Yume no Kakera (2.0) escrita por Misu Inuki


Capítulo 3
A maldição do Oni


Notas iniciais do capítulo

AVISO IMPORTANTE: Capitulo atualizado (2.0)



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Nem meio segundo depois, Inuyasha estava do meu lado. Ele arrancou o lenço vermelho da minha camisa -o único pedaço de tecido limpo disponível naquele momento- e amarrou firmemente na minha mão para conter o sangramento. Rapidamente o tecido escureceu, absorvendo parte do sangue que agora apenas pingava pelas pontas do laço.
Shippou pulou em cima da Kirara, jogando desajeitadamente as coisas para fora da minha mochila até encontrar minha caixa de primeiros socorros.

– Está... queimando... muito.- Tentei avisar entre soluços. Lágrimas grossas caíam pelo meu rosto enquanto eu mordia os lábios com força para não gritar. Doía horrivelmente, como se minha mão estivesse em chamas. Não era um simples corte, eu sabia que de alguma forma aquele pedaço de Oni tinha conseguido me envenenar.

Sango pegou a caixa das mãos tremulas do Shippou e procurou entre os inúmeros frascos e caixas, um saquinho de tecido com um monte de folhas e galhos. Tinha sido um presente de Junenji, um hanyou que vivia nas montanhas e tinha junto com a mãe um fazenda cheia de ervas medicinais. Eram as mesmas folhas que salvaram a vida da Kirara quando ela tinha sido envenenada. Usando um pequeno pilão, ela esmagou a mistura com um pouco de água.

–Não vou mentir... Isso vai doer um pouco, Kagome-chan- Ela avisou enquanto colocava a mistura pastosa na ponta de uma faca pequena.

Inuyasha esticou minha mão ferida retirando o lenço com um único movimento. Ignorando meus protestos , ele segurou firmemente meus dedos para mantê-la aberta.
Com o outro braço ele me prendeu pela cintura num aperto de ferro, me impossibilitando de me mover um milímetro que fosse.
Sango aplicou o unguento na ferida, e eu descobri que ela estava errada. Não doeu um pouco, doeu absurdamente. As chamas que queimavam minha mão a segundos atrás, pareciam cócegas quando comparadas com o que senti quando ela apertou a faca na ferida exposta. Era como se milhares de raios entrassem pelos meus poros, um vulcão devorando as chamas de uma fogueira. Gritei, me debati implorando mentalmente para que simplesmente arrancassem minha mão fora. Mas Inuyasha não se mexeu, e por mais que eu usasse toda minha força não consegui sair dali. Aos poucos o vulcão foi adormecendo, e a dor diminuiu gradativamente até desaparecer de vez. Só então, quando meus soluços cessaram, que Inuyasha me liberou da prisão de aço. Sango enfaixou minha mão com uma gaze limpa, e sequei meu rosto com a manga da camisa. O susto tinha passado. Senti o olhar preocupado dos meus amigos, quando eu sentei no chão.

–Eu estou bem, agora.- forcei um sorriso para parecer mais convincente- Obrigada por tudo, mas não precisam se preocupar mais. Já passou.

Aos poucos a tensão foi diminuindo, e meus amigos já mais calmos, recolhiam a bagunça e colocavam dos os objetos da minha época de volta na minha mochila.
Inuyasha ainda me olhava preocupado, e eu suspirei. Nem se eu me levantasse e começasse a sapatear na frente dele, o hanyou acreditaria que eu estava bem. Ele era extremamente dramático quando o assunto envolvia a minha segurança. “Ele fica assim porque me ama”. Não pude deixar de sorrir com o pensamento. Todas as minhas incertezas sobre os seus sentimentos por mim, me pareciam quase cômicas naquele momento. Era tudo tão óbvio, tão claro e tão certo. Era como se o mundo fizesse sentido, pela primeira vez.
Me levantei arrumando as dobras da minha saia. Guardei cuidadosamente o shikon no kakera junto com os antigos no potinho que eu carregava no pescoço.
Coloquei as mãos na cintura decidida. Tínhamos uma missão a cumprir: encontrar algum aldeão sobrevivente. Ignorando os olhares atentos do garoto de cabelos prateados a cada movimento meu, peguei Shippou no colo e comecei a andar atrás de pistas, seguida pelos outros. Não tínhamos algum critério, era apenas um palpite bobo meu. Mas como meu sexto sentido tinha o costume de estar sempre certo, meus amigos resolveram procurar seriamente.

