Sem Ensaios para a Vida escrita por Lara Boger


Capítulo 21
Expectativa?


Notas iniciais do capítulo

É, sei que tem tempo que não atualizo. E ninguém lê mesmo. Estou continuando esse projeto por mim mesma. Mas, se houver a remota possibilidade de alguém ler, por favor, reviews fazem bem.



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O que era um simples passeio acabou durando algum tempo a mais, e quando voltaram para a academia já era fim de tarde. O sol estava quase se pondo. Quando Kat chegou ao alojamento encontrou uma Jenny ansiosa, estalando os dedos. Um hábito irritante que ela estava tentando abandonar.

 

- Kat? Puxa, Kat! Que demora!

 

- Ei? Por que está tão preocupada!? Eu deixei um bilhete! Por acaso não leu?

 

- Claro que eu li. – apontou para o bloquinho de papel colorido onde a amiga rabiscara um bilhete qualquer horas antes – Mas sair com o Nash já é motivo bastante pra me deixar desesperada!

 

Uma brincadeira, mas que tinha um fundo de verdade, pelo menos para Jenny que ainda tinha em mente que Oliver Nash não era uma pessoa exatamente legal. Por isso estranhou a leveza na expressão da colega.

 

- Tá, mas e aí? Como foi? Ele te fez alguma coisa?

 

- Como assim? Por que ele me faria alguma coisa?

 

- Um dia desses você voltou pra cá que nem um furacão por causa de uma grosseria desse cara. Que tal por isso?

 

- É, mas isso já passou.

 

- Tá, tá entendi o recado. – fez uma pausa tentando parecer conciliadora. – E pra onde vocês foram que só chegaram agora?

 

- Pro parque.

 

- Parque? – repetiu, duvidando. “Será que foi isso mesmo?” – Ele não me parece o tipo de pessoa que goste de verde.

 

- Nash não fez nenhuma reclamação. – despistou.

 

- Ah... então quer dizer que ele foi educado dessa vez.

 

- Bem ,se ele não tivesse sido educado eu com certeza teria voltado pra cá mais cedo.  – foi até uma das gavetas do gaveteiro pegar algumas roupas. – Ele achou minha bolsa no salão e veio entregar. Disse que minha cara não estava nada boa e me chamou pra dar uma volta. Foi só isso.

 

- Ah, sim... entendi. Mas e aí? Como foi a conversa? Quer dizer, o monólogo. – perguntou, referindo-se ao fato de aparentemente Nash falar pouco.

 

- Não foi um monólogo. Conseguimos travar um diálogo. Ele não é mudo, como nós chegamos a pensar.

 

- Sério? Uau! Quer dizer que o gato não comeu a língua dele? Que progresso!

 

- E mais! Ele tem repertório suficiente para uma conversa por um tempo considerável.

 

- Hum, e quanto tempo seria isso? Dois minutos?

 

Kat riu com aquela pergunta, olhando-a de forma inquisidora. Jenny sabia muito bem ser ferina e por mais que isso pudesse irritá-la, de vez em quando, na maior parte do tempo era divertido.

 

- Minhas expectativas a respeito dele não são tão altas, querida. Em se tratando de Nash, pra mim, dois minutos já é um tempo considerável.

 

- Não. Mais tempo, Jenny.

 

- Dois minutos e meio?

 

- Que tal se eu lhe disesse “mais que cinco minutos”?

 

- Cinco minutos e um segundo?

 

Kat riu, agora abertamente. Jenny gostou de ver isso: há muito tempo que não via a amiga parecendo feliz, ou simplesmente com o humor leve. Não conseguia acreditar que isso pudesse acontecer logo depois de um tempo com Nash, mas estava pronta a admitir.

 

Não houve mais palavras. Ela simplesmente deu uma piscadela, como quem diz “é segredo”, e entrou no banheiro. Restou a Jenny a alternativa mais divertida, mas não exatamente sadia de responder a pergunta... ao menos não sadia para a sanidade mental da amiga: sua fértil imaginação.

 

xx-xx-xx

 

 

Na manhã seguinte, o dia não prometia exatamente ser muito. Na realidade, não prometia mais que grandes possibilidades de aborrecimento, orquestradas pela ilustre madame Dechamps.

 

Irônica? Não, Kat estava sendo realista em seus pensamento. Mas, o fato novo era essa  realidade não lhe fazer mal, pelo menos não naquela hora. Não sabia bem o que era, mas tinha leveza suficiente para esquecer do que não era exatamente um mero detalhe.

