Era Uma Vez ... escrita por LittleMad


Capítulo 3
Capítulo 3 - O Príncipe que se transformou em Sapo




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                Virei-me no mesmo segundo que ouvi aquela voz, me deparando com a ultima pessoa que eu podia imaginar estar pagando minha conta naquele momento. — Foi quase como um choque. — Senti uma corrente elétrica percorrer todo o meu corpo, dos pés a cabeça, quando meus olhos encontraram os dele.


                Olhos verdes, profundos e... Assustadores. Dois orbes rodeados por fundas olheiras que, mesmo assim, continuavam lindos e perfeitamente compatíveis com o rosto fino e másculo. Davam a ele um estranho ar cansado, e ao mesmo tempo misterioso. Era como se emanassem um magnetismo invisível, que eu definitivamente não conseguia desfazer. — Meus olhos agora estavam hipnotizados pelos dele.


— E você é o que, namorado dela? — Ouvi a garçonete perguntar, em um tom desagradavelmente debochado. Mesmo sem estar vendo-a, pude adivinhar que ela lançava o mesmo olhar maldoso ao Príncipe.


                Sim, o mesmo príncipe que sentara ao meu lado dentro do ônibus. O mesmo lindo e maravilhoso homem que dormia serenamente há poucos minutos atrás, na desconfortável poltrona da carroça de ferro. — Ele mesmo, intimando a lombriga uniformizada e... Pagando a minha conta.

                Foi então que a ficha caiu. — E eu quase pude ouvir o tilintar de uma moedinha quicando dentro da minha cabeça oca. — Ele estava comprando os doces para mim, como se eu fosse uma pobre criancinha carente e abandonada no meio da estrada. Sem dinheiro, passando fome e babando por algumas guloseimas na vitrine, como um cachorrinho sarnento olhando, e apenas olhando, o frango girar dentro no forno da padaria de domingo.

                Meu orgulho tomou conta de toda a consciência que ainda me restava, e quase criou vida própria e saiu gritando e rosnando para o príncipe, como se quisesse espalhar para todos os que quisessem ouvir o melodrama que minha mente projetara naqueles poucos segundos de raciocínio. — No entanto, algo o interrompeu bem em cima da hora. — Sua voz grave e ainda mais ignorante do que a da garçonete voltara a soar.

— Se sou ou não, isso não te interessa. Agora embrulhe logo o pedido dela e... — Ele voltou-se para mim, com um sorriso quase imperceptível nos lábios. — Duas cervejas?

                Meu eu interior se explodiu em risos inaudíveis ao ouvir aquilo, e eu não pude deixar de retribuir o sorriso, de modo bobo e infantil. — Como um bebê rindo de uma palhaçada que o pai fazia. — Sem raciocinar direito, ainda envolvida pela beleza do Príncipe e esquecendo-me completamente do fato de estar sendo bancada por um completo estranho, balancei a cabeça positivamente, aceitando as cervejas sem questionar.

                E a garçonete finalmente se mexeu, exibindo uma expressão tão contorcida, que parecia ter centenas de limões enchendo sua boca torta. — De mau gosto, ela pegou os dois doces que eu havia pedido a pouco e os colocou em uma caixinha rosa e rendada, fechando-a com um laço da mesma cor. — Assim, saiu de trás do balcão e foi até uma grande e enferrujada geladeira.

                Fiquei olhando por algum tempo ela passar, percebendo agora o quanto aquela mulher era magricela e alta. Ela vestia um uniforme vermelho quadriculado, quase igual a um avental que a minha mãe usava em casa, quando ainda se dava ao trabalho de fazer a janta. — Suas canelas eram finas como perninhas de galinha, brancas e cheias de varizes. — Seu cabelo estava preso em um coque alto e mal feito, e sua bunda era um tanto quanto... Murcha.

                Ela não se demorou muito, e logo voltou com as duas garrafas de cerveja nas mãos, entregando uma a mim, e a outra, ao Príncipe.