Meia hora andando sem rumo pela vila abandonada comecei a me sentir fraca.

Shippou que era bem levinho parecia pesar três vezes mais, e eu tive que parar e coloca-lo no chão.

–Está tudo bem Kagome? - O yokai raposa me perguntou preocupado quando eu me apoiei numa árvore

–Sim.-sorri respirando fundo- É que eu esqueci de tomar o café da manhã, só isso.

Não tinha mentido totalmente. Afinal eu realmente não tinha comido nada naquela manhã.

Sentei no chão, subitamente exausta. Não conseguia focalizar no pequeno yokai a minha frente, via apenas um tufo borrado de cabelos ruivos.

– Vou pegar algumas frutas para você.- o garoto falou saindo correndo.

Coloquei a cabeça entre os joelhos. As casas e árvores giravam diante dos meus olhos, me embrulhando o estômago. Fechei os olhos rezando para que aquela sensação horrível passasse logo. Não sei quanto tempo passei daquele jeito, enrolada como uma bola, abraçando as próprias pernas, mas em algum momento Shippou voltou carregando o máximo de frutas, castanhas e raízes comestíveis que seus pequenos bracinhos conseguiam carregar. Agradeci com um aceno de cabeça, e peguei a primeira coisa que alcancei da pequena pilha que o menino colocou na minha frente. Era alguma fruta azedinha, mas boa o suficiente para me fazer me sentir melhor.

Acabei com ela em poucas mordidas, e depois de engolir mais umas três ou quatro castanhas consegui enxergar tudo claramente de novo.

– Obrigada, Shippou. - acariciei os cabelos do menino- estou me sentindo bem melhor graças a você.

– Tem certeza, Kagome?-ele me olhou desconfiado- você ainda está branca que nem cera.

–Ai estão vocês!- Miroku gritou antes que eu respondesse o menino raposa- Você estava certa, Kagome-sama, encontramos os aldeões.

Me levantei e fomos até o templo da vila. Tinha uma passagem secreta atrás de uma estátua de Buda, cercada por fundas sagradas, onde nem humanos nem yokais poderiam encontram ataca-los.

Os aldeões ficaram profundamente gratos, ao saberem que tínhamos acabado com o monstro que assombrava o vilarejo há gerações.

–Ninguém tinha coragem de ataca-lo, por causa da maldição do Oni.-o ancião líder da aldeia explicou deixando nosso grupo ainda mais confuso.

–Maldição?-Miroku perguntou curioso.

–Sim.-o idoso falou sério- O Oni toupeira não é muito poderoso, mas ao ser derrotado, ele amaldiçoa seu inimigo, soltando os espinhos venenosos que ele esconde dentro da boca. A pessoa vai perdendo as forças até sua alma se arrastada de vez para as trevas. Nenhum antídoto, ou magia é capaz de salvar a vítima uma vez que o veneno entre em contato com seu sangue.

Todos olharam na minha direção chocados.

Aquela história não fazia sentido. Era uma lenda, como tantas que tinham nessa era.

–Kagome, você colocou a mão na boca do monstro e foi envenenada! -Shippou verbalizou desesperado o que todos deveriam estar pensando mas não tinham coragem de dizer.

–Foi só um cortezinho, Shippou. E eu me sinto muito bem agora.

–É mentira!- o garoto gritou com lágrimas nos olhos, me assustando. - Você quase desmaiou do nada a minutos atrás que eu vi! Estava gelada e branca como um pedaço de papel quando eu voltei com as frutas!

Me encolhi diante dos gritos do garoto. Podia sentir os olhares preocupados dos meus amigos mas eu não tive coragem de encará-los.

–É verdade, Kagome? - Inuyasha perguntou. Sua voz estava suave, mas queimava num misto de preocupação e desespero em cada sílaba.

–É sim!- Shippou respondeu por mim- Ela estava respirando fundo como se tivesse sem fôlego, também.

– Eu estou bem agora, é sério!- me defendi levantando o rosto. Mas ninguém parecia acreditar, como se algo me denunciasse. Coloquei as mãos na bochechas. Estava tão horrível assim, me perguntava.

