A Vida do que não Vive Mais escrita por daniflores


Capítulo 3
Casa, nova casa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/106002/chapter/3

- Então, esse vai ser seu novo quarto – John diz isso me conduzindo a um cômodo da sua casa, meu novo lar.

Como eu posso descrevê-lo? É bastante arejado e claro aqui, tem uma janela que ocupa quase a parede toda e a vista é para os fundos da casa. Uma cama de casal, com uma colcha cinza, fica na outra parede oposta. Um armário grande também está ali no canto do quarto, e ao seu lado uma cômoda pequena.

- É bem bom – eu falo quando percebo que ele está esperando uma avaliação minha.

- Não é tão bom quanto o seu antigo quarto, obviamente, isso é temporário, aos poucos podemos trazer suas coisas aqui, talvez queira ir morar com um dos seus tios depois que essa tempestade passar...

- Não, eu vou ficar aqui – digo rápido.

- Boa escolha, bom eu vou deixar você se estabelecer aqui, antes alguns avisos: o banheiro fica ao lado do seu quarto á direita, e só você vai usar. Uma mulher costuma vir limpar a casa uma vez por semana, mas comento isso depois. Você NÃO pode sair daqui em hipótese alguma, você não tem nenhum controle sobre si mesmo ainda, pode assistir TV, arrumar suas coisas, pensar na vida, e acho que esqueci de comentar, você não pode dormir, mas consegue ficar muito relaxado... Vou precisar ir á escola resolver umas coisas, e depois vou contar uma história á todos, você tem algum recado para a sua... alguém? – ele pede se enrolando um pouco, e percebo que ele se referia á Lívia, minha namorada, ou ex.

- Não – falar com ela agora seria assustador, ainda estou com medo de mim mesmo.

- Ok, então fique bem garoto. Ah! Qualquer problema é só falar “venha John”, “corra John”, “ajuda John”, “John preciso de você” ou qualquer coisa do tipo, que chegarei aqui em segundos.

Eu balanço a cabeça confuso ainda, e ele deixa o quarto.

- Ah! Esqueci, você pode ouvir minha conversa com os outros, pra saber o que estarei falando, é só se concentrar bem, estarei na escola, mas não é obrigado também, pode fazer as outras coisas que te sugeri, ou pode fazer coisas que você quer também, fique a vontade, a casa é sua também agora!

- Obrigado. – e assim ele acena e saí.

A única coisa que entendi perfeitamente é que não posso sair daqui, e que meu banheiro é aqui logo ao lado. John deveria falar mais devagar.

- Outra coisa garoto, fique longe do salão de festas atrás da piscina, outro dia eu explico. Conversaremos mais no jantar.

- Pode deixar.

Agora ele sai, e acho que não voltará mais. Enfim sozinho. Sozinho. Sem pai, nem mãe, nem familiares próximos. Parece menos trágico do que realmente é. Eu nunca exigi demais do mundo, mas parece que este está pregando uma peça em mim.

Minha mãe me deixou quando eu era muito pequeno, ao que parece ela era nova demais para assumir um filho e então deixou essa responsabilidade com meu pai, que era mais novo ainda. Nunca me revoltei quanto a isso, nunca exigi que ela ligasse ou que meu pai comentasse sobre ela em nossos jantares, na verdade era um grande alivio saber que eu nunca precisaria falar sobre ela novamente. Vivo como se ela não existisse, e isso é bem melhor pra mim.

Cresci saudável e forte, pelo menos é o que dizia meu pai quando eu pedia alguma coisa sobre mim mesmo quando era pequeno, talvez ele fosse homem demais pra comentar sobre a minha primeira palavra, ou meu primeiro passinho, ou como sai quando usei a colher pela primeira vez. Bom, ou talvez só tivesse medo de chorar da minha frente, isso seria tão típico dele. Sempre evitando lagrimas, mal sabia ele que eu sou tão chorão quanto ele, e não é nem um pouco vergonhoso a cena de um pai e um filho chorando no sofá da casa relembrando momentos que nem lembramos direito. É, ele tinha razão, talvez isso seja um tanto quanto embaraçoso.

