Your Guardian Angel... escrita por Misu Inuki


Capítulo 10
O dia e a noite


Notas iniciais do capítulo

Voltei! o/
Nem demorei TANTO dessa vez, né?
Sem mais delongas, capítulo novo "procês".
Espero que gostem e nos vemos lá embaixo!
Boa leitura!



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Me joguei na cama como uma pedra.
Mas não por estar cansada, muito pelo contrário, correria uma maratona inteira feliz se me dissessem que isso acalmaria meu coração inquieto.
Imagens do Eriol e da Zeniba se intercalavam na minha cabeça. A senhora falava de coisas sem sentido como bruxas, fantasmas e magia hereditária. Eu sempre vive com medo de que as pessoas descobrissem minhas crises, me sentia deslocada, uma mentirosa. E pela primeira vez em muito tempo Zeniba me fez sentir parte de alguma coisa. Com ela eu podia ser sincera, ser eu mesma. Não só isso. Zeniba me oferecia um mundo novo cheio de mistérios e encantamento, onde todas as coisas estranhas que haviam acontecido comigo era reais, onde eu até já tinha amigos. Bastava apenas acreditar.

Entretanto do outro lado tinha Eriol... Minhas bochechas coraram ao pensar nele.
Ele era divertido, gentil... E bonito. Sim, ele era bonito. Era meu amigo de infância, passamos por tanta coisa juntos, e eu sabia que ele se preocupava comigo. Mais que isso... Ele gostava de mim.
Suspirei irritada, enfiando o travesseiro contra o rosto. Eu não sabia porque mais me sentia dividida. Nenhum dos dois sabiam um do outro, mas eu me sentia como se só pudesse escolher um lado. Zeniba e seus mistérios, ou Eriol e ter finalmente uma vida normal.
"O que eu devo fazer?"-pensei repetidas vezes até meus olhos desistirem e se fecharem.


"O que está fazendo ai parada? Volte ao trabalho!-gritou o capataz de cima de sua cadeira- Esfregue com as mãos!
Eu já tinha explicado que eu precisava da senha para a banheira grande. Lin tinha sido bem clara: Vá até o capataz e pegue uma senha para banho d
e ervas. Parecia tão simples. Não queria decepcionar a Lin, ou fazer algo errado no meu primeiro dia de trabalho.
–Bom dia! - o homem sorriu para um cliente que estava passando e voltou a gritar comigo- Eu disse com as mãos!
–Eu sei, mas....-insisti, apesar de não entender o motivo, não iria sair dali sem o pedido da Lin- Tem que ser um "banho de ervas"...
–Como você é petulante!- um outro funcionário passou e ele voltou a ser simpático entregando a "senha" sem nem ele pedir- Ah, um
banho perfumado? Relaxe e aproveite!
Quando o capataz se distraiu, um vulto negro apareceu ao seu lado me assustando.
Aos poucos ele foi se materializando e eu reconheci a grande máscara branca com duas listras roxas que ele tinha no lugar da face. Era o cliente Sem-Rosto, que eu tinha deixado entrar na casa de banho pouco tempo atrás para ele se proteger da chuva. Ele também me reconheceu, e cumprimentamos um ao outro com um leve aceno de cabeça. Tão rápido quanto apareceu, sua imagem sumiu e eu estava a sós com o capataz novamente. O telefone em sua mesinha tocou, e ele atendeu antes que eu pudesse pedir a senha novamente. Então como mágica, uma das senhas levitou e voou até minhas mãos. Agradeci, muito aliviada e sai correndo de volta para a banheira grande antes que ele mudasse de ideia."


Acordei na manhã seguinte antes do despertador.
Fiquei deitada olhando para teto, repassando o sonho na minha mente várias vezes para ter certeza de que não iria esquecer. Não me sentia mais tentando segurar fumaça com as mãos. Desde que Zeniba tinha aparecido era como se os sonhos tivessem passado de um estado de vapor para um estado líquido. Não me lembrava de tudo, mas conseguia me lembrar de um pouco. Como quando a gente tenta pegar um água com as mãos, apesar de escorrer pelos dedos, sempre sobra alguma coisa. E este restinho de lembranças que eu iria guardar com todo cuidado no meu coração.