Inuyasha agarrou minha mão enfaixada bruscamente, e sem nenhum cuidado, arrancou as bandagens dela.

– É assim que fica a ferida de quem é amaldiçoado?! – ele quase esfregou a minha mão aberta na mão do pobre senhor. Inuyasha agia da pior maneira possível quando estava nervoso. Sua natureza violenta parecia subir a cabeça dele, assustando as vezes até mesmo quem já estava acostumado com ele, como Miroku e Sango, que não abriram a boca enquanto ele rosnava- Responde!

O senhor gaguejou e eu me desculpei silenciosamente pelo comportamento grotesco do hanyou.

–E-eu não sei!- Ele respondeu com sinceridade- Nunca ninguém teve coragem de chegar perto da criatura, ou sobreviveu tempo suficiente para nos mostrar a marca da maldição.

Inuyasha soltou minha mão bruscamente, e eu gemi de dor baixinho.
Ele me olhou arrependido, e dessa vez delicadamente enfaixou meu ferimento.
Suas mãos tremiam levemente, observei em silêncio.

– Vocês fazem alguma ideia de como quebrar a maldição? –Miroku insistiu- Tem que haver alguma maneira.

– Vocês podem tentar purificar o cadáver- O idoso balançou os ombros- Eu realmente não sei, mas estaremos rezando pela senhorita. Sinto muito.

Se curvando, agradeceu mais uma vez por termos salvado o vilarejo, e voltou para junto de seus familiares.

–Isso tudo é uma bobagem, vocês sabem não é?- falei exasperada com o clima tenso do grupo- Eu estou ótima, de verdade! Tudo isso não passa de lenda, eu apenas passei mal porque não tinha comido nada.

– De qualquer forma, Kagome-sama, vamos purificar o yokai.- Miroku tirou um bolo de sutras do bolso do kimono.- Por precaução.

–É, Kagome-chan. Não vai levar muito tempo, e todos vamos ficar mais tranquilos. – Sango completou e eu não pude contra argumentar.

Suspirando, me virei para voltar o longo caminho até onde os pedacinhos o monstro estavam. Inuyasha me segurou pelos ombros, me impedindo de completar a passada.

–Onde você pensa que vai?- Ele me olhou indignado.

Apontei confusa para a direção que tinha sido a batalha. Um dos pés ainda meio erguido no ar, pateticamente.

–Você vai ficar paradinha, esperando a gente terminar. – A voz dele era firme e não me dava outra alternativa.

–Mas aqui é o meio da vila! Como raios eu vou ficar parada no meio do caminho?- Levantei os braços mostrando onde estávamos. Literalmente no meio de uma trilha feita para carroças e transito de pessoas.

Ele pareceu perceber o quão ridículo era sua ideia, mas antes que eu pudesse comemorar, ele chamou a Kirara, me colocando em cima dela tão facilmente como se eu não pesasse nada.
Shippou pulou na minha frente em seguida.

–Kirara, leve a Kagome para um lugar tranquilo fora da aldeia e depois volte para ajudar a gente.- E ignorando meu olhar indignado, ele continuou- E você Shippou, cuide dela. Não deixe ela levantar, e se acontecer alguma coisa me avise.

Shippou concordou, orgulhoso como se tivesse mandado guardar a vida do imperador, e eu vi que estava sobrando numa conversa sobre mim mesma.Ele agradeceu e Kirara levantou voo.

Ficamos apenas alguns instantes no ar, até que ela encontrasse um lugar tranquilo entre na floresta, perto de um rio. Conforme o prometido, ela deixou eu, Shippou e minha mochila, levantando voo novamente, assim meus pés tocaram o chão. Suspirei entediada, enquanto abria minha mochila. Shippou me encarava sem piscar, levando a sério o pedido do Inuyasha. Rolei os olhos, aquilo era tão desnecessário... Tirei uma manta grossinha da mochila, e minha garrafa d’água.

Estava ventando um pouquinho, então me sentei entre as raízes altas de uma das árvores, cobrindo minhas pernas com o cobertor. E entre um gole e outro de água em algum momento, acabei adormecendo.

Acordei muitas horas depois, chocada ao ver o céu coberto de estrelas.
Sango, Miroku Shippou, Kirara e Inuyasha estavam sentados em volta de uma fogueira, esperando os peixes presos em espetos ficarem prontos. Meu estômago resmungou alto ao ver a cena, me lembrando do longo tempo que eu havia ficado sem comer nada.

