Grinder escrita por AHB


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Gente, desculpa mesmo a demora da p#@ para atualizar essa história. =o
Aconteceu um monte de coisa e eu não consegui sentar bunda na cadeira para escrever. Ainda por cima passei longe de concluir no halloween, como era a intenção original.

Assim, pedindo desculpas e dedicando esse capítulo ao Elfman, o homem elfo - que praticamente me intimou a continuar a escrever - fico por aqui e espero as pedradas. =)

PS: ainda não é o último capítulo. mas dessa vez vou ser mais rápida, juro. O último capítulo tá quase pronto.



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Algum lugar da Lapa, 23:58, 28 de outubro de 2010.

Leiden tinha cigarros e ofereceu um para André. Tinha um isqueiro também. Ele nunca havia fumado, mas aceitou. Odiava fumaça, mas a propaganda associada a um modo blasé e o caráter autodestrutivo do ato foram mais fortes que seu bom-senso. Apenas desejou que nunca se tornasse exemplo para ninguém.

Estava sentado no banco do ponto de táxi vazio em uma praça que ficava bem na junção de duas ruas comerciais. O banco de madeira que ocupava era o único do espaço coberto pela grama alta. As árvores barravam a pouca luz de um único poste do outro lado da rua. O farol de um carro que passou permitiu que lesse a placa ao lado do ponto. Segundo o anunciado, ali era a praça Cláudio Galeno. André não tinha muita certeza do caminho que havia feito para chegar a esse lugar. Deu de ombros, soprou alcatrão queimado no ar.

– Está de mal comigo? – disse Leiden, como se isso a incomodasse. Cínica.

– Foda-se. – André respondeu – Eu queria ficar em paz.

– Oh, mas... você sabe onde encontrar sua paz? Eu sei que você sabe. Fale comigo, vamos... Quando foi aquele negócio da privada?

André cerrou os dentes. Odiava ficar lembrando disso, da antiga vida escolar em geral. Sempre ficava muito pra baixo, conjecturando como poderia ter agido para que as coisas tivessem sido diferentes. Malditos todos, mas principalmente, maldito fosse o João Novais.

– Leiden? Foi quando eu tinha uns 15 anos, acho que em dois mil e três. – ele observou a expressão de prazer na face dela quando começou a falar. Notou um aumento dos próprios batimentos cardíacos. Falar daquilo causava um imenso mal-estar. Cada vez que tocava no assunto sentia-se admitindo a própria fraqueza. Contar para Leiden não era nenhum alento também, era mais como meter os dedos nas próprias feridas. – Você sabe de todas essas coisas. Quando você chega perto de mim essas memórias afluem e é como se tivesse acontecendo de novo, só que como se fosse eu vendo de fora e ficando puto porque não tem como ajudar.

Virou o rosto, procurou sustentar o olhar de Leiden, mas o brilho sulfúrico era insuportável.

– Você deve ser o meu lado masoquista, por acaso?

– Seria uma delícia... – ela falou, lambendo os lábios. André notou que a língua dela era muito escura e ligeiramente bifurcada – Mas não, que pena.

– Eu já tinha contado isso tudo para a Lena, se quer saber.

– O melhor de contar para a Helena... – Leiden disse – ...é que você recebeu uma massagem em comparação às coisas que aconteceram com ela.

O rapaz ficou muito sério no ato, tacou o cigarro fumado pela metade no asfalto da rua.

– Para de falar assim da Helena.

– Mas foi, não foi? Lembra de quando ela contou? Você imagina como deve ter s...

André levantou, escapando por pouco de outra cena terrível, dessa vez sobre o passado de Helena. Quase podia ouvi-la ainda criança, chorando, embora ainda fosse demorar anos para que se conhecessem. Sentiu novamente aquela dor no peito e também muita saudade da amiga.