Quando levantei vi meu celular brilhando em cima da penteadeira. Tinha mais de dez ligações perdidas da Ayumi, e mais umas vinte mensagens também. Mesmo sabendo que ela já devia ter roído todas as unhas das mãos de curiosidade sobre meu encontro com Eriol, resolvi cruelmente deixar ela esperando mais um pouquinho antes de retornar. Quando eu ia devolver o celular para a estante, ele vibrou. Olhei a tela mas não era uma mensagem da minha ansiosa amiga. Era do Eriol. Hesitei antes de abri-la. Estava nervosa, como se subitamente o quarto estivesse uns 20 graus mais quente.

–Deixa de ser boba,Chihiro! -reclamei com meu reflexo no espelho, minhas bochechas estavam pateticamente mais coradas que o normal- É só o Eriol. O mesmo menino que brincava de pular corda com você, o mesmo garoto que te ajudou a estudar para aquela prova impossível de matemática na 6* serie. Vamos, leia a mensagem e pare de se comportar como uma menininha assustada de 10 anos!

Respirei fundo. Não tinha o porquê ter medo. Apesar de me esforçar para pensar nisso, um monte de vozinha ficaram zombando na minha cabeça. "Na certa, ele escreveu que não quer te ver de novo." "Claro, depois de você ter sumido para ver a Zeniba, ainda ignorou ele o filme inteiro!" "Garotos não chamam garotas para o cinema para realmente ver um filme, todo mundo sabe disso". "Provavelmente você beija mal." "Coitadinho, deve ter preferido beijar um peixe morto do que...."

–Chega! - gritei me arrependendo depois. Meus pais deviam ainda estar dormindo, e nada tinha haver com minha discussão interna.

Abri a mensagem, passando os olhos rapidamente. Não vi nenhum "te odeio", "adeus para sempre" ou "pior sábado da minha vida". Ri aliviada, realmente estava bancando a boba. Li mais cuidadosamente. A mensagem era justamente o contrário que eu espera. Eriol não só tinha dito que tinha adorado nosso "encontro", como me convidou para assistir o jogo naquele dia contra os Hollows.

"...Eu sei que futebol não é exatamente seu programa favorito mas... Eu queria te ver de novo. Eu ficaria muito feliz de te ver mesmo da arquibancada. Pense um pouquinho e me responda para eu dar um jeito de te encontrar antes da partida começar. Mentira, não pense em nada. Só venha. Não aceito não como resposta..."

Reli a mensagem umas três vezes. Podia sentir minha ansiedade crescendo a cada vez que eu fazia isso. Me surpreendi ao ver que também queria ver ele de novo. O telefone tocou e eu atendi. Tinha um convite para fazer à Ayumi que com certeza ia fazê-la me perdoar pela espera e por todas as unhas quebradas.


*******************************************************


A viagem até o estádio foi difícil. Não porque o trem estava anormalmente cheio para um domingo de manhã, e sim porque Ayumi parecia aquelas bolinhas de borracha que a gente gente compra naquelas Gumball Machines. Simplesmente não parava quieta.

– Não acreditoooo que a gente está indo ver a final do campeonato de futebol entre colégios!- a garota falava pela milésima vez, com um sorriso tão grande que quase encostava nas listras azuis e brancas que ela tinha feito na bochecha.

–Mas Ayu-cha, um monte de gente da escola está indo também. - comentei apontando para a galera que se apertava no trem como a gente, usando camisas listradas azuis e brancas com o logo do time da nossa escola.

– Eu seiiii, mas a gente está indo de convidadas VIPs! Com direito a entrar no vestiário e tudo. Isso não é o máximo?!- Ela levantou os dois braços acertando o nariz de um dos passageiros que tentava se equilibrar na barra.

O coitado segurou o nariz no lugar com os dedos, enquanto a Ayumi desesperada pedia mil desculpas. Eu já tinha comentado, que ela é hiper forte, não? Aquilo deve ter doído, pois o cara deu um jeito de sair perto da gente rapidinho.

–Eu sou um monstro!! -ela choramingou no meu ombro-Tudo que eu toque eu destruo!!!

–Não exagera, amiga.-consolei- Não é bem assim...

