Holodomor escrita por nathyouko


Capítulo 1
One-Shot


Notas iniciais do capítulo

"Holodomor" é o termo atribuído à fome de carácter genocidário, que devastou principalmente o território da República Socialista Soviética da Ucrânia (integrada na URSS), durante os anos de 1932 - 1933.



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Katyusa andava arrastando seus pés. Era difícil manter o peso de seus seios naturalmente e, agora, tornava-se mais ainda.

Estava fraca. Estava cansada.

Estava faminta.

Seu estômago roncava alto, mas não era como se alguém nas ruas parasse para lhe dar atenção por isso. O estômago de todos roncava.

Há quanto tempo isso já durava? Não importava para a ucraniana, só queria que acabasse logo.

A lembrança era vívida em sua mente, daquele fatídico inverno –palavras que, para a moça, soavam como um pleonasmo- em que os soldados da NKVD chegaram marchando e recolhendo todos os grãos e alimentos.

Katyusa primeiro foi exigir explicações de seu chefe. Quando isso se provou inútil, forçou passagem pelo cordão de isolamento que a URSS havia importo sobre sua casa.

Provavelmente, teria sido metralhada pelas costas se, milagrosamente, Ivan não tivesse aparecido e ordenado aos homens que abaixassem as armas.

A ucraniana se lembrava de como havia caminhado com dificuldades pela neve alta até seu irmãozinho e estapeado-lhe a face na frente dos soldados.

"Ivan! Pelo amor de Deus, que pensa que está fazendo? Impedindo pessoas de comer! São seres humanos!"

O russo olhava espantado para sua irmã, que tinha lágrimas nos olhos, mas encarava-o furiosa. Agarrou suas vestes, ficando na ponta dos pés para encarar-lhe melhor.

"São ucranianos! É meu povo! Você não pode fazer isso! Tire aqueles soldados de minha casa, Ivan! TIRE-OS! "

O homem segurou as mãos trêmulas da jovem delicadamente, fazendo-as soltarem suas roupas sem as machucar. Buscou os olhos azuis com suas próprias esferas violetas.

"Irmã...Não posso fazer nada. São ordens do meu chefe. É pela união, parece horrível agora, mas quando todos estiverem juntos, no futuro, será melhor. Você verá, irmã. Você não irá sofrer com isso, você terá alimentos, assim como seu chefe. Tudo vai ficar melhor, daqui algum tempo."

Katyusa soluçou, afastando-se dois passos. Sua voz era baixa e rouca, quando pronunciou as últimas palavras para seu irmão, em muito tempo.

"Você...Não é o Ivan. Não aquele garotinho que conheceu o sofrimento...Quem é você?"

Virou-se e marchou de volta para casa, ignorando os chamados de seu irmão e puxando seu braço com força quando ele tentou pará-la.

Iria ficar com seu povo.

E agora, muito tempo depois desse dia, ali estava ela. Havia emagrecido muito e sentia suas roupas folgadas, enquanto caminhava pelas plantações.

Enquanto sentia seu peito doer ao ver camponeses definhando, caídos pela terra. Ao ver crianças chorando, implorando por alguns gramas de comida. Ao ver corpos esqueléticos, sem forças para se levantar do chão das estações, onde eram barrados de ir para as cidades.

Ouviu o barulho de porta batendo. Há alguns metros, soldados saíam de uma casa, carregando dois corpos, abandonando uma criança moribunda que chorava, encostada no batente da porta.

Katyusa se arrastou até a criança, observando os soldados sumirem da vista. Tocou-lhe os cabelos rasos e tirou do bolso da calça um pequeno pedaço de pão. Entregou ao menino.

-Esconda-se e coma um pouco. Me desculpe.

O pequeno olhou espantado para aquela moça que oferecia-lhe comida. Apanhou o pão e correu, procurando um esconderijo e sem entender por que ela pedia desculpas.

Ele jamais entenderia que Katyusa pedia perdão por não poder oferecer mais do que um punhado de comida. Por não poder defendê-lo de tudo aquilo.

Soluçou, segurando o choro e se afastando da casa mal-cuidada, neve começando a cair sobre seus cabelos.

Esperava que esse inferno eterno acabasse logo.


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Notas finais do capítulo

Hmm...É. Curtinha e sem muito propósito existencialista. Eu apenas fiquei muito tentada a escrever com a Ucrânia após assistir um documentário sobre o Holodomor (The Soviet Story), com cenas horríveis. É deprimente pensar que um ser humano foi capaz de condenar outros à definharem de fome.

Apesar disso, espero que tenham gostado~