Me levantei enrolada na manta, e me aproximei do grupo.
Shippou foi o primeiro a perceber que eu tinha acordado, e pegando o maior peixe da fogueira, ele me entregou com um sorriso no rosto. Sorri de volta, agradecendo. O menino era um fofo, e seu carinho comigo me comovia profundamente.

– Você está bem, Kagome? Seu rosto parece melhor...- O garoto comentou, enquanto pegava o próprio peixe.

Eu me sentia muito bem, que se não fosse a gaze amarrada na minha mão direita, eu poderia jurar que todos os eventos daquela manhã confusa tinham sido apenas um pesadelo.

–Sim, desculpa por fazer vocês se preocuparem.

– Você ficou dormindo um tempão...- O garoto deu uma dentada no peixe, falando de boca cheia.

– Tem razão... - comentei enquanto brincava com minha própria comida. Um sorriso travesso se formou nos meus lábios- Na verdade, é que eu não dormi muito ontem...

Pelo canto dos olhos, eu vi o hanyou se engasgar com o peixe, e eu não pude deixar de rir.
O rosto dele brilhava em cinquenta tons de vermelho, quando Shippou me questionava o porque.

– Porque eu passei a noite conversando com o Inuyasha e perdi a noção do tempo.- respondi sorrindo, cinicamente.

Tecnicamente eu não tinha mentido, afinal eu tinha mesmo conversado com o Inuyasha. O pequeno yokai só não precisava saber que essa não era a principal razão de ter passado a noite em claro.
Minutos depois de ter terminado a embaraçosa conversa com o yokai raposa, e terminado de jantar. Inuyasha se levantou.

– Vou buscar mais lenha... –Ele anunciou.- Kagome, vem comigo.

Me levantei, pedindo licença ao grupo. Pela cara que Sango fez, ela deve ter pensado a mesma coisa que eu: as chamas regulares da fogueira indicavam que ela não precisaria de mais lenha nem tão cedo. Me fingi de desentendida, me perguntando mentalmente porque Inuyasha não pensou numa desculpa mais convincente.

Saímos adentrando na floresta, andando lado a lado com uma distancia de quase um metro um do outro.
A curiosidade parecia borbulhar dentro de mim, mas não abri a boca durante todo o curto trajeto até o pequeno lago.
Estava uma noite bonita. As estrelas pareciam estar mais brilhantes no céu sem luar, refletindo em pontinhos brilhantes nas águas calmas da lagoa.
Tirei meus sapatos, guardando minhas meias cuidadosamente dentro deles.
Me sentei em uma das margens rochosas do lago, colocando meus pés na água.
Estava fresca, nem muito gelada, nem quente. Desenhava círculos, brincando distraidamente girando os calcanhares. Tentava inutilmente parecer serena, mas meu coração batia tão alto denunciando aos ouvidos sensíveis do hanyou, o caos que estava na minha cabeça. Ouvi o barulho dos pés dele entrando no rio, mas não virei o rosto para olha-lo. Ficamos por um tempo empurrando com os pés a água de um lado para outro. Ele estava sentado tão perto de mim, que eu podia sentir a manga de seu longo kaori tocando meu braço direito.

– Resolveram o problema com o monstro?- comentei despreocupadamente. Aquele silêncio estava me matando, então puxei o primeiro assunto que passou pela minha cabeça.

–Sim- ele respondeu depois de alguns segundos- Miroku encheu o lugar com fundas de monge e polvilhamos um sal estranho para purificar o lugar.... Você está melhor mesmo, Kagome?

Balancei a cabeça afirmando. Era tão bom ouvir a voz dele calma... Sentia como se borboletas dançassem no meu peito quando ele falou meu nome.

– Eu não sei o que faria se alguma coisa acontecesse com você...- ele confessou.- Eu não consigo pensar na hipótese de te perder um dia...


Havia tanta verdade em cada sílaba, tanta ternura em sua voz, que era quase palpável.
Virei meu rosto para olha-lo e encontrei seu olhar perdido no horizonte, como se lutasse para encontrar as palavras certas. Seus braços estavam cruzados no peito, os lábios tensionados formavam uma linha fina. O fantasma do medo parecia ainda assombrar seus pensamentos.