–Maquete da cidade ecológica na sexta série?-olhei para ela confusa- Passamos a tarde inteira fazendo, e tinha ficado uma gracinha. O que aconteceu com ela?

–Você pediu para colocar a antena no prédio de papelão...- me esforcei para lembrar

– Era só passar um pouco de cola no palito de dente e prender... Mas eu consegui amassar o prédio todinho, e quando fui tentar concertar quebrei a maquete no meio! Você teve que remendar tudo com fita adesiva.

Gastei três rolos inteiros. E trabalho foi apelidado de "cidade da múmia", e tiramos 2 pontos... De 20.

– Mas isso acontecesse com qualquer um e....

– Primeira Aula no laboratório de química, sétima série. - ela me cortou.

Estávamos estudando as reações, quando ela tropeçou e derrubou a mesa.
A sala ficou interditada pelo resto do semestre depois da explosão.

– Isso sem falar do pobre do Sr bigodes!

Coitadinho do coelhinho! Ele não tinha culpa de ser fofinho demais para um mascote de turma. Estava lá, paradinho em sua gaiola, pedindo para ser abraçado...

–Sou um perigo ambulante Chihiro!- ela fungou- Yusuke vai estar a salvo se ficar longe de mim.

Ela cruzou os braços desolada. Precisava pensar em alguma coisa para animá-la, mas não conseguia me lembrar de nada frágil que tenha durado na mão dela mais do que alguns minutos.

– Só acho que alguém vai ficar muito feliz com isso...- comentei e vi que seus soluços diminuíram na hora- A Karin do segundo ano, soube que ela tava indo para o jogo hoje e....

–Chihiro, temos que chegar lá rápido! - ela levantou a cabeça decidida.

Seu rosto estava determinado, e não havia nem sombra das lágrimas de segundos atrás.
Ela agarrou meu braço e saiu literalmente me arrastando para fora do trem quando chegamos na estação. Tive que me controlar para não rir. Ayumi era forte, dramática, e extremamente ciumenta. Se você quiser chegar perto do Yusuke, mesmo que seja só para perguntar onde fica o banheiro, é melhor ter seu seguro de vida em dia. Eu tinha não só seguro, como plano de saúde, assistência funerária e testamento pronto só por precaução. E olha que eu era uma das poucas pessoas na categoria melhor-amiga-irmã-de-outra-mãe.

Os anos de prática em sair correndo para não chegar atrasada na escola, finalmente serviram para alguma coisa. Pois Ayami, determinada parecia voar. Ela segurava firmemente meu pulso, desviando das pessoas como um raio. Olhava para frente assustada, com medo de cair. E então por uma fração de segundo, eu me vi numa situação parecida. Minha mente me transportando para uma cena embaçada onde eu estava passando apresada entre salas de madeira cheias de potes gigantes de condimentos, salões lotados de frutos do mar e chiqueiros com porcos roncando. Tudo tão rápido, que era impossível registrar tudo. Era apenas um borrão, e o barulho dos passos correndo de forma definitivamente anormal. Olhei novamente para frente, e invés dos longos cabelos castanhos presos em Maria-Chiquinhas de Ayumi, encontrei cabelos curtos num estranho tom quase negro cortados numa linha reta, que voavam com o vento provocado pela nossa velocidade. A camisa listrada gigante que minha amiga usava dava lugar estranho conjunto branco e azul que lembrava um curto kimono masculino. Me perguntava se estava sonhando, de fato, essa era a única opção lógica.Em poucos minutos acordaria, ainda sentada no trem com Ayumi me cutucando desesperada com medo de perdemos a estação. Ou talvez, ainda nem tivesse saindo da cama naquela manhã. Tudo não passava de uma invenção da minha cabeça, pensei. Mas quase como se lesse meus pensamentos, ele apertou mais seus dedos no meu pulso. Era real. Ele, quem que esteja, estava ali, me guiando rumo à sabe-se-lá onde. Estava dividida entre assombro e uma reconfortante e quase familiar sensação de segurança. Confiava naquele estranho. Confiava sem nem mesmo ver seu rosto ou saber o seu nome. Podia acompanhá-lo nessa viagem mesmo com os olhos fechados, pois sabia que ele não me deixaria cair. E foi o que eu fiz, fechei-o meus olhos e sentindo o vento bater em meu rosto, bagunçando meus cabelos que tentavam bravamente se manter no rabo-de-cavalo enquanto corríamos. O vento era bom, trazia um cheiro agradável e apesar de familiar era impossível de descrever. Era natural e fresco, como uma mistura de maresia e orvalho. Como as primeiras gotas de chuva e grama recém cortada. Tudo isso junto e ao mesmo tempo nada disso. Queria chegar mais perto para descobrir.