Cheguei aos 12 anos com um pai totalmente presente e interagindo demais na minha vida. A profissão de bioquímico nunca o impediu de ir á reuniões escolares, ou a jogos de futebol da escola. Inclusive ele sempre me apoiou muito no esporte, talvez tivesse medo que eu me tornasse um inválido com problemas psicológicos maiores do que ele saberia tratar comigo.

Aos 15 descobri a garota da minha vida. E por mais clichê que isso seja, ela é a melhor namorada do mundo. A conheci em um dos nossos jogos, era amiga de uma amiga de um jogador do meu time. Não posso dizer que foi amor a primeira vista, porque ainda acho que essas coisas não acontecem, mas eu me apaixonei perdidamente por ela no momento em que eu percebi que ela era feita pra mim. Eu ainda sou aquele bobo apaixonado, e essa foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. A vida inteira ao lado da Lívia era e é o que eu sempre quis só que agora isso parece algo impossível.

Tinha uma vida invejável, uma pai que me amava, uma namorada, nunca tive grande problemas na escola, e agora aqui estou eu. Levei uma rasteira da vida, e que rasteira!

Percebo que acabei de arrumar as minhas coisas e não me resta nada a fazer. Uma volta pela casa parece uma boa idéia.

Desço as escadas o mais lento que posso, a minha vontade era de dormir, mas não posso. Vampiros deveriam dormir, eu aceitaria até deitar em um caixão. Aliás, a idéia de encontrar essa casa clara, e sem caixões me deixou um pouco surpreso, sempre imaginei que vampiros fossem criaturas totalmente macabras, e mesmo agora que sou um, penso isso.

A cozinha está com os armários vazios, e a sala só tem um sofá com uma televisão a frente. Jardim. Grande e bem cuidado. Uma piscina no meio, e mais para os fundos, um salão de festas, deve ser esse que não posso entrar.

Não tem sol hoje na cidade, mas está um dia relativamente quente. Sem pensar muito tiro a camisa e pulo na água gelada. Ela não parece tão fria pra mim, na verdade está bem agradável. Fico ali nadando pra esfriar a cabeça, tentando não pensar nas vozes que ouço e na dor infernal da minha cabeça.

“Quem é esse ali?” uma voz feminina estranhamente fica mais alta na minha cabeça.

“Caio, o pai dele morreu esses dias, está no ultimo ano da escola”.

“Desde quando ele ficou TÃO bonito?”

Epa! Percebo a direção das vozes e encaro a janela da vizinha. Duas meninas, da minha idade, conversam no parapeito da janela olhando para mim. Ficam vermelhas de uma hora para outra, e se abaixam tão rapidamente, que ouço uma caindo. Não posso evitar um sorriso.

“E agora? Vamos ser conhecidas como as psicopatas da janela, que ótimo! Eu falei que a gente deveria ter pegado o binóculo, será que ele gravou nossos rostos? Eu quero ver quando encontrarmos ele novamente!”

“Ele está sorrindo! Deve ter gostado de nós”.

“E que sorriso!”

Fico sério subitamente e resolvo ir tomar um banho. Além de tudo algumas meninas me espionam. Algo poderia se tornar mais estranho?

Alguns minutos depois de uma ducha muito bem tomada e relaxante, tio John chega e me chama para o jantar.

- Bom você deve estar imagina o que teríamos para o jantar! Eu pensei muito bem e como você ainda é novo e precisa de energia trouxe dois litros de sangue humano saudável para você! – ele diz sorrindo animado.

Não consigo esconder uma cara de perplexidade, SANGUE HUMANO? Eu ainda não me acostumei com essa dieta maluca.

- Você vai adorar, tome – me entrega um copo e fica na expectativa. Me sinto um bebê usando o garfo pela primeira vez.

Só que aquele cheiro me hipnotiza de uma hora para outra, e sem pensar muito tomo tudo em apensa um gole. Lambo os beiços e preciso de muito mais.