Sem ter muita certeza do que faria em seguida, André rumou para o enorme posto de gasolina abandonado que havia logo adiante da praça, no topo de uma ladeira. Quase a mesma vista de sua janela. Podia ver o mar de prédios com suas janelinhas brilhantes e sinalizadores vermelhos alertando voos baixos, carros, antenas, heliportos, torres de telefonia via satélite. Gente escondida. Deitou no capô de um carro abandonado, pensando na impressão de lugar desolado.

– Por que as pessoas riem de coisas estúpidas? – disse. Não tinha certeza se Leiden estava por perto, mas ela sempre ia ouvir, de qualquer forma.

– Peguei um dinheiro da sua carteira e trouxe essas cervejas – a mulher falou, sentando ao lado do jovem e passando para ele uma garrafinha de vidro. André também não era de ficar bebendo álcool.

– Teve uma época que eu ficava me perguntando se o pessoal do colégio 'tava rindo de mim, ou se estava rindo do que o Novais fazia e eu era só uma desculpa para ele aparecer. O negócio é que o riso dos outros incentivava ele a continuar.

André calou-se, sentindo o gosto amargo da bebida. Leiden estava sentada, de costas para ele.

– Até que chegou a hora que não fazia diferença se tinha alguém para rir – ele murmurou e agora as pupilas dela eram um par de pontinhos brilhantes no fundo de íris muito escuras. Fazia frio naquela noite sem estrelas.

– Todo dia tinha alguma merda e de vez em quando ele resolvia pegar mais pesado. Eu nunca, nunca fiz nada para revidar. – disse André, notando a própria voz embargar.

– Nunca.... – Leiden repetiu, bem baixinho. André sentiu os dedos gelados dela fazendo algo como uma carícia no tornozelo do rapaz. – Como você disse, tão estúpido.

– Essa gente não tem limite. – ele continuou. – Você tem razão, eu não deveria ter deixado acontecer tão fácil. Eu preciso, eu preciso...

Ele tateou pela superfície metálica atrás de mais uma garrafa de cerveja. Acabou derrubando o recipiente de vidro no chão. Murmurou um palavrão e levantou, ficou olhando para a poça de bebida e cacos de vidro.

– Você quer minha ajuda, André? – ouviu Leiden perguntar.

– Quero.

O brilho amarelado engolfou o rapaz e ele sentiu as garras dela apertando seu peito e o agarrando pela garganta. A visão dele estava cada vez mais turva, mas André não lutou contra isso.

– Então vou comer seu coração, André.

Edifício Cruzeiro do Sul, Avenida Paulista, 8:00, 29 de outubro de 2010.

Luana falou que ele estava com uma olheiras enormes, não tinha importância. Também não tinha importância que Leiden estivesse por lá, irriquieta e mal-educada, provocando as pessoas ao redor mesmo que fosse incapaz de ser vista. Assistiu-a rodear Luana e lamber suavemente o rosto da jovem com aquela língua viperina.

– Para com isso. – murmurou, aflito. Luana passava anotações para uma grande agenda, sem perceber a mulher magra a tocando de maneira imprópria. Leiden sorriu para André e afastou-se da recepcionista. Acomodou-se, com as pernas cruzadas, sobre a escrivaninha ao lado da ocupada por André.

– Oi Morelli, como vai? – perguntou o dono da escrivaninha. Era um homem de meia-idade, baixo e calvo, chamado Nogueira. Costumava deixar para André todo o trabalho braçal, como montar tabelas de gastos e fazer cálculos complicados. Vivia dizendo que o trabalho enaltece o homem e que era a atividade mais importante na vida de alguém.

– Oh, você é descendente de italianos, que gracinha! – Leiden falou, enquanto curvava-se de maneira provocativa na direção de Nogueira, que agora entregava a André algumas pastas cujo conteúdo ele deveria passar a limpo.

O rapaz fez tudo que deveria corretamente, embora a cada cinco minuto lançasse um olhar ansioso ao enorme relógio de ponteiros preso à parede do escritório. Seus dedos movimentavam-se de forma automática sobre o teclado do computador. A presença de Leiden era detalhe, às vezes ela estava lá, sentada em uma cadeira desocupada ou rondando algum funcionário. Em outros momentos, desaparecia completamente, e assustou André por três vezes, aproximando-se sorrateiramente e soprando os medos do rapaz em seu ouvido.