Então paramos. Bati com tudo nas costas da pessoa a minha frente e despencamos de cara no chão. Resmunguei baixinho, acariciando a bochecha amassada.

–Que coisa Chihiro! Presta atenção enquanto anda!- uma voz feminina reclamou e eu abri os olhos.

Ayumi já estava de pé, espanando a poeira da saia com as mãos. Olhei em volta confusa.

Estava sentada no chão de frente ao estádio municipal. Levei longos segundos para me lembrar o porque que estava ali. Tínhamos ido ver o jogo de futebol do colégio. Minha amiga me estendeu uma das mãos para me ajudar a levantar que eu aceitei de bom grado. Suspirei desolada, tudo tinha sido um sonho, afinal.

–Ouviu o que eu disse, Chihiro?

–O que?

–Eu perguntei onde o Eriol marcou para a gente encontrar ele!-Ayumi repetiu quase batendo os pés de irritação. Demorei a lembrar que ela estava com presa por causa da Karin.

–Na primeira fileira a direita, do lado do banco de reservas do nosso time...-Falei meio incerta, mas antes que eu pudesse tirar o celular do
bolso para reler a mensagem, a garota já tinha voltado a me arrastar pelo braço na direção da entrada.

Estava certa. Eriol estava sentado já completamente uniformizado na mureta que dividia o gramado da platéia. O resto do time se aquecia individualmente, cada um com a sua maneira.

Cheguei a pensar que ele ficaria no banco de reservas naquele jogo, pois seu rosto me pareceu chateado. Mas ele era o capitão do time, a faixa branca que estava em um dos seus braços reforçava essa posição, então só poderia ser outra coisa. Ayumi gritou enquanto tentávamos passar pelo estreito corredor até a primeira fileira. Eriol olhou para trás e seu rosto se iluminou num sorriso lindo, acenando para gente. Acenei de volta meio tímida. Ele pulou a mureta, sem nem olhar para trás para pedir autorização do treinador. Pude ouvir as risadinhas de alguns alunos que estavam nas primeiras fileiras, cochichando alguma coisa uns com os outros. Mas Eriol pareceu não se importar, muito pelo contrário. Assim que eu cheguei na primeira fileira, ele enlaçou seus braços nas minhas costas, me envolvendo num abraço muito comprometedor. Senti meu rosto queimar de vergonha, às risadinhas atrás de mim cada vez menos discretas.

–Fico feliz que você veio!- ele comentou me livrando do abraço.

–Eu também...- senti meu rosto ficar ainda mais vermelho quando Ayumi riu ao meu lado.- Para ver o jogo, quero dizer. Parece que vai ser legal.

– E vai, eu prometo. -Eriol piscou para mim. Ele parecia ter problemas em entender espaço pessoal. Estávamos extremamente próximos, uma das mãos em minha cintura, que apesar de não me aprisionar como no abraço também não me deixava mover nenhum centímetro. A outra, tirava uma das pequenas mechas que escapuliram do elástico, colocando delicadamente atrás da orelha. Eu olhei para baixo, encarando meu all star azul. Cruzei meus braços no peito, pois não sabia o que fazer com minhas mãos.

Ouvimos um apito estridente, e Eriol e eu nós viramos para olhar.

O treinador gesticulou, chamando Eriol de volta ao campo. Não dava para saber se ele estava irritado, ou não, pois seu rosto estava quase todo coberto por grandes óculos escuros e um boné com o brazão do time.

–Tenho que ir...-o garoto comentou voltando seus olhos verdes para mim.

–Boa sorte!- comentei e ele riu soberbo.

–Obrigado, mas não vamos precisar.