–Inuyasha...

Suas orelhas caninas se mexeram ao me ouvir chamando seu nome.
Sorri com a ideia divertida que passou pela minha cabeça para quebrar aquele clima pesado.

E antes que seu olhar virasse na minha direção, e me distraísse, falei baixinho.

–Osuwari.

O rosário encantado brilhou ao som da palavra, e ele despencou com tudo na água.
Ele emergiu irritado, resmungando uma série de palavras feias e que gargalhei divertida diante da cena hilária.

–Quais são os seus problemas, bruxa?!- ele reclamou enquanto eu tentava segurar a risada.

–Oras, Inuyasha... Isso foi apenas uma forma de te mostrar que eu estou viva e bem!- com as mãos espirrei água no rosto confuso do hanyou- Admita que foi divertido!

Um sorriso se formou nos lábios dele, e eu quase, quase tive medo.

Ele se aproximou devagar da margem do lago, e segurou meus pés.

Sibilei um não, mas era tarde demais.
Vingativo, ele puxou meus pés e eu cai na água.

– Realmente, é muito divertido!- ele riu e eu tentei tirar meu cabelo que grudava no meu rosto como uma cortina negra, me transformando numa versão patética de um personagem de filme de terror.

– Poxa... Eu só tinha essa roupa limpa.- resmunguei- Vou morrer congelada por culpa sua.

Fiz bico como uma criança contrariada, vendo que o hanyou não estava nem um pouco arrependido, dei dois socos fracos no peito dele e me virei para ir embora.
Gargalhando, ele cruzou os braços na minha cintura, me prendendo em seu peito.

– O que você está fazendo?- indaguei quando ele afastava uma mecha de cabelo do meu rosto

– Nada...- Ele se fez de desentendido, seus lábios tocavam suavemente a pele exposta do meu pescoço, me deixando arrepiada. – Só estou te salvando de morrer congelada.

– Meu herói.- ri maldosa.

Inuyasha afrouxou o abraço para que eu pudesse me virar de frente. Enlacei minhas mãos no pescoço dele, nossos corpos se encaixando perfeitamente. Seus olhos dourados brilhavam intensos, sedentos, como se pudessem enxergar a minha alma, como se pudessem me devorar inteira. E eu queria isso... Não, eu precisava me afundar naquele oceano de ouro líquido, conhecer cada canto, cada pedaço dele. Pertencer a ele de todas as maneiras, de todas as formas. Meu coração parecia estar vinte vezes maior, aquecendo meu peito como uma grande fogueira. Me derretendo de fora para dentro, me fazendo perder a consciência de quem ou o que eu era. Que se danasse meus pulmões, estômago, ou cérebro. Eram apenas uma massa insignificante de tecidos orgânicos. Eu só precisava dele ali na minha frente para respirar, só precisava ver refletida em seus olhos toda aquele misto de ternura e desejo, para que todo o mundo fizesse sentido.
Inuyasha abaixou o rosto, e eu sorri de antecipação antes que seus lábios entreabertos tocassem os meus.

Eu sabia o que viria em seguida. Sabia que minhas pernas ficariam bambas, sabia que o tempo ia congelar, e aceitei contente a estranha sensação de não conseguir verbalizar uma frase coerente, perdida numa névoa de emoções e sentidos.
Estávamosnovamente ali, em nosso secreto mundo, sem constrangimentos, ou incertezas.

Apenas eu e ele, desnudos de corpo e alma, verdadeiramente entregues um ao outro.
Um caminho sinuoso que eu já conhecia, e estava mais do que disposta a trilhar.
Me perdendo e me encontrando nos braços do hanyou... Do meu Inuyasha.

***

–Não é que você tinha razão?- olhei espantada para o haori vermelho completamente seco depois de uma leve torcida. – Nem dá pra acreditar que ele estava encharcado a minutos atrás.

