Dois dias se passaram desde o incidente envolvendo Dante, Lady e o misterioso trio. Fortune Island era radiante sob o luar, noites de céu limpo premiavam os moradores da isolada ilha com um oceano de estrelas e uma lua que parecia de prata. Nero adorava essas ocasiões, apesar de geralmente desperdiçá-las em caçadas que seriam difíceis em noites mais escuras. Era exatamente nisso que pensava enquanto organizava os arquivos de seus “trabalhos” que estavam jogados sobre a mesa de seu escritório, mais espaçoso e limpo que o de seu “sócio”. Pelo menos desta vez poderia usufruir da noite com Kyrie, que deveria chegar em poucos minutos.

- E com isso, tudo fica em seu devido lugar. – disse em voz alta ao colocar uma pasta escura na gaveta de arquivos.

O caçador se jogou no sofá, e ficou olhando o teto, sem pensar em nada específico. Uma noite de folga! Fazia tempo que não tinha uma, deveria fazer bom uso dela, aliás, iria fazer um excelente uso dela, pensou, enquanto tirava do bolso uma pequena caixa revestida de veludo vermelho. Fitou o invólucro por alguns segundos antes de abri-lo para contemplar o anel dourado contido nele. Era intrincado, com um pequeno brilhante no meio, custara uma pequena fortuna, de modo que Nero foi obrigado a pedir dinheiro emprestado a Dante, e como o Filho de Sparda estava invariavelmente falido, acabou por pegar o montante de seu velho amigo Julian. Os dois, meio-demônio e professor, riam maliciosamente sempre que ligavam para o pobre coitado cobrando informações de sua situação com Kyrie, e Nero, encabulado, dizia que estava à espera do momento ideal. Para ele, o momento chegara. Era agora ou nunca, não podia desperdiçar a oportunidade. Kyrie deveria estar ansiosa por isso também. Não iria fazer feio, não.

- Nero, você é um homem! Você derrotou Sanctus e mais uma infinidade de demônios, vai perder para um anel?! – balbuciou – Você consegue! – continuou, falando sozinho.

Nero guardou rapidamente a caixinha em seu bolso ao ouvir o barulho de Kyrie abrindo a porta. A garota entrou no escritório, trajando uma blusa branca regata, saia e botas negras. Tinha os cabelos soltos e sorria de modo empolgado. O rapaz levantou-se, também sorrindo, e caminhou até ela, para então envolvê-la com os braços pela cintura. Kyrie retribuiu o gesto, enrolando-se no pescoço do caçador.

- Você fica linda quando usa os cabelos assim, sabia? – sussurrou Nero, antes de beijá-la.

- E você fica ótimo de terno e camisa, apesar de você não gostar. – Kyrie retribuiu, ao analisar as roupas do namorado, terno e camisa negros, que contrastavam com os cabelos brancos do rapaz. Beijaram-se de novo, antes da garota continuar – E então, onde vamos hoje?

- Vamos jantar naquele restaurante francês que você adora, fiz uma reserva lá. – explicou Nero.

- Hmmm, me parece um bom plano, só espere eu pegar a bolsa ali na mesa. – disse a garota, ao apontar para a dita cuja, de couro escuro.

- Não seja por isso. – respondeu o garoto, ao usar seu Devil Bringer para pegar a bolsa de Kyrie e trazê-la até ela.

- Seu bobo, sempre se exibindo – brincou Kyrie, ao pegar a bolsa.

O jantar transcorreu exatamente como Nero planejara. Kyrie pedira um Coq au Vin, enquanto ele pedira um Blanquette de Veau, e ambos dividiram uma garrafa de vinho tinto. A conta foi paga inteiramente pelo caçador, que previu novos empréstimos por parte de Julian, mas claro, isso ficaria escondido de Kyrie. O casal agora voltava caminhando pela praça central de Fortune Island, deserta por ser tarde da noite e a população local ter criado o hábito de dormir cedo devido ao medo de demônios. Conversavam animadamente, até que Nero parou de súbito, algo estava errado.

- Kyrie, tem alguém nos observando. – disse Nero, envolvendo a garota com seu braço demoníaco.

- Você acha que pode ser um inimigo? – perguntou a garota aflita.

O caçador não respondeu, fitou uma sombra que surgia no chão da praça, próxima à fonte. Não havia um objeto perto que fosse capaz de projetá-la, fosse o que fosse, não era normal. Como se tivesse vida, a sombra começou a sair do chão, a se projetar em três dimensões, e logo tomou forma humana. Um homem que nunca vira antes se apresentava diante do casal. Longos cabelos pretos emolduravam o rosto pálido e agressivo, enquanto um casaco escuro cobria o peito sem camisa do estranho. Usava um hakama, também negro, e trazia uma espada japonesa na cintura. Pelo visto, a noite estava arruinada para Nero.

- Hmmm, você, não é quem eu estava procurando. – disse o estranho, ao analisar Nero.

- O que você quer?! – exclamou  o caçador – Não temos nada que lhe interesse!

O homem de cabelos negros apoiou o rosto em uma de suas mãos, enquanto suspirava enfaticamente. Andou de um lado para o outro, antes de sacar lentamente sua espada, de lâmina totalmente vermelha, como se fosse feita de sangue.

- Que azar! Que azar! O outro era tão mais belo que você! Não passa de um pivete com uma namoradinha... – falou o estranho.

- Kyrie, volte para o escritório e me espere lá - Nero ficou à frente de Kyrie, e Yamato surgiu de seu Devil Bringer.

- Mas... – a garota estava prestes a protestar, mas que poderia fazer ali? Iria apenas atrapalhar Nero, colocando a vida de ambos em perigo – Certo, entendi. Vou te esperar lá.

