Imperfeição escrita por GabrielleBriant


Capítulo 19
Animalesco




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XIX

ANIMALESCO

ROSALIE

Terça-feira, 15 de outubro de 1935.

Estar encantada por alguém daquela maneira era estranho para mim. Não que eu nunca tivesse me apaixonado antes; mas as lembranças do tempo que eu sonhava com os lábios de Royce estavam permanentemente manchadas pela memória do que ele fizera comigo em meu último dia de vida.

Assim, eu estranhava sempre que espiava, quase sem querer, quando Emmett caçava. Todos os músculos do corpo dele ficavam rígidos, completamente definidos. A imagem me lembrava a perfeição estatuesca da arte grega... Emmett era um deus. E ele despertava um lado meu que eu ainda não estava preparada para aceitar.

Eu acho que era a forma como ele me olhava e sorria. O sorriso dele, à primeira vista, parecia inocente – como esperado, por causa daquelas covinhas adoráveis. Mas os olhos brilhavam de uma forma maliciosa que me fazia derreter por dentro. Que me fazia querer pertencer a ele.

E tudo o que ele fazia parecia deliberado. Por exemplo, naquele momento, ele drenava um leão da montanha. Como um animal sádico, Emmett brincou com a sua presa antes de abatê-la. Acidentalmente, as garras fizeram a camisa em pedaços, exibindo o abdômen perfeitamente esculpido.

Eu não conseguia tirar meus os olhos dele.

- Nós deveríamos ir – Eu disse, chamando a atenção dele assim que acabou de se alimentar. – Já estamos aqui há sete dias. Temos que encontrar um telefone.

Emmett ergueu-se, deixando a carcaça no chão. Os seus lábios se partiam num meio sorriso e um absurdamente apetitoso fio de sangue escorria pelo seu queixo. A minha mente, claro, rapidamente se concentrou naquela região – e em como seria bom apagar o pequeno rastro vermelho com a minha língua.

Balancei a cabeça, numa tentativa vã de tirar os meus pensamentos daquele caminho perigoso.

- Eu pensei que você procuraria sozinha por um telefone – Ele disse, se aproximando de mim. – Pelo menos foi isso que o Dr. Cullen disse, não?

- Foi; Carlisle acha que é perigoso demais expor você a humanos. E você tem que parar de tratá-lo por Dr. Cullen!

- Isso é difícil, Rosalie. Eu fui acostumado a tratar os mais velhos com respeito e o Dr. Cullen... bem, o homem é bem velho. Acho até que vou começar a tratá-lo por vossa majestade. Ou será que vossa santidade é mais respeitoso?

Ri, mesmo que a piada de Emmett tenha sido patética.

- Talvez vossa santidade seja mais apropriado, já que você pensou que ele era Deus.

- Isso! Exatamente! Mas você não acha que o Dr. Cullen estava certo?

- Não, Emmett. Você está bem alimentado e sabe que terá que ficar dentro do carro sem respirar, não sabe? – Ele assentiu. – Então, sinceramente, eu não vejo perigo.

Emmett sorriu, deixando claro que ele confiava em mim.

Em retrospecto, vejo que fui imprudente. Eu devia ter previsto que aproximar Emmett – um vampiro extremamente forte – a seres humanos tendo ele tão pouco tempo nessa nova vida não era uma boa idéia. Eu devia ter previsto que aquilo acabaria em tragédia.

Mas, naquele momento, a única coisa que eu conseguia pensar era que não queria me afastar dele.

Enquanto eu colocava todo o nosso "acampamento" na mala do carro, Emmett jogava fora os retalhos da camisa que vestia, e pegava uma nova. E logo nós estávamos vagando pela rodovia, esperando encontrar alguma casa ou posto de gasolina.

Não demoramos a encontrar um posto – um daqueles, cuja marca é uma estrela vermelha e, aparentemente, estavam em todos os lugares ultimamente. Ele era bem comum: duas bombas perto da estrada e um casebre atrás, que se dividia em lojinha de conveniência e, eu imaginei, na morada dos donos do local.