–Ei! Não seja tão metido! -protestei e a risada dele aumentou. -Não entendo muito de futebol, mas sei que num jogo tudo pode acontecer!

–Vamos fazer uma oposta?

–Como assim?

–Uma oposta, ué. - ele balançou os ombros, mas seus olhos não pareciam tão indiferentes. Ele estava planejando algo. - Se nós perdemos, eu não só te peço desculpas por ser um idiota metido a besta, como te devo uma.

–Me deve uma? -repeti sem entender. Ele estava perto demais, isso fazia meus pobres neurônios que já eram meio lerdinhos, andarem numa hiper câmera lenta.

–Faço qualquer coisa que você quiser. - o garoto riu antes de completar - mas não vai achando que vai me escravizar pra vida inteira. É um pedido só.

Reparei a proposta na minha cabeça. Não precisava ser um gênio para concluir o contraponto da aposta. E a auto confiança dele era tão grande, que fazia tudo parece meio injusto.

–Mas se a gente ganhar...

– Com três gols de diferença!- completei e ele ergueu uma sobrancelha- Não era você, o cara "não-preciso-de-sorte-pois-sou-o-rei-do-futebol?"

–Nunca disse que era rei...

–Você entendeu o que eu quis dizer!

–Tudo bem, eu aceito.- ele se rendeu fácil demais e eu comecei a me arrepender de não ter dito 5 ao invés de 3. - Se ganharmos nos seus termos, você vai me dever uma. Fechado?

Ele estendeu a mão e eu olhei receosa. Nunca quebrei minhas promessas, então se ganhássemos teria de fazer o que quer que ele me pedisse. Por um instante, me imaginei como Ariel, do filme A Pequena Sereia, assinando o contrato com Ursula, a bruxa do mar, em troca de pernas. Se não conseguisse beijar o príncipe em três dias, sua alma seria capturada, e plantada no jardim da frente da sua caverna. Tive que balançar a cabeça, para afastar os medos bobos da cabeça. Aquilo não era Disney, eu não era sereia nenhuma, e muito menos Eriol era um demônio à espreita esperando para roubar minha alma. No máximo, ele me pediria para terminar todos os trabalhos de casa dele acumulados no decorrer do ano. Apertei a mão de volta, num aceno firme.

–Fechado.

Ele riu, e antes que o treinador desse um ataque ele voltou para o campo.
Sentei na arquibancada e Ayumi me estendeu um copo de refrigerante. Olhei para a garota confusa. Não tinha visto ela comprar nada.

"Quanto tempo será que eu fiquei conversando com Eriol?"- pensei tomando um gole do canudinho da minha amiga.

A partida não demorou muito para começar, e inicialmente não vi o porque de Eriol estar tão confiante. O jogo parecia equilibrado, os Hollows corriam muito, e várias vezes conseguiram roubar a bola. Até que a arquibancada oposta cheia de pessoas vestindo vermelho e amarelo pularam alegres. Gol... Dos Hollows. Olhei em volta e ninguém da minha escola parecia nervoso ou chateado. Pelo contrário, inclinavam-se para frente entusiasmados. Como se algo bom tivesse acontecido.

–A gente acabou de tomar um gol, porque tá todo mundo empolgado?- perguntei para Ayumi que assim como os outros olhava para frente sem piscar.

– É a tática secreta dos Shinigamis. Eles sempre deixam o adversário marcar primeiro, para estudar suas defesas e ataques. E quando eles ainda estão confiantes com o primeiro gol fácil, o time se junta e ataca rapidamente sem deixá-los ter tempo de reagir.

Ayumi estava certa. Os Shinigamis antes espalhados pelo campo, se juntaram num bloco atacando tão rápido, que os Hollows não tiveram tempo de processar a brusca mudança de comportamento. Foi um massacre. Se tivessem jogado espadas e lanças no campo jogo teria sido bem menos sangrento e humilhante. Os Shinigamis eram assustadoramente bons, mesmo uma leiga como eu conseguia ver isso. E de todos os jogadores, dois brilhavam com inquestionável talento. Yusuke, o mesmo goleiro que tinha deixado a primeira bola tocar nas redes tão facilmente, se tornou uma verdadeira muralha. A bola não chegava nem a sonhar entrar na área, pois Yusuke estava dois passos à frente sempre no lugar certo e na hora certa.