Colégio Alvorada, 17 de Março de 2005.

O professor finalmente desistiu de tentar conter a agitação dos alunos do terceiro ano por conta dos projetos relativos à formatura, então resolveu ir tomar um café, enquanto os jovens elegiam a comissão de estudantes responsável pelo evento.

A primeira atitude da tal comissão, formada por três garotas adoradas pelos demais estudantes, foi correr uma lista pela sala, onde as pessoas deveriam manifestar seu interesse em participar das comemorações.

Não demorou que a lista chegasse em André, que até então tinha passado todo o tempo rabiscando o caderno, contando os segundos para que terminassem logo de resolver as coisas da formatura. Ele realmente não tinha vontade de participar, sequer tinha amigos.

– Ah não, o gordo vai assinar a lista! – alguém gritou, fazendo os colegas rirem. André sentiu todos os olhares da classe sobre si. Pairava no ar uma expectativa sobre sua ação. André sabia que daria uma satisfação enorme aos colegas se passasse o papel intocado adiante. E ficariam muito irritados se ele assinasse. Não pretendia participar de nada, de qualquer jeito.

– Não, não vou. – André respondeu e entregou o papel para a pessoa mais próxima.

Por um segundo, a sala pareceu prestes a fazer um coro, incentivando mais trocas de alfinetadas, mas João Novais levantou repentinamente e pôs os colegas em silêncio. Aproximou-se de André.

– Como se fosse fazer diferença. Gordo, você não aprendeu ainda que ninguém aqui liga se você existe?

Algumas pessoas riram, menos que da outra vez. André sustentou o olhar ameaçador de Novais. Percebeu o colega cerra o punho e preparar um ataque, mas o professor retornou à sala e mandou que todos voltassem aos seus respectivos lugares.

Sala da Contabilidade, Edifício Cruzeiro do Sul, Avenida Paulista, 12:30, 29 de outubro de 2010.

– André, quer ir almoçar com a gente? – Luana chamou, próxima á porta da sala dividida em escrivaninhas e cubículos.

– Não, obrigado. – ele respondeu, quase de forma automática. Luana pareceu um pouco decepcionada, mas não havia tempo para pensar nisso agora. Depois de verificar a mochila que havia passado toda a manhã ao seu lado, o rapaz achou que deveria andar um pouco. Não deveria se deixar interromper por outras pessoas, precisava revisar o plano mentalmente mais uma vez e sabia que a presença de Luana poderia ser capaz de dissuadi-lo, mesmo sem que a jovem soubesse quais eram as intenções do colega.

– Imagina se você pudesse ter as duas, André? Você ia querer ver a Luana e a Helena fodendo juntas?

– Cala a boca. – André rosnou para Leiden. Estavam numa pequena sacada atrás da copa do escritório que era usada como área de fumantes. Percebeu que aproximava-se do fim sua tolerância às constantes provocações dela. Havia sido quase um sacrifício passar toda a noite com a criatura.

– A Helena ia ficar tão triste. A Luana é rechonchuda que nem você, mas pelo menos não é deformada que nem sua amiguinha.

– Cala a boca. Cala a boca. – André murmurou, protegendo os ouvidos com as mãos. Sua atitude atraiu o olhar de reprovação de duas funcionárias que estavam conversando pouco mais adiante.

Ele murmurou desculpas e saiu dali depressa, irritado em ver a figura de olhos amarelos sentada no parapeito da sacada, dando risadinhas. Andou pelo escritório sem ter um rumo definido, foi até o sanitário masculino mais próximo e lavou o rosto. As luzes piscaram por um momento e ele estava no banheiro da escola, ouvindo um garoto chorando no box logo atrás de si a despeito da insistência de um professor para que saísse dali e encarasse seus problemas.

“André, você tem dezessete anos. Já não tem mais idade para isso.”