Parei o carro perto de uma das bombas e um homem de aparência suja saiu da lojinha. Quando eu desci do carro, ele me olhou de uma forma lasciva e, apesar de eu saber que tinha de me sentir insultada, não pude evitar a curvinha que apareceu em meus lábios ao ouvir um rosnado deixar a garganta de Emmett.

- Não respire – Sussurrei. – Olá.

- Madame. Precisando de gasolina?

- Não, na verdade. Mas obrigada. Vou até a conveniência.

- Fique à vontade.

Dizendo isso, entrei na lojinha de conveniência – logo sendo cercada pelo cheiro do sangue do senhor que estava no caixa. Como tinha que manter o disfarce, fingi interesse nas prateleiras com charutos e bebidas alcoólicas e escolhi um vinho qualquer.

Colocando em meu rosto o sorriso mais encantador que eu sabia fingir, me aproximei do homem.

- Boa tarde.

Claro que ele também me olhou de uma maneira absurdamente imoral – aquilo já era esperado. Finalmente, passado o choque de ver alguém como eu, o homem abriu um sorriso quase sem dentes e pegou o vinho das minhas mãos.

- São dois dólares. Uma moça tão bonita não devia estar nessa estrada sozinha.

- Não estou. Meu marido está no carro. – Respondi, enfatizado com prazer a palavra marido.

- Oh. – O velho esticou o rosto para olhar a porta de vidro, enxergando Emmett dentro do carro. O meu peito se encheu de orgulho quando o sorriso pervertido do homem morreu: mesmo sem saber, meu Emmett já me protegia. – Ele é um homem de sorte. São dois dólares. Posso fazer mais algo para a senhora?

Peguei o dinheiro em minha bolsa, entreguei-o ao homem e disse:

- Bem, eu preciso fazer um telefonema.

- O telefone está dentro da casa. O seu marido não vai gostar que você entre na casa de outro homem sozinha.

- Meu marido confia em mim.

Ele abriu novamente o seu sorriso asqueroso.

- Boneca, o seu marido não deveria confiar em outros homens. Meu filho e eu somos honrados; mas é fácil esquecer a honra perto de uma mulher bonita.

Tive que me segurar para não dizer que eu já havia aprendido da pior maneira que os homens eram confiáveis. Tive vontade de assegurar àquele homem que ninguém mais colocaria as mãos em mim sem o meu consentimento. Tive vontade de revelar que eu era mais que uma mera mulher bonita; que eu era algo muito mais sombrio e perigoso...

Mas não o fiz. Eu apenas sorri, fingindo agradecimento, e deixei que ele me conduzisse para o interior da sua casa, nos fundos da loja.

O local era escuro e tinha um cheiro repugnante que, eu imagino, se devia à falta de uma presença feminina na casa. Os móveis eram cheios de cupim e mofo e havia traças por todos os lados.

Numa estante de livros quase vazia estava o telefone de modelo antigo: enorme e com manivelas. Sorri – quando eu era menina, meus pais compraram um telefone exatamente igual àquele. Foi um dos primeiros telefones de Rochester, e logo eu aprendi a me vangloriar daquilo com as minhas amiguinhas no parque. Apesar disso, o aparelho me assustava: com a minha imaginação inocente, eu pensava que as vozes que saíam dele pertenciam a fantasmas.

Os meus pensamentos nostálgicos foram interrompidos por um terrível estrondo vindo do posto.

- Mas que-?

O meu coração morto se encheu de angústia quando o terrivelmente irresistível cheiro de sangue humano invadiu as minhas narinas, tão forte e poderoso que... que só poderia estar jorrando de uma pessoa prestes a morrer.

- Emmett.

Como se respondendo ao meu chamado involuntário, Emmett apareceu – derrubando a porta do casebre e arrancando um justificado grito do senhor.

