O Melindre de Um Condômino escrita por SlipperySanity


Capítulo 1
Chapterlette


Notas iniciais do capítulo

Eu não apoio de forma alguma o uso de drogas — lícitas ou ilícitas. O personagem fuma somente por uma caracterização necessária e espero que compreendam. Tentei fazer aqui o resumo de uma vida tediosa que Grimmjow, o protagonista do texto, certamente odiaria. Comentem, por favor.



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O MELINDRE DE UM CONDÔMINO

Slippery Sanity

Depositou a cinza do cigarro com batidas leves na base do cinzeiro e o barulho oco cessou. Era o homem da eletrônica, tinha certeza. Viera-lhe cobrar o conserto que fizera em seu microondas. O desgosto carregou-se quando descobriu que o problema estava na tomada: os fios desgastados, abertos. Havia de juntá-los, mas o velho apenas dissera que estava feito e cobrara uma nota. Valia mais a pena comprar um aparelho novo!

    Mas ele não era miserável. Pagaria — isto é, quando tivesse o dinheiro. E isso seria na semana seguinte. Levantou-se, sacudindo as pernas para o gato grisalho acordar e levando as cinzas para a lixeira forrada com saco plástico. Já estava na borda, deveria trocar; decidiu-se por fazê-lo depois.

    Agora não era hora.

    Ele foi até a pequena sacada e observou os transeuntes que percorriam a avenida. Do quarto andar conseguia ver tanta coisa. Imaginava como seria morar no terraço. Tragou o cigarro, o esmagou no muro e jogou às traças para baixo. Queria acertar o cobrador: ele saía agora do prédio, as mãos abanando. Mas caiu em um vaso que adornava a portaria.

    Triste, pensou. Tentaria mais vezes posteriormente. Ele balançou a cabeça em concordância consigo mesmo e rumou ao quarto, almejando o cabideiro cheio de mofo que ficava ao lado da cama. Tirou-lhe uma casaca, vestiu-a e checou a gola no espelho fendido. Estava bom; ele esperava que estivesse, ao menos.

    O despertador apitou e ele o desligou com um tapa. Um sorriso satisfeito e certo, tudo reinava ótimo: ele e a casa. Precisava de algo para comer, pois. Estagnara na fome. Partiu à cozinha apertada e juntou o leite e o cereal. Foi com a boca cheia que ele deu atenção ao relógio: já eram oito horas.

    Grimmjow pegou o ônibus no ponto que ficava exatamente a uma quadra de seu condomínio. Não era estranho que uma velha se sentasse ao seu lado; elas olhavam, riam e arrumavam o cabelo amarelado. Ele ficaria envergonhado, não fosse pelo sorriso travesso. Era engraçado, qualquer um havia de concordar.

    Posto ao banco encanecido viu a velha deixar a bolsa cair em seu pé.

    — Oh, querido, me desculpe — ela disse.

    — Não foi nada — Grimmjow respondeu, alçando a bolsa e devolvendo-a. — Aqui.

    — Obrigada.

    O resto do caminho foi incólume; olhares desviados, sorrisos encontrados, ganidos curiosos e um barulho periódico de músicas sendo trocadas no aparelho mp3. Uma garoa fina pendeu do céu marfim — antes azul — e molhou as pessoas desprevenidas. Ele viu de relance duas crianças girando com as mãos atadas e sorriu junto a elas.

    Um solavanco e o ônibus parou. A celeuma começara; pessoas levantavam-se, revoltadas, iam reclamar com o motorista e voltavam com as faces cobertas de vermelho. Estava quebrado. Ele nem quis perguntar. Simplesmente desceu do ônibus.

    — Ei, rapaz! Não vai pagar? — o homem no volante gritou.

    — Pagar pelo quê? — respondeu. — O serviço incompleto? Não brinca.

    E saiu andando. Grimmjow não tinha tempo para estas coisas e já estava mesmo perto de seu trabalho. Chegou ao prédio, cumprimentou o porteiro e adentrou pela porta de vidro. Em dias quentes o ar condicionado era indispensável, mas agora o incomodava. Excessivamente frio. Apertando o casaco contra si, ele chamou o elevador.

    Quando a porta abriu-se, um rapaz de cabelos louro-ruivos o olhava com um sorriso malicioso. Ingressou e a porta fechou-se rapidamente, logo após ter acionado o botão de seu departamento.

    — Então, Grimmjow, como vai o trabalho? — o rapaz disse casualmente.

    — Muito pior que o seu, tenha certeza — ele bateu os pés no chão, olhando o relógio.

    — Você me subestima — Ichigo, o garoto, reclamou. — Acha que é fácil ficar bolando propagandas?   

    — É mais o contrário; adoraria trabalhar no seu lugar — Grimmjow sorriu. — Seria melhor do que estudar para escrever desgraças diariamente num jornal falido.

    Eles se entreolharam, gargalhando.