Claro, porque não era com você. André guardou para sempre a vontade de retrucar ao homem com tais palavras.

– E essa insistência que os losers tem em se esconder no banheiro? – Leiden estava em todos os espelhos, sua expressão demonstrava tédio. – Já tinha se dado mal uma vez. Daquela vez você teve sorte que o professor apareceu primeiro.

“Só que isso não impediu deles te machucarem de novo, né?”

O rapaz fechou os olhos por alguns segundos, as poucas horas dormidas na noite anterior, a ansiedade, as memórias... Essas coisas somavam-se para massacrá-lo. Ao reabrir as pálpebras, estava novamente sozinho, embora não menos tenso e assustado.



Havia um certo furor ao redor da mesa de Luana que apenas aumentava enquanto as pessoas voltavam do horário de almoço.

– Calma, gente. – ela dizia, as faces redondas ficando cada vez mais vermelhas – Não posso almoçar com colegas de trabalho?

– Da gerência? – falou uma moça do setor de marketing, com um tom de voz provocativo.

– Ele pediu para sentar comigo, se quer saber! – Luana respondeu, parecendo ofendida, pouco antes de Ramires chegar, mandando as pessoas de volta ao trabalho.

André estava chocado, um estranha sensação de ultraje atravessou seu corpo enquanto ocupava seu costumeiro lugar ao lado do Nogueira. Foi a deixa para que Leiden surgisse, enroscando os braços ao redor dos ombros de André, a voz perigosamente baixa sendo lentamente sibilada ao ouvido do rapaz:
          – Então ela
foi almoçar com o Novais?

– Não sei. – André sussurrou, aborrecido.

– É claro que foi. Quem não ia resistir? Tão perfeito, tão bonito... E rico. Ele é muito rico, não é?
          – Não me importa. – ele respondeu, fazendo uma pilha de papéis e fingindo que estava ocupado.

– Claro que importa! – Leiden falou, batendo uma mão contra a outra, muito alegre – Agora você sabe, André. Agora você sabe que Luana é mesmo uma p...
– Não fala assim dela! – André disse, a voz um tom mais alta. Nogueira o encarou, espantado. Sem dizer mais nada, o rapaz baixou a cabeça e voltou a tentar se ocupar. Ainda ouviu Laiden dizer que ele era “um amor” e sentiu o toque gélido dela quando deixou um beijo na face do jovem, desaparecendo em seguida. André queria chorar, de novo.

Mais do que nunca, agora você não tem mais idade para isso. Por isso que estou te ajudando. Mova-se, mova-se, faltam poucas horas.

          O segundo turno de trabalho passou rápido. André levantou várias vezes com a desculpa de ir ao banheiro. Não era ao todo má ideia, porque quanto mais perto o marcador das horas chegava no número seis, mais ele sentia vontade de vomitar. Não parava de suar e isso o fazia pensar numa litania de ofensas e grosserias por causa de sua aparência.

Foi o primeiro a deixar o escritório ao ser anunciado o fim do expediente. Não teria lembrado de bater o cartão se não tivesse sido avisado por outro colega. Agradeceu quase de forma automática. Suas mãos tremiam o tempo todo. Pensou em desistir cada vez que a luz do elevador sinalizava um andar a menos. Pensou na dona Eulália. Ela reconheceria como seu filho o ser pálido e soturno que parecia ter tomado posse das feições antigas do rapaz. Então André lembrou do desespero nos olhos de Eulália, a luz da ambulância piscando logo acima, em meio a pessoas de branco vestindo máscaras. Por um bom tempo, tudo que ele teve para ver era o desespero da mãe, incapaz de fazer algo pelo filho. Ela chorava e rezava. Pedia para que fizessem algo, então tiraram ela de lá.

André respirou fundo, não queria pensar naquilo. Precisava manter-se lúcido, não podia falhar antes mesmo de por seu plano em prática. Talvez ela ficasse feliz em saber que finalmente o filho estava tomando uma atitude. É, era quase um ato cavalheiresco.


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