a sua verdadeira identidade. Olhos que mentiram para mim. E eu fui burra o bastante para acreditar. Sim, burra. Ele tinha razão nisso.

Seu dedo tremeu no gatilho. Senti a hora chegar. A última coisa que ouvi foi o tiro. Tudo parecia silencioso naquela noite. Minha cabeça tombou para baixo e minha camisola branca estava suja de sangue. Minhas mãos apalparam o lugar, perto do coração.

Então, eu parti.

E na frente desses olhos eu morri.