Olhei para minhas próprias roupas esticadas em uma pedra, desanimada. Demoraria pelo menos a noite inteira para meu uniforme colegial voltar a ficar utilizável. Por sorte além de ser uma armadura à prova de chamas super leve, o haori feito com pele de yokais Ratos-De-Fogo, ainda era quase impermeável. Como na Era Moderna, com tanta tecnologia não conseguiram reproduzir algo tão util assim, pensei enquanto tentava ajusta-lo no meu próprio corpo.
As mangas era muito compridas, e comprimento muito curto, mas com alguns nós e muita criatividade, consegui reproduzir o mesmo vestido improvisado que usei quando ambos estávamos presos naquela noite em Togenkyo.
Calcei seus sapatos, colocando minhas meias junto da pequena pilha de peças de roupa molhadas, carregando com a ponta dos dedos, o mais longe possível do corpo. Uma brisa gelada cortava a noite, e eu só conseguia pensar no meu cobertor quentinho que tinha deixado junto com os outros na clareira.
Como se lesse meus pensamentos, ou simplesmente estivesse com frio também, afinal, estava com o peito descoberto; Inuyasha passou um dos braços por cima meus ombros, e seguimos assim meio abraços de volta para onde nossos amigos estavam.

– A gente tem que pensar em uma desculpa...- pensei alto.

– Porque? – hanyou perguntou distraído.

–Porque nós saímos para pegar lenha para fogueira, sumimos por horas, voltamos os dois encharcados, semi vestidos e sem nenhuma madeira!- expliquei rindo.

– Não acho que a gente tenha que falar nada, Kagome- ele olhou para o lado, mas eu conseguir ver claramente suas bochechas corarem- Aquele monge pervertido vive dando suas escapadas e ninguém fala nada... E a Sango não é nenhuma criancinha.

Tive que me segurar para não rir. Era visível o quanto esse assunto deixava ele tímido, e eu achava a coisa mais fofa do mundo. Inuyasha as vezes tinha traços quase infantis, e essa inocência lhe dava um ar tão humano. Ele não era só o hanyou destemido capaz de cortar a Kaze no Kizu; era também um garoto, um jovem que como eu tinha dúvidas e pudores.

– Mas o Shippo é uma criança curiosa.- comentei – Se não inventarmos uma BOA história, ele não vai sossegar.

O hanyou bufou, tentando se fazer de indiferente, mas lá estava a cor vermelha no seu rosto, denunciando-o.

– Vou deixar isso com você, Kagome. Não sou bom nisso.- ele admitiu.

Era verdade. Inuyasha era um péssimo mentiroso, e não tinha nenhuma criatividade para inventar histórias. O problema era que eu também não.

–Okay- me rendi- Pelo menos, não me desminta.

– Sim, senhora- Ele riu e eu ri junto.

Estávamosperdidos. Primeiramente, porque como eu adivinhei Shippo nos esperava de braços cruzados em frente a fogueira já quase extinta. A cena seria cômica, se eu já tivesse alguma álibi, mas as ideias simplesmente sumiram da minha cabeça quando vi a carinha brava do yokai raposa, irritado como um pai esperando a filha voltar tarde de uma festa. Segundo, que eu não havia previsto, Sango e Miroku nos olhavam com olhares acusadores enquanto tomavam uma xícara de chá verde. Esperava que eles pelo menos fingissem que estavam dormindo, mas nada estava ao meu favor.

– Onde vocês estavam?- o garotinho indagou, com uma veia saltada na testa.

Essa era fácil.

–No lago.

–E eu posso saber o que vocês dois foram fazer no lago, se tinham saído pra pegar lenha?- Shippo falou irritado.

Respirei fundo, e dei uma olhada pelo canto do olho para Inuyasha, que parecia estranhamente interessado em analisar atenciosamente as formigas que andavam pela grama. Estava sozinha nessa.

– É uma história bem engraçada...- comecei tentando ganhar tempo.- E longa. Muito longa.

–Temos todo o tempo do mundo. – A mulher comentou do outro lado da fogueira.

“Até tu, Sango?”- pensei, traída pela própria companheira.

– Tudo começou quando estávamos andando pela floresta. Mas estava escuro. Muito escuro. Não dava para ver quase nada além dos nossos próprios narizes... Eu já disse que estava muito escuro?

–Sim- Shippou falou sem paciência- E Inuyasha consegue enxergar muito bem no escuro.

– Claro! Inuyasha pode enxergar no escuro...- Enrolei tentando pensar em alguma coisa.- Mas era justamente esse o problema! Um yokai apareceu!

–Um yokai?- o garotinho perguntou preocupado, e eu consegui encontrar um ponto para seguir.