- Bom garoto! Tome tudo o que quiser, enquanto isso contarei as “novidades”. Contei a todos uma história de que você tinha ido viajar com seu pai, e sofreram um acidente quando estava chegando aqui. Seu pai faleceu na hora do acidente e você ficou internado, inconsciente por 3 dias em uma cidade muito pequena, próximo ao local do acidente, menti que não lembrava o nome, mas pesquisarei um nome bem exótico pra você falar. O hospital me ligou e eu, como melhor amigo do seu pai fui buscar você e aqui estamos. Você vai passar um tempo comigo, e está totalmente abalado. Sua namorada demonstrou enorme preocupação e pediu pra você ligar. O diretor da escola disse que as portas estão abertas, e a psicóloga que pode ir falar com ela quando desejar.

- Obrigado, de novo. Mas não sei quando vou poder encarar o mundo lá fora novamente.

- Espero que seja logo, seus amigos sentem sua falta.

- Eu morri, esse aqui não sou eu. Pode avisá-los disso também. – falo um pouco irritado com a situação. Mentindo pra todo mundo tentando enganar a mim mesmo, eu sei que não vou ter a vida que tive, nunca nada vai ser igual, nunca.

- Essa era outra coisa que teríamos que conversar, você sabe, o acidente em si. Você lembra de alguma coisa? Quer falar sobre isso agora?

- Vá em frente.

- Você tinha ido pescar com seu pai, e algo bateu no carro, ele capotou algumas vezes e provavelmente os dois desmaiaram. Mas acho que lembra disso.

Apenas aceno como um sinal para ele continuar.

- Bem, essa foi a sua sorte garoto. O que bateu em vocês não foi nenhum carro, ou animal, foi um vampiro. Eu não sei qual. Mas vampiros gostam de caçar, seguir sua presa, ouvi-la pedir por vida, ouvi-la gritar, e com vocês desmaiados o vampiro apenas mordeu os dois, sim, ele mordeu seu pai também. Acho que lembra do momento em que o veneno encontrou sua veia, porque a dor é inesquecível.

Memórias daquela noite, daquela dor, do fogo, da agonia, vêm a minha cabeça, e parece tão real que tenho vontade de gritar para aliviar. Fico um pouco angustiado por saber que meu pai também se sentiu daquele jeito, morte terrível. Controlo-me.

- Posso continuar? – John pergunta temeroso.

- Sim.

- Garoto como você grita, eu estava em casa e ouvi seus gritos tão alto, mas tão alto, que eu quase fiquei tonto. Corri para a origem daqueles berros e lá estava você e seu pai, queimando, e eu nada podia fazer. Tentei rastrear o vampiro causador disso tudo, mas ele fugiu antes que eu chegasse, e eu tinha que voltar para ajudá-los. Encontrei um lugar seguro na fronteira com o Canadá, onde não havia uma alma viva em um raio de 2km, era necessário até mais, seus gritos chegavam a ser ensurdecedores, e quando desmaiava era um alivio pra mim, tenho que admitir. Eu forjei um acidente na estrada sul para depois a minha historia parecer verdadeira, e agora só tinha que esperar. Seu pai sobreviveu dois dias, faleceu apenas no ultimo, e eu não estava presente. Ai você acordou e já deve lembrar...

- Deus – só o que consigo exclamar.

- Eu sei, é muita informação.

- Eu quero matar esse vampiro, ele matou meu pai – falo dando um soco na mesa, essa levanta do chão fazendo um barulho que me deixa tonto.

- Você ainda é novo, não tem controle sobre nada, acalme-se... Não adianta nada agora, isso não trará seu pai de volta.

Vejo que me sujei um pouco com sangue.

- Exige pratica garoto, mas foi bem para sua primeira vez.

- Obrigado.

- Pare de agradecer, agora vem aqui na sala, vamos assistir um pouco. Amanha é um longo dia, e você tem tanto o que aprender ainda. Te darei aulas de como se comportar bem sendo um vampiro, tudo tem um lado bom e ruim, tudo depende da sua escolha.

Engulo seco, não quero enfrentar nada, não quero uma nova vida, quero voltar ao que era antes. Quero um hambúrguer no jantar, não litros de sangue.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Prometo fortes emoções em breve!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Vida do que não Vive Mais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.