 

Seguindo um ritual que costumava fazer desde o primeiro dia ali, não parou para conversar, como faziam as outras meninas. Encaminhou-se para as barras, iniciando um alongamento suave, apenas para não ter de ficar parada, pensando. Não queria perder essa leveza... aquilo era o melhor que poderia ter numa manhã como aquelas: com tudo para ser péssima. E o mais importante: não podia perder tempo. Não podia brincar. Kat sabia que não podia se dar ao luxo de ficar parada, quando havia alunos que com apenas um movimento podiam humilhá-la. E ainda lhe parecia mais digno resistir lutando.

 

Okay, a luta era inútil, mas ainda assim era bem mais digno. Não queria desistir e ir embora. O peso de uma desistência era demais para os seus ombros. A vida era injusta, e sempre seria. Coisas ruins aconteciam, e querer nem sempre era poder. Não morreria por isso... mas apenas não podia ceder. Sentia que, por mais inútil que fosse aquilo, não podia desistir. Não podia ser covarde.

 

A vida não funcionava para os covardes. Era um fato. E a sua vida não podia ficar parada no tempo. Seu tempo como em Alameda dos Anjos, como ranger rosa, e perto de Tommy terminara. Precisava continuar. Seguir em frente.

 

Pena que a realidade não era tão bela quanto o discurso inflamado dos livros de auto ajuda...

 

Suspirou, tentando esquecer desses problemas, ao menos momentaneamente. Dechamps acabara de chegar. Da parte da jovem senhora, apenas olhares frios, típicos dos seus olhos claros e de seus ares de dama européia.

 

Pouco lhe interessou os olhares frios de sua professora. Ao menos naquele momento os de Kat eram indiferentes, preferindo ainda o estado de simplicidade em que se encontrava. Não deu grande atenção ao que, pelo menos algumas horas antes poderiam fazê-la sentir medo, ou constrangimento. E esta sensação era boa demais para ser desperdiçada.

 

Participou da aula normalmente, realizando toda a coreografia, repetindo tudo o que fosse necessário, de acordo com sua professora, sem fazer qualquer reclamação, ou mostrar qualquer forma de descontentamento em seu rosto. Na verdade, ninguém naquela sala ouviu a voz da jovem naquela aula, algo que causou estranheza para os presentes. Não que Katherine fosse alguém que costumasse falar muito... mas aquele silêncio, depois do que acontecera na aula anterior?

 

- Kat? Está tudo bem? – perguntou Jenny, preocupada.

 

- Tudo bem. Por que a pergunta?

 

- Você não disse uma palavra durante a aula.

 

- E o que queria que eu dissesse? Eu não tinha nada a dizer, Jen. A mulher me odeia... e falar no meio da aula dela não é um ato muito prudente. Só não preciso despertar a alemã gélida que existe dentro da Dechamps.

 

- Ei? Estou ouvindo direito? Katherine Hillard, o exemplo de decência e perfeição dessa academia falando mal de uma professora? Justamente a diva desse mausoléu?

 

- Estou sentindo um tom de ironia no ar ou é impressão minha?

 

- Imagine, cara amiga. – riu, apreciando o humor momentâneo da amiga mas sem saber muito bem o que fazer. Nunca a vira desse jeito. Já estava acostumada com a melancolia e com o conformismo de Kat, por mais que a irritasse, mas aquela leveza era algo novo. – E então? O que aconteceu nessas poucas horas em que te perdi de vista?

 

- Você ainda não desgrudou de mim hoje. – disse, enquanto tomavam o caminho de outro corredor, indo para o refeitório.

 

- E nem pretendo, porque sei que se eu sair de perto, você não vai comer nada, e conseqüentemente vai despencar na próxima aula. – virou-se para olhar a amiga e descobriu-se sendo o alvo de olhares quase raivosos – Ei! Não me olhe assim. Só estou falando a verdade.

 

- Nem a minha mãe fica tão atrás de mim quanto você, Hunter.

 

- Se ela imaginasse o que está acontecendo, com certeza agiria como eu.

 

- E o que está acontecendo? Não está acontecendo nada. – perguntou, como se não soubesse do que ela estava falando.

 

- Okay, já que não sabe, eu vou refrescar a sua memória: você não come, não sai, não se diverte. Ensaia quase o dia todo. Volta e meia está caindo pelos corredores. Está com uma dor de cotovelo incrível...!

 

- Chega, não preciso ficar ouvindo alguém desfiando o rosário da minha vida.

 

- Distúrbios alimentares, depressão.  

 

- Está exagerando, como sempre.