                Senti uma estranha sensação naquele momento. — Meus dedos arderam, reclamando do gelado da garrafa que agora seguravam. — E aquilo fez a minha consciência finalmente voltar à tona, como quando despertamos de um sonho agradável. — Meu subconsciente deu um salto. Um grito. Uma pancada na minha cabeça. Soou como um despertador barulhento e irritante, me libertando daquele pequeno lapso de fantasia.

                Afinal, O QUE EU ESTAVA FAZENDO?!

                Aceitando bebida alcoólica, paga por um estranho, tirada de uma geladeira que, se me dissessem ser a origem do tétano, eu acreditaria, e ainda por cima vinda das mãos de uma mulher que mais parecia um cadáver ambulante do que uma garçonete. — E eu nem sequer havia bebido um simples energético em toda a vida, quem dera uma cerveja. — No que eu estava pensando?!  

                Eu coloquei imediatamente a garrafa gelada em cima do balcão, de modo mais rápido e assustado do que eu planejava. — Até parecia que eu estava tentando me livrar de algo contaminado. — E virei-me para o Príncipe, que agora estava a entregar uma nota alta para a garçonete.

— NÃO! Espere... — Eu disse quase em um grito, tentando chamar sua atenção antes que efetuasse o pagamento. Ele então virou os olhos, e apenas eles, para mim, me observando por cima do ombro, como se me perguntasse qual era o problema.

                A garçonete, no entanto, arrancou a nota da mão dele sem esperar que eu terminasse de falar. Logo, guardou-a no bolso da frente de seu avental esquisito, se retirando por uma porta aos fundos sem nada dizer, apenas sustentando aquela expressão desagradável.

                E eu fiquei lá, com cara de boba, olhando ela ir embora com o dinheiro. — Com o dinheiro, e com a minha dignidade.

                É, com a minha dignidade. Afinal, o que eu ia fazer agora? Eu não tinha como pagar o Príncipe... Estava completamente lisa. Muito menos queria aceitar os doces pagos por ele. — Aquilo seria demais para o meu orgulho suportar. — E mesmo se não fosse por isso, e ele continuando a ser um Príncipe, eu não podia ficar devendo a um estranho, seja lá pelo que fosse.

                Foi então que, enquanto eu travava uma luta interna, pensando se saia correndo dali ou não, ele voltou a falar. — Virou-se para mim, me obrigando a cruzar nossos olhares novamente.

— Qual o problema, baixinha?

— P-problema? — Perguntei, voltando a ficar abobalhada.

                Droga. Era impressionante como ele conseguia ser tão lindo e me deixar tão constrangida, só de pensar na possibilidade de xinga-lo até a alma por me chamar de baixinha. — Eu realmente odiava quando falavam assim comigo. — Mas fiquei pensando no porque disso acontecer, enquanto fitava-o. — Porque aquele estranho era tão atraente, mais do que qualquer outro que eu já vira na vida? Como ele podia ter uma voz tão graciosa, e um jeito tão... Descontraído, que era capaz de fazer com que todo o meu corpo ficasse tremulo e tenso? Como? Como?  

                NÃO! — Pensei imediatamente, quando aqueles pensamentos começaram a tomar conta da minha cabeça. — Eu não podia me deixar levar novamente. Tinha que resolver aquilo logo, afinal, meus 15 minutos de passeio já estavam prestes a acabar. — E a ultima coisa que eu queria era ficar presa naquele fim de mundo sem nada além das roupas do corpo. — Então eu ergui a cabeça, respirei fundo e voltei a falar, com o tom mais firme que consegui encontrar.


— Não precisa comprar esses doces pra mim. Eu tenho dinheiro.

— Tem é? — Ele respondeu, em um tom debochado que me causou uma pequena pontada de raiva. Logo, abriu um sorrisinho um pouco maior do que o ultimo, dando um gole na cerveja em suas mãos. — Não é o que parece.

— O que?! — Perguntei, indignada. Instintivamente, cruzei os braços e deixei com que a minha expressão passasse de abobalhada para irritada. Tudo bem que eu realmente não tinha dinheiro, mas ele não precisa saber disso. — Se tenho ou não dinheiro, isso não te interessa. Só não quero ficar devendo a um estranho.