E também tinha o capitão do time. Eriol era um raio. Senão fosse o seu chamativo cabelo ruivo brilhando no sol, eu não conseguiria acompanhá-lo com os olhos. Ele corria como se fosse sua segunda natureza, enquanto os outro jogadores literalmente suavam a camisa para alcançá-lo, ele ainda tinha fôlego para sorrir e acenar para mim entre um gol e outro. E foram muitos. Os Shinigamis venceram os Hollows por impressionantes 7x1.

Todos se abraçavam e cantavam o hino do time com uma paixão que parecia que tínhamos ganhado a copa do mundo contra a melhor seleção em toda história, e não vencido um simples campeonato estudantil. Eu, que só conhecia dois dos jogadores, e nem fazia ideia que tínhamos um hino pro time, fiquei na minha pulando e rindo com a Ayumi. Diferente de mim, a garota cantava certinho, e eu fiquei me perguntando se ela assistia futebol só por causa dos garotos como ela tinha me dito, ou se ela realmente gostava. Vai ver tinha até um álbum de figurinhas dos craques escondido debaixo da cama.

Os organizadores chegaram pra começar a premiação, e foi impossível continuar imaginando os prováveis segredos obscuros da minha melhor amiga. A arquibancada inteira se espremia na beira do campo, lugar em que eu me encontrava antes mesmo de toda animação. Achei que não dava pra piorar, mas quando entregaram o troféu nas mãos de Eriol, descobri que era possível. Primeiro porque a galera estava tão feliz, começou a entrar no campo para celebrar com o time. Subi em cima da mureta, me segurando numa bandeira de aparência frágil para não ser levada pela maré de gente. Carregavam os jogadores nos ombros, e nem o treinador pode escapar dessa. Tive que rir do pobre homem, sendo jogado pra cima contra sua vontade. Seus óculos escuros caíram e pude comprovar que apesar de sua boca formar uma linha fina de indiferença, seus olhos denunciavam que ele estava apavorado, quase ao ponto de chorar.

Mas uma mão segurou meu braço, tirando minha atenção do professor. Eriol tinha entregue o troféu para Yusuke, e estava de pé na mureta ao meu lado.

–Então, onde paramos? - ele sorriu colocando um dos braços na minha cintura.

–Onde eu dizia que você era um idiota metido a besta?-ele riu e eu tive que me render dessa vez- Okay, talvez vocês não precisassem mesmo do meu boa sorte...

–Com certeza, não. Mas...- ele levantou meu queixo com os dedos-... Eu preciso de outra coisa sua.

Senti meu rosto queimar de vergonha, quando ele me beijou na frente de todo mundo. Mas apesar do constrangimento, não protestei. Tinha feito uma promessa e não voltaria atrás. Estaria mentindo se dissesse mesmo que pra mim mesma, que encarava aquele beijo apenas como uma obrigação. Os braços firmes de Eriol na minha cintura, era agradável. E mesmo seus lábios bizaramente quentes eram macios e carinhosos. Era fácil me acostumar com o calor, e relaxar. Quando nos separamos, antes mesmo que abrisses os olhos, ouvi o grito da galera num "aaaeeeee" em conjunto com assobios e palmas. Eu não sabia onde enfiar o rosto de tanta vergonha, o pessoal comemorava como se fosse o oitavo gol dos Shinigamis. Enterrei meu rosto no peito de Eriol, e ainda me abraçando protetoramente, mandou o pessoal parar com a zoeira. Mas não era a voz de Eriol que falou "silêncio".

Abri os olhos confusa. Conseguia sentir uma parede gelada nas minhas costas, e a grama embaixo de minhas pernas dobradas. Na minha frente, no lugar da camisa listrada suada e colada ao peitoral atlético de Eriol, pouco podia ver além de uma cortina de cabelos negros. O jovem garoto permaneceu com o rosto virado, me abraçando firmemente com um dos braços enquanto o outro permanecia esticado, como se quisesse esconder meu rosto. Novamente eu senti aquele cheiro familiar. Aquele perfume com notas aquáticas, natural e sem comparações. Estava tão perto quando desejara, o cheiro era ainda mais inebriante. Não precisava saber como tinha ido parar ali, não precisava entender o porquê de me sentir tão pequena como uma criança, e muito menos temia o que quer que fosse que o garoto tentava me proteger. Eu só precisava ficar ali, e apaziguar aquele buraco que eu sentia queimar no meu peito.