 

- Quem dera se eu estivesse. Se continuar desse jeito vai acabar enlouquecendo. Não é muito difícil enlouquecer se ficar aqui. - chegaram ao refeitório, onde pegaram a bandeja  e começaram a se servir. - Quer dizer, ou você enlouquece, ou sai daqui que nem uma  criança flagelada africana. - falou, observando o prato de sua amiga, que fez uma cara feia ao ouvir o comentário.

 

- Hunter, só estou tentando seguir o conselho que você mesma me deu.

 

- Eu não me lembro de ter de dito alguma coisa sobre qualquer assunto! Muito menos ter de dado conselhos!

 

- Você me dá conselhos todo o tempo.

 

- Eu lhe dizia para ser superior, e não para ser indiferente, Kat! Não dá pra ser indiferente a isso!

 

- E não sou! Queria muito ser, mas não sou!

 

- Indiferente ou superior?

 

- As duas coisas. – suspirou Kat, abaixando a cabeça e olhando para o seu prato. – Acho que eu perdi a fome.

 

- Ah, não! Nem pense nisso! Não vai deixar de comer por causa disso!

 

- Tem alguém por aqui treinando para ser faquir? – perguntou uma voz masculina, interrompendo a discreta e estranha discussão entre as duas amigas.

 

- Gabriel? Que bom que você chegou! – exclamou Jenny – Dá pra convencer essa garota de que ela não é uma planta e por isso não pode fazer fotossíntese e viver de luz?

 

- Oi, Gabriel. – Kat disse, ignorando a piada de mau gosto de sua amiga. – Como vai?

 

- Tudo bem e você?

 

- Estou ótima.

 

- Isso é bom. – ele comentou, sorrindo.

 

Havia uma chance de Gabriel perguntar se ela tinha certeza daquela resposta e coisas assim, mas decidiu ignorá-las. A jovem loira sorriu discretamente em agradecimento.

 

- Eu também estou ótima, obrigada por perguntar. – interrompeu Jenny, num tom falsamente ofendido. – Já que está aqui, quer por favor, me ajudar com isso? Olha o prato dessa garota!

 

Gabriel olhou para o prato de Kat. Realmente Jenny tinha razões para se preocupar, mas bastou olhar para o rosto da garota para saber que uma discussão desse tipo não ajudaria muito.

 

- Se não está com fome, é melhor que não coma.

 

- Gabriel: você não está ajudando.

 

- Deveria ter pensado nisso antes de ter me chamado.

 

- Quer saber? Fiquem aí com esse treinamento para monges. Eu vou é viver! – ela exclamou, afastando-se dos dois.

 

- Acho que eu a deixei irritada. – ele comentou, parecendo constrangido.

 

- Não é com você. É comigo, não se preocupe. Logo ela se recupera do baque. – riu, observando-o – Obrigada por não ter me forçado a comer.

 

- Disponha. Vocês estavam discutindo?

 

- Nada, apenas o de sempre. Jenny preocupada comigo, e eu dizendo que não tem motivos pra isso.

 

- Discussão antiga?

 

- Isso aí. A novela de sempre. Nem esquento mais a cabeça com isso. Imagino como vai ser quando ela tiver filhos. – deu uma risadinha muxoxa – Eu me sinto uma criança grande quando estamos juntas.

 

Ela olhou para o lado, e descobriu Gabriel rindo, parecendo achar graça daquela situação. Não soube refletir em saber se havia gostado da reação dele, pois foi como se um alarme soasse. E bastou isso para que ela voltasse a se retrair.

 

- Desculpe, Gabriel. Eu fico aqui falando dos meus problemas e nem te dou atenção.

 

- Qual é, não esquenta. Nós não estamos falando sobre nada muito raro mesmo. Quem nunca teve um amigo desses?

 

- Já teve um amigo desses, então?

 

- Claro, não é exclusividade sua. Mas isso aconteceu comigo quando estava em casa mesmo. Um daqueles amigos de infância... mas aí já tínhamos afinidade. Nem podíamos reclamar porque era recíproco. E, antes que pergunte, nós éramos insuportáveis. Só que aqui não tenho ninguém que faça isso.

 

- E isso te agrada?

 

- Tenho liberdade. Não posso reclamar disso. E de qualquer modo, acho que essa academia não é o melhor lugar pra se fazer amizade.

 

- Uau... você não é o primeiro que eu ouço falar isso.

 

- E quem mais falou?

 

- Eu falei... ontem, conversando com alguém.

 

- Pois é. E é verdade. Todo mundo fica tão centrado no próprio umbigo que esquecem que há pessoas em volta.

 

- Estamos falando em sonhos aqui, Gabriel. Não dá pra deixar esse foco de lado. Se a gente pisca e vacila, já vai ter outro pra tomar o nosso lugar.

