Há algum tempo, as noites eram cada vez mais vazias e tristes. Não só as noites, mas também os meses. Não foi por falta de companhia, já que você estava lá comigo, mas sim por falta de sentimentos.

- David... Tenho que ir.

- Nos vemos mais tarde? – e aqueles olhos lindos, todos contornados de preto, me olharam esperançosos.

- Vou pra nunca mais voltar. – disse isso me virando, terminando de me vestir.

- C-como?

- Não te amo mais.

Ouvi seu choro, que era abafado pelo travesseiro em seu rosto. Pensei melhor, mas não há motivos para ficar.

Também pensei se aquilo que eu tinha dito era realmente verdade. Sentia alguma coisa ainda por ele. Tivemos bons momentos juntos, que podem até ser chamados de inesquecíveis, mas que agora deveriam ser tirados do coração e deixados só na memória,como lembranças de dias felizes.

Senti seus braços macios me envolverem por trás, pedindo carinho. Virei-me e o olhei profundamente, lembrando-me de cada beijo, cada abraço, cada gesto de amor. Se fosse há pouco tempo atrás, o deitaria naquela cama e o mataria de prazer. Depois falaríamos dos planos pro nosso casamento, de quão bom seria passar o resto de nossas vidas juntos...

Mas os tempos mudaram. Tornei-me uma pessoa fria, oca por dentro. Por motivos indefinidos, talvez. Só sabia que eu deveria ir, o mais longe possível de preferência.

- Acabou, pequeno. Desculpe-me.

Senti com grande força seu tapa, que veio seguido de um “Por favor, não vá.”

Ele ainda tinha realmente esperanças de que fôssemos ter o nosso “Felizes para sempre.”

Tentou ainda me dar um beijo, que foi em vão.Seus pequenos lábios pediam passagem,mas friamente o empurrei para longe dos meus.

Segundos como esse já não me satisfaziam mais, não me davam mais prazer.

Lembrei-me vagamente de um dia no parque. Ele sempre tão lindo com aqueles cabelos pretos e lisos caindo sobre seu rosto angelical, deitado sobre meu peito, olhando o céu...

- Promete me amar sempre?

- Só se você também prometer.

- Pra sempre e eternamente, anjinho.

- Que todos os nossos dias, pro resto de nossas vidas, sejam assim.

- E que a gente nunca se separe.

Terminamos a conversa com um beijo, como se selando nosso amor.

Agora ele me olhava confuso, com lágrimas escorrendo sobre sua face.

Tirei seus braços do meu corpo e fui em direção a porta.

- Onde... Eu errei? –ele me perguntou entre soluços, sentado e abraçando suas pernas.

É uma boa pergunta. Por um tempo ela ficou martelando na minha cabeça. Mas... Ele sabe que não foi culpa dele. Quando os sentimentos acabam, não se há mais o que fazer.

Ainda o olhei mais uma vez, sentado sobre a cama, querendo saber se eu teria coragem de abandoná-lo. Seus doces olhos agora jorravam lagrimas e, por algum motivo, algo me dizia que eu não devia partir.

Quando me dei conta, já estava descendo apressadamente as escadas. Ouvi de relance seus gritos, chamando por meu nome. Tampei os ouvidos, achando ingenuamente que poderia calá-lo assim, que o faria me esquecer.

Saí para a rua. A chuva estava forte, como se tentasse me fazer voltar pra dentro. Decidi encará-la. Admito que sim, ainda fiquei alguns instantes pensando pela milionésima vez se era o certo a se fazer.

- PIERREEEE NÃO VÁ!

E isso foi o bastante pra me fazer correr, com a chuva escorrendo sobre meu corpo, pra bem longe dali.

Ao virar a esquina, sentei-me e fiquei imaginando David olhando agora pela janela, me esperando voltar.

Ainda há algum tempo depois, e já longe de casa, da nossa casa, consegui ouvir seus berros chamando por mim. Talvez, sim, meus pensamentos. Ou talvez ele, que ainda ficaria dias, meses, anos, ou enfim, o resto de sua vida, chamando por mim...