    — Se Pemberton ouvi-lo falando assim... — Ichigo comentou.

    — Espero que você não conte, então.

    O elevador parou.

    — Oh, não — Grimmjow disse. — Não, não esse clichê estúpido.

    — O quê?

    Ichigo encostou-se à parede.

    — Ficar preso no elevador. Realmente? Algum ser superior me odeia.

    Ele olhou com raiva e arreganhou os dentes para o teto do ascensor e uma voz gritou, abafada pelo cubículo de metal:

    — Já vamos tirá-los daí! Aquele idiota do James, ah, eu disse para ele!

    Grimmjow tirou um maço de cigarros do bolso, extraiu um e o acendeu. Ignorou o panfleto que dizia “proibido fumar”, com um círculo vermelho razoavelmente notável, e deu uma boa tragada no elemento, seguido de um suspiro. Não ficaria nervoso.

    Ichigo curvou os lábios, olhando o para o outro de esguelha. Tirou o celular do bolso e digitou uma mensagem para Rukia. Um simples “é, parece que vou demorar”. Seu turno acabava quando Grimmjow entrava no edifício. Ele era da madrugada; oras, eles pagavam mais. Ele não tinha uma família para se preocupar. Isshin que o desculpasse, aquele velho louco.

    — Bom — Grimmjow começou, indo até o outro sugestivamente —, já que vamos ficar aqui...

    Era um passatempo: não na empresa, obviamente, mas desde que começaram a esbarrar-se por corredores os olhares foram transformados em ações; de encontros casuais para simples sexo. Ichigo, no entanto, não sabia como lidar com a situação. Grimmjow sempre tinha a iniciativa. Ele não tinha medo, afinal, o outro era apenas um pouco mais velho que ele próprio. E muito bonito. Era tudo.

    Grimmjow circundou a cintura do outro com os braços e o fez apoiar o joelho no seu. Eles analisaram-se mais uma vez e partiram para um beijo feroz. Quando partiriam para as sugadas de pescoço, a mesma voz disse do alto, novamente:

    — Já estamos alçando!

    Grimmjow bufou, batendo as mãos pela casaca. Ele arrumou os cabelos desarrumados e deu um tapa no lombo do outro, apertando o cigarro há muito apagado. A porta do elevador abriu-se após infindáveis barulhos, revelando um avulso de pessoas. Grimmjow saiu, colocando um dedo na têmpora e depois apontando para Ichigo:

    — Nos vemos, garoto.

    E subiu as escadas.

    Certo, aquilo fora inconveniente. Quando o lance de degraus acabou e ele entrou em sua sala — compartilhada com muitas pessoas — Ulquiorra, editor-chefe, o cumprimentou com um aceno de cabeça. Ele não era de falar muito. Grimmjow tinha a impressão de que ele dormia num caixão.

    Sentou-se em sua mesa e ligou o monitor. As notícias já tinham sido passadas pelo departamento de informações: garoto é espancado em tal rua, idosa suspeita de tráfico, empresário morre, jogador de futebol sofre contusão. Eram coisas assim que o público queria saber, e ele não questionava a idiotice alheia. Era seu ganha-pão. Simples. O trabalho era passar todo aquele lixo para o site e, talvez, se pegasse uma notícia realmente interessante, para a edição impressa.

    — Eu já fiz a coluna do futebol, pode deixar — disse Luppi, um dos seus colegas.

    Ele apertou o olhar e piscou. Grimmjow levantou as sobrancelhas. Luppi não era, nem de longe, tão atraente quanto Ichigo. Ele não gostava dele, realmente, mesmo que não tivesse motivos. Às vezes imaginava que o garoto se jogava muito para cima dele.

    — Certo, então — respondeu. — Obrigado.

    Ele deixou o programa executando no computador e levantou-se para usar a máquina de café.

    Assim foi sua manhã e sua tarde: interpelando Luppi, desviando de mãos bobas, digitando o caos e tomando muito, muito café.

    Quando saiu do prédio o elevador já estava consertado, mas preferiu usar as escadas. Ele as desceu rapidamente, tamborilando os dedos pelo corrimão e pensando na vida. As ruas estavam molhadas da chuva, que parecia ter ficado forte. Uma rajada de cor escura já vinha cobrir o céu, fazendo o horizonte parecer um cenário lúgubre de lutas medievais. Podiam não estar na Terra Média, mas, absolutamente, havia luta por todos os cantos.

    Ao chegar em casa um bilhete estava na porta: “Amanhã quero o meu dinheiro.” Grimmjow achou muito rude. Ele nem escrevera seu nome. Como saberia que era o homem da eletrônica? É claro, ele sabia, era uma pessoa esperta. Mas se não fosse?

    Com suas convicções ele deitou na cama, ligou o notebook e ali passou o anoitecer até o sono bater em seus olhos.

    Então eles se fecharam e Grimmjow sonhou com as mais diversas desventuras. 


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