–Sim, um yokai que fez com que tudo ficasse escuro, porque ele queria os fragmentos da joia. Foi uma luta difícil por que o Yokai era muito malvado e teimoso. –Inuyasha que ainda parecia tentar entender formiguês por osmose, segurou a risada com a minha história ridícula. – Ele me segurou pelos pés e me fez rolar até o lago. Inuyasha conseguiu me salvar do monstrengo, mas ele fugiu levando meus sapatos, afundando no lago. A gente pulou no lago, e conseguimos recuperar meus sapatos. E vendo que eu poderia me resfriar, muito gentilmente Inuyasha me ofereceu seu haori, que aliás consegue secar em tempo recorde, estou pensando seriamente em tentar arrumar um desses para mim e...

–MENTIRA!- Shippo gritou me interrompendo.

–Não, é sério!- me defendi- E só você torcer uma vez, e nem parece que ele estava encharcado.
Se você pegar uma ponta do tecido vai ver que....

–Não estou falando do haori do Inuyasha! Estou falando dessa história do yokai! – o menino raposa se irritou apontando para os meus sapatos- Seus sapatos estão secos, Kagome!

– Inuyasha...- Olhei para o hanyou, apontando para os meus pés- É um milagre!

Foi demais para o hanyou que caiu na gargalhada, uma risada solta e contagiosa.
E acabando com os nervos do pobre Shippo, eu também não aguentei e comecei a rir.
Aquela era definitivamente a pior mentira de todo universo, e eu descobri que existia alguma coisa em que eu era pior do que matemática.

–Vocês são doidos!- o garoto balançou a cabeça desgostoso com a nossa crise de riso.

Depois disso fomos dormir sem mais perguntas. Shippo ainda estava emburrado, mas se aconchegou no meu colo, para se aquecer do frio, quando eu me deitei.
Sango, Miroku e Kirara também foram dormir, cada um em seu canto.
Inuyasha se sentou nas raízes da árvore a minha frente, contrariamente coberto com uma das mantas que eu trouxe da minha era. Ele olhava sem esconder a inveja da pequena bola de pelos aninhada em meus braços, e eu não pude culpa-lo. Pois apesar de amar Shippo, dormir abraçada com Inuyasha era infinitamente mais agradável e confortavel.
Depois de murmurar boa noite, fechei os olhos e deixando o cansaço me vencer.

– Olá Kagome!- uma voz infantil me chamou.

Levantei a cabeça surpresa. Olhei em volta, percebendo que a floresta tinha sumido, assim como meu amigos. Tudo estava envolvido num fundo branco sem nada além de duas crianças que me olhavam curiosas.
Me sentei sobre os joelhos, e esfreguei os olhos.
Tudo continuava igual, o mesmo vazio claro como se fosse dia.
A menina que sabia meu nome usava um kimono azul com estampa de peixinhos dourados, seus cabelos estavam cuidadosamente presos em duas Maria-chiquinhas no topo de cada lado da cabeça. Ela segurava a mão de um silencioso menino, que apesar de parecer tímido na minha presença, não parava de me encarar. Ambos pareciam ter a mesma idade.

– Viemos lhe fazer companhia Kagome-chan.- a garota sorriu despreocupada- Não lembra de mim?

A garota me estendeu a pequena mão, e quando eu a toquei uma corrente gelada percorreu minha espinha, arrepiando todos os pelos do meu corpo.
Ela sabia meu nome, porque ela me conhecia. Lembranças de uma menininha que amava demais sua mãe e quase perdeu sua alma pois não conseguia desapegar de sua vida.
A menina que eu havia ajudado há tanto tempo atrás. A menina que havia morrido queimada.
Mayu era seu nome.
E ela havia aparecido para mim novamente.

– Vamos te fazer companhia a partir de agora.- o espírito da menina reafirmou.

Mortas.
Duas crianças mortas apareceram para me fazer companhia.
E eu apenas as encarava sem coragem de perguntar o porquê, rezando para acordar o mais rápido possível.
Mas uma vozinha gritava no fundo da minha cabeça:

Aquelas presenças eram reais demais para serem só um pesadelo.


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Notas finais do capítulo

Oi pessoal,
Mayu para quem não se lembra, foi a menininha que a Kagome salvou no episódio 12 do anime(Tatarimoken e o Pequeno Espírito Mau).
Beijos, e até a próxima!