Kyrie fugiu rapidamente, sempre protegida por Nero, até que saiu do raio de visão do estranho, perdendo-se em meio às estreitas alamedas de Fortune City. O caçador apontava Yamato na direção do homem de cabelos negros, prestes a atacar caso ele tentasse algo. Quando sentiu que Kyrie estava longe, começou a andar na direção do homem.

- Do que você está falando? Que outro é esse? – inquiriu.

- Aiai, mas você é um paspalhão mesmo! – exclamou o estranho – O outro homem que portou Yamato! Mas quer saber? Não vou perder tempo com um moleque como você, vou te matar e pegar essa espada pra mim. – concluiu, enquanto lambia a lâmina vermelha da própria arma.

O estranho correu na direção de Nero, girando freneticamente a espada no ar, e tentou golpeá-lo com um poderoso ataque cortante, bloqueado pelo caçador, que contra-atacou com uma estocada, defletida pela lâmina vermelha. Nero não cessou a ofensiva, e tentou em vão um corte na altura do pescoço, pois o jogo de pés do estranho o colocou a uma distância segura de Yamato.

- Até que você não é de todo ruim! Mas sua habilidade com a espada está longe de ser como a do outro homem. Bom, se te serve de consolo, ao menos saiba meu nome, sou Kojirou. – disse o estranho.

Nero nada disse, avançou com um ataque de corte na altura do abdômen de seu inimigo, mas este saltou por cima do caçador e feriu-lhe as costas com sua lâmina. O rapaz urrou de dor, mas logo se recompôs e tentou uma estocada, no entanto, Kojirou soltou para longe de Yamato, evitando assim o golpe. Nero rapidamente usou seu Devil Bringer para agarrar o oponente e jogá-lo contra a fonte da praça, espatifando-a.

- Não esperava por essa...- admitiu Kojirou, ao levantar-se dos escombros – Talvez eu tenha te subestimado.

O homem de cabelos negros desapareceu da vista, como um fantasma, e surgiu colado ao caçador, surpreendendo-o. Nero levantou Yamato, com o intuito de atacá-lo, mas foi impedido pela mão do oponente, que imobilizou seu braço e deu-lhe uma rasteira, caindo por cima. Nero estava agora à mercê de seu inimigo.

- Sim! Sim! Agora eu vejo! Você tem os mesmos olhos dele, a mesma ambição, o mesmo desejo por poder! – Kojirou exclamava freneticamente.

Nero tentava reagir, mas estava totalmente imobilizado, seu inimigo certamente sabia o que fazia. Não conseguia nem mesmo usar o Devil Bringer. Kojirou parecia ter enlouquecido, cheirava Nero como se fosse um cão, e para seu horror, lambeu-lhe o pescoço até chegar ao ouvido esquerdo.

- Vou me divertir com você....-sussurrou no ouvido do caçador, que se debatia em vão.

Uma enorme lâmina tentou atingir as costas do estranho, que desapareceu instantaneamente, apenas para ressurgir a vários metros de distância. Mais um homem juntara-se ao combate, Dante. O Filho de Sparda empunhava Rebellion e tinha uma expressão de sarcasmo no rosto. Fitou Nero com uma falsa careta de decepção, antes de estender a mão ao rapaz.

- Não sabia desse seu....lado. – disse, irônico, enquanto ajudava o mais jovem a ficar em pé.

Kojirou olhou para Dante de maneira doentia, como se quisesse obliterar a existência do recém-chegado. Golpeou o ar várias vezes com a espada, antes de manifestar-se novamente.

- Você! Estragou tudo! Estragou tudo! – berrava insanamente.

O meio-demônio ignorou totalmente o oponente, estava ocupado demais rindo do visual “certinho” de Nero. Deu alguns tapinhas no ombro do amigo enquanto apoiava Rebellion em seu próprio ombro.

- Vou acabar com esse aqui rapidinho, e depois quero saber se rolou ou não. – disse Dante, sorridente.

O pobre Nero ainda estava em estado de choque, de modo que não discutiu com o homem de vermelho. Mais experiente, Dante não correu na direção de Kojirou, pelo contrário, sacou Ebony e a descarregou no inimigo, que bloqueou algumas balas com sua espada, sendo atingido por outras.

- Não é à toa que você levou uma surra do meu irmão! Ele defendia-se disso com muito mais estilo e sem sofrer um único arranhão! – exclamou o Filho de Sparda.

Kojirou espumou de raiva com a comparação, mas nada disse. Simplesmente desapareceu, como se fosse uma miragem. Dante vira algo parecido fazia pouco tempo, logo não ficou surpreso. Guardou suas armas e voltou novamente suas atenções a Nero, que se fazia Yamato retornar ao Devil Bringer.

- Meu amigo, temos problemas sérios pra resolver. – limitou-se a dizer.

- Dante, é bom te ver, mas o que faz aqui? – perguntou Nero, já recomposto.

O meio-demônio coçou a cabeça, ligeiramente encabulado, e apoiou-se no ombro do amigo.

- Estava no rastro desse doido, ele tem contatos com alguns demônios que estou caçando. Quando soube que ele vinha atrás de Yamato, pensei em te ligar, mas não quis atrapalhar seu esquema, sabe? Achei que ia conseguir dar um jeito sem te encher o saco. – Dante explicou-se.

- Haha, então é isso? – riu Nero – Tudo bem, mas agora, me conte que problemas são esses.

- Com certeza. – disse Dante – Mas antes, será que não rola uma cerveja em seu escritório? – acrescentou, enquanto disparava um sorriso malicioso.