 

- Você tem um sonho, mas também tem amigos aqui.

 

- Não sou um exemplo a ser seguido. Sou a última pessoa a quem você poderia tomar como exemplo.

 

- Ainda se menosprezando?

 

- Apenas um pouco de realidade. Aliás, estamos indo pra um assunto perigoso.

 

- Quer mudar de assunto?

 

- Se não se importar...

 

- Não tem problema.

 

Enquanto conversavam, os passos os guiavam para um pátio. Uma área que se assemelhava a uma pequena pracinha, mas pouco convidativa aos olhos dos dois. Muito cinza, pouca cor. Mas ao menos para uma pequena conversa e um descanso rápido ainda servia.

 

E a conversa prosseguia, com assuntos diferentes, quase amenidades, mas ainda assim divertidas até Kat ver alguém lhe acenar, a uma distância média. Era Nash.

 

Educadamente, ela respondeu o aceno, sem interromper o assunto e achando que aquele encontro se daria por encerrado ali mesmo, afinal o tempo de almoço não era tão longo quando se tinha um refeitório cheio, mas não foi o caso. O rapaz ruivo foi até os dois, surpreendendo a ambos com a atitude.

 

- Olá, com licença. – pediu ele, a interrompê-los. – Como você está?

 

- Estou bem, Nash.

 

- Não teve mais nenhum problema?

 

- Não, absolutamente.

 

- Desculpa ter interrompido, mas eu tentei te fazer essa pergunta de manhã, só que não te encontrei antes.

 

Kat apenas meneou a cabeça em resposta, tendo como resposta um olhar calmo de seu partner.

 

- Bem... então já vou indo. – ele disse, parecendo sem jeito por ver que ela não estava sozinha. – Te vejo amanhã.

 

- Até mais. – a garota despediu-se, vendo-o se afastar e despedindo-se com um gesto.

 

Pouco depois disso, pôde voltar sua atenção a Gabriel, que mantinha um olhar divertido sobre aquele que acabara de se afastar.

 

- O que foi? – perguntou ao moreno, que começara a rir. Uma risada baixa, mas a ela, perfeitamente audível. – Qual o motivo da riso?

 

- É que.. ele fala!

 

- Pelo que eu sei, ele não é mudo. Eu já tinha dito isso.

 

- Uma coisa é saber, outra é presenciar. Esse cara nem abre a boca durante a aula.

 

- Ele nunca falou?

 

- Resmungos podem ser considerados como falas?

 

- São formas primitivas de comunicação.

 

- Quando ele resmunga, não tem a intenção de se comunicar. – riu, fazendo com que Kat risse também – Milagres existem! – levantou as mãos para o céu, num gesto quase teatral. – Aliás, como ele ficou sabendo que você passou mal?

 

- Ele foi entregar a minha bolsa no alojamento. Eu corri com tanta pressa pra chegar ao banheiro que acabei esquecendo no salão. Eu devia estar com uma cara péssima porque logo me perguntou se eu tava bem... e me chamou pra dar uma volta.

 

- Conversaram? Quer dizer, houve alguma forma de comunicação mais sofisticada que resmungos?

 

-  Ele não é mudo. E conversa comigo. Não é tão anti-social como todo mundo pensa.

 

- Não dá pra ter outra impressão dele, Kat. Ele não fala com ninguém durante a aula. Não estou exagerando. Já com você é diferente. Não só fala, como se preocupa. Sua presença está causando milagres por aqui.

 

Ambos riram, mas houve algo diferente com aquela frase. O riso de Gabriel escondia uma dose de sarcasmo, muito leve, quase imperceptível, mas que o incomodou. Uma dose de ciúmes de sua amiga... ou de quem esperava que pudesse ser mais que isso.

 

Já da parte de Kat, um desconcerto. De certa forma, Gabriel tinha razão. Era um milagre... e de qualquer forma, estava começando a acreditar que Nash realmente parecia humano, ele se preocupava com alguém. Agora, realmente sua maior surpresa era se dar conta que Oliver Nash estava se preocupando com “as sobras” como já ouvira antes, da boca de seu partner.

 

E ser a possível desencadeadora dessas mudanças lhe pareceu ser um peso grande demais, mesmo que naquele momento fosse apenas um gracejo de um amigo. Aquilo significava mais uma grande expectativa sobre seus ombros, mesmo que fosse uma piada sem grandes intenções.

 

 

 

 

ooOOoo

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Reviews fazem bem, e eu agradeço se recebesse alguma. Mas, caso não, tudo bem também...



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