Saudades.

Sentia saudades de um perfume que eu nunca senti. Sentia falta de um abraço que nem me lembrava de ter existido. E principalmente, sentia saudades de um rosto que nunca tinha visto. O rosto que assombrava meus sonhos, a voz que acalentava meus medos.
A pessoa que eu mais procurei sem saber estava a milímetros de mim naquele instante. Eu precisava vê-lo. Era uma necessidade mais urgente que respirar, do que lembrar meu coração de continuar batendo. Eu precisava ver seu rosto.

Uma palavra. Bastava uma palavra e ele viraria em minha direção.

Mas por mais que minha cabeça gritasse o mais alto que podia, meus lábios estavam irremediavelmente parados. Quase que colados um no outro. O garoto se levantou ainda sem se virar, e eu quase chorei de frustração.

–Já sabem que estão aqui.- ele falou preocupado. Mas sua voz parecia música ao meus ouvidos. Outra onda de saudades me invadiu sem pedir licença.

–Chihiro! - mãos firmes sacudiram meus ombros com força, me obrigando a voltar para realidade.

Abri os olhos, e encontrei os de Eriol brilhando preocupados acima de mim. Quase desapontada, vi que estava deitada na mureta. Eriol estava abaixado ao meu lado, junto com Ayumi.

–O que houve?- perguntei confusa ao ver o cenário tão diferente. Não tinha ninguém em cima da gente, com seus assobios e palmas.

–Você apagou nos meus braços, do nada. - Eriol explicou seus lábios formando uma linha fina de preocupação.- Desculpa se eu te sacudi forte demais... Eu... Fiquei nervoso. Nunca vi ninguém desmaiar antes.

–Isso costuma acontecer com frequência com a Chihiro-chan.-Ayumi respondeu por mim, mas ela também parecia preocupada. -Ela tem pressão baixa, e acaba desmaiando.

Na verdade, essa era uma desculpa que minha mãe dava para justificar minhas crises. Cheguei a desmaiar várias vezes no colégio. E como acontecia quando eu dormia, acordava chorando e desesperada. Ayumi não parecia acreditar na história da minha mãe. E apesar de passar a diante a mesma informação que ouviu, sempre me olhava indagando em silêncio o que realmente estava acontecendo. Mas como a amiga maravilhosa que era, ela nunca forçou a barra sobre esse e nenhum outro assunto. Esfreguei as costas da mão na testa, tentando me livrar do pegajoso suor frio. Queria chorar, mas não faria isso na frente do Eriol.

Estava me sentindo tão perdida. Apesar da mureta gelada sob minhas costas assegurar que a gravidade ainda funcionava normalmente, me sentia presa num vácuo. O chão desapareceu sob meus pés e eu não afundava nem subia. Estava numa corda bamba, mal conseguindo me manter de pé e ainda assim tinha que escolher qual dos lados seguir. Poderia rir, se me lembrasse da minha confusão no começo do dia. Tinha sofrido ao colocar Eriol e Zeniba como pesos opostos em uma balança, quando algo ainda muito mais complexo estava diante de mim. Eriol continuava onde sempre esteve, sorrindo confiante aquecendo como o sol tudo à sua volta. E do outro lado, encoberto pelas sombras das minhas estranhas visões estava o jovem de cabelos negros, com uma das mãos sobrenaturalmente pálidas estendida para mim.Um convite silencioso, ainda mais tentador que qualquer pedido direto. Como o dia e a noite, os verdadeiros opostos olhavam fixamente em minha direção. Esperando ansiosos pelo meu próximo e definitivo passo.


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Notas finais do capítulo

Entãooooo, gostaram? *_*
Foi feito com amor, galera.
Falando em amor, fiz uma one-shot de presente para vocês pelo dia das crianças. (Etambémcomopedidodedesculpaspelos4anosdeesperadessafic)
Se chama "A princesinha e o Dragão"

Beijos e borboletas azuis!



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