Exceto que aquele não era Emmett. Não o Emmett que eu conhecia. Não o meu Emmett.

Ali estava um animal, um predador. Uma massiva figura humana coberta de sangue e entranhas. O peito de Emmett arfava ameaçadoramente e, cada vez que ele expirava, um ruído gutural ecoava. Os olhos vermelhos, perigosos, se fixaram em mim. Engoli seco.

Eu era o inimigo. Eu era a concorrência que deveria ser eliminada.

Dei um passo para trás, e Emmett grunhiu em resposta.

Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia como me defender de um vampiro mais forte sedento para marcar o seu território. Comecei a sentir desespero – algo que se tornara completamente estranho para mim desde aceitei o fim da minha humanidade.

Ele olhou para o homem – que rezava encolhido num canto de parede. E os olhos dele me miravam novamente, mandando um recado claro: aquela presa o pertencia. E se eu me aproximasse, se eu me mexesse um milímetro sequer, eu também o seria.

Prendendo a minha respiração, mantendo todo o meu corpo absolutamente imóvel, eu desviei os meus olhos para o chão, esperando que ele interpretasse aquilo como uma rendição.

Pela minha visão periférica, o vi se aproximar um pouco de mim antes de, como um raio, cobrir o corpo do homem com o seu.

Houve apenas um grito. E, então, o terrível barulho de pele rasgada, de carne rompida, de ossos quebrados.

Eu solucei em silêncio, assistindo ao espetáculo brutal. A violência estava na nova natureza de Emmett; um defeito tão forte e imperioso quanto todas as qualidades. E eu sabia que a culpa era minha. Eu o transformara num animal, e agora aquelas duas pessoas haviam pagado o preço.

Em meu egoísmo, não eram as mortes que me preocupavam – apesar da selvageria cruel ter me incomodado. O que me preocupava era o peso que aquilo teria na consciência e na alma de Emmett. E se ele também me culparia.

Tão rapidamente como começou, ele terminou. Não havia mais sangue dentro do corpo daquele homem – apesar de uma quantidade absurda estar espalhada pelo chão, nas roupas de Emmett, e respingado em mim. Ele soltou o que sobrou do cadáver e a sua respiração aos poucos se acalmava.

A besta estava indo-se embora. Emmett – meu Emmett – estava voltando.

- E-Emmett? – A minha voz saiu um pouco mais rouca do que eu planejara. Respirei fundo, tão preocupada que pude ignorar completamente o sangue. – Emmett?

Um grunhido baixo deixou a garganta dele, mas ele não desviou os olhos do cadáver.

- Emmett, sou eu. Rosalie.

Ele assentiu, e eu me senti livre para me aproximar um pouco. Com cuidado, coloquei uma mão sobre o seu ombro.

- Emmett, está tudo bem.

De uma forma agonizantemente lenta ele virou o seu rosto para me encarar.

Havia uma ruga enorme entre as suas sobrancelhas e as covinhas dele haviam desaparecido. E o pior: algo havia morrido em seu olhar.

Eu mal reconheci a sua voz quando ele disse:

- Eu sou um monstro.

XxXxXxX

Reviews, por favor.

Mando bjus e mais bjus para a Lou Malfoy, que betou mais esse cap. E, claro, para as lindas que comentaram o cap anterior: Alice, Tathiana (Rose não quer contar o passado para Emmett porque tem vergonha. Lembre-se que a fic se passa da década de 1930, antes da revolução sexual. Para Rosalie, ela é apenas uma mulher solteira que não é mais virgem, e que tem que admitir isso para o homem que ela ama. E, pelo menos até os meus planos atuais, a fic não chega até a aparição de Alice, não. Ela deve acabar pouco depois dos Cullen chegarem em Washington), Allison Karev e Sophie. E, também, o pessoal que comentou lá no Nyah!: Relsanli e Dracena.


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