— Orgulhosa, não é? — Disse ele, alargando o sorriso e repuxando o cenho, criando ali uma expressão que me causou arrepios. Era como se ele já soubesse o que eu ia dizer, e tivesse a resposta na ponta da língua. — Se achar melhor, pode me pagar pelos doces então.

                Bingo. Ele me pegou. Como eu ia pagar os malditos doces agora?! Droga, droga, droga.

— E-eu.. Eu estou.. — E o meu cérebro trabalhava ao máximo que podia, alucinado, tentando encontrar uma boa saída. Algo para responder. Algo desesperadamente bom para responder. Mas nada saia. Eu definitivamente não conseguia pensar sob pressão.

               Pude sentir até mesmo uma pequena e concentrada dor na parte de trás da minha cabeça, por conta do esforço que eu fazia para raciocinar. — Pode até parecer um exagero, mas eu estava realmente nervosa naquele momento. — E já haviam se passado alguns segundos.. Ele me olhava, esperando pacientemente que eu terminasse de falar, parecendo se divertir com aquilo. Infeliz. Idiota. Babaca. Príncipe desagradável.

                E foi então que a luz finalmente veio.

— Eu estou sem dinheiro agora. Pensei que me restavam algumas notas para comprar os doces, mas me enganei. — E levantei a cabeça, em uma tentativa fracassada de parecer superior. — Vou passar no banco na próxima parada, e sacar mais dinheiro da minha conta. Ai posso te pagar, senhor.

                E eu não podia desfrutar de sensação melhor naquele momento. — Consegui achar uma resposta, sair por cima e ainda bancar a mais velha. Era maravilhoso, e continuaria assim... Se ele não tivesse feito aquilo. — Subitamente, o Príncipe se aproximou, abaixando-se e deixando seu rosto perigosamente próximo ao meu. — Senti minhas bochechas queimarem no mesmo instante, meu rosto se aquecer e meu coração se acelerar exageradamente em uma questão de segundos.

— Senhor? — E ele riu largamente, deixando a mostra seus dentes brancos e perfeitos. Quase pude sentir seu hálito fresco e quente tocar minha face, quando ele continuou a falar. — Não precisa dessa formalidade toda, baixinha.

                Então aconteceu algo, que eu realmente não queria ter sentido. — Ah, como não queria! — Alguma coisa ( E eu ironicamente nem imaginava o que seria. ) passou, apalpou e entrou no bolso de trás do short que eu usava.  — O Príncipe então voltou a falar, com a maior malícia que eu já havia presenciado na voz de alguém.

— Não precisa de formalidade, nem me pagar exclusivamente com dinheiro, querida.

                Meu corpo se paralisou completamente, e eu não sabia se chorava, gritava ou xingava a mãe de alguém naquele momento. Meus músculos pareciam ter se atrofiado, enquanto o tempo parava e tudo acontecia em câmera lenta. — A única coisa que eu tinha certeza, era que a palma da minha mão ardia, quase tanto quanto minhas bochechas. — Ardia e queimava, logo após eu ouvir um baque alto e forte.

                Não tinha certeza absoluta do que havia acontecido. — Fora tudo rápido demais. — Mas a impertinente mão que entrara em meu bolso alguns segundos atrás, havia saído. Já o Príncipe, também havia se afastado, e agora segurava um dos lados do rosto com a mão, sustentando uma expressão incrédula na face.

                A música vulgar que se espalhava pelo salão também havia emudecido. Tudo estava em silêncio, e eu tive a sensação de estar sendo observada novamente.

                E uma sensação de pânico me invadiu, quando olhei novamente nos olhos do Ex-Príncipe, que agora não passava de um Sapo atrevido para mim. — Eles pareciam ainda mais profundos e assustadores agora, como se estivessem prestes a me engolir.

                O tempo pareceu não passar. Parecia que ainda estava vivendo o mesmo segundo, quando minhas pernas começaram a se movimentar desesperadamente. As rajadas de vento voltaram a fazer meu cabelo ricochetear em meu rosto, e eu logo pude ouvir o ranger do piso enferrujado do ônibus sob meus pés.






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Notas finais do capítulo

Capítulo 3 aí gente, espero que gostem. ;D



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