Silêncio do Olhar escrita por Dumpling


Capítulo 19
Morte




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A morte… é um rumor, é uma passagem, é uma outra forma de viver. É o fim, o término, o fechar do pano. É ridícula, é triste… Inexplicável.

Creio mais que seja o fechar do véu e o sarar das feridas que não cicatrizaram enquanto vivíamos. Dá para rir, a morte… É tão inesperada, que me faz rir! Porque para tudo há uma espécie de aviso, e a morte chega sem bater à porta… Desejava que desse três toques e falasse breve e num sussurro, me desse uns minutos para avisar quem amo e dizer aquilo que realmente sinto, para que não ficassem com remorsos das suas últimas palavras.

Ah! Mas é, mesmo assim, ridícula! E surgiu negra naquele dia em que um determinado louco conduzia um carro que nem um louco e lhe desse para matar… por ser louco, cego e obcecado. Não, não era amor! Não era amor… E ponto. Obsessão não é sinónimo de amor! Venham com histórias da Carochinha, ninguém me convence que uma mulher é mais feliz se viver em função das opções masculinas, cedendo a tudo o que ele impõe.

Mas, voltando ao tema inicial… a morte. Quis naquele dia terminar com um inocente e um demente, e mudar três ou mais vidas para sempre. Quem mo dizia eram aquelas mãos sob a minha, quentes e trémulas, e aqueles olhos que contavam uma história, a minha história, a sua história… a nossa. A morte não nos apanhara naquele dia, queria ela que ainda tivéssemos uma história para contar no purgatório. Chamou de leve meu nome e suspirou suave.

- Serena?… Como é que te sentes? – Olhei todas as máquinas em volta e o branco que cobria a sala e a sua face. – Creio que seja melhor chamar o teu médico.

E breve, mas tão rápido, lembrei de parte do ocorrido: da última agressão de Seiya, e de pensar que ele me ia deixar ali estendida, num sufoco. Mas não. Nessa vez levou-me. E quando acordei, lembro-me do sangue no meu vestido, das dores na barriga e das mãos atadas, literalmente, no chão da parte de trás do carro e senti a velocidade fora do normal. Ao levantar-me, olhei para o carro ao lado e lembrei o pânico de três homens. E de Seiya com a face rubra; de nada dizer e de esperar o pior… até não puder lembrar mais.

- Óptima notícia! – O homem de bata branca já de certa idade festejava, enquanto olhava para mim. Atrás dele, Darien sorria com o olhar ente a ligadura na cabeça e se apoiava fortemente numa muleta. – 27 Dias é um sucesso para um caso como o seu, menina Tsukino!

Não era difícil perceber, mesmo confusa por todas aquelas lembranças. Após o acidente, dormira 27 dias. Eu não olhava o médico, que naquele momento analisava uma ficha qualquer enquanto me tocava em vários pontos a perguntar se eu os sentia… Olhava Darien. O seu olhar mostrava uma tristeza que metia dó. Ele não me olhava, parecia ter fixado um ponto qualquer na parede e o ar era pensativo.

- Sente tudo Tsukino. Óptimo! O tempo que esteve em coma foram uma recuperação para si então… - Depois disso só ouvi a sua voz, não as suas palavras.

- Doutor, - Olhei então o médico. – podia-me deixar a sós com o Darien, por favor?

- Cl-claro… - Parou confuso e chegou a ficha perto do peito. – Se acontecer alguma coisa ele também sabe o que fazer certamente. Com licença.

Lentamente, endireitei-me na cama, ainda sentia imensas dores, o que era normal após o sucedido. Ele sorriu, e os olhos brilharam.

- O Seiya… - Fiquei em silêncio, esperando que ele percebesse.

- Sim. E o Kunzite, também.

- A culpa não é tua.

- Eu sei… ele ia sem cinto, as autoridades dizem que ele se teria salvo caso o tivesse posto… Ainda assim, não consigo deixar de a sentir. Se eu nunca tivesse andado atrás de ti, ou mesmo nunca lhe tivesse dito nada, ele não teria provocado o acidente.

- Mesmo assim…

- Mas, - Interrompeu, colocando a sua mão quente na minha face. – caso eu tivesse ficado parado, terias ido tu no lugar dele. – Começou a chorar timidamente, como nunca tinha visto. E o meu coração aqueceu instantaneamente, arrepiando-me. – E eu, isso.. nunca ia perdoar! Foi um pouco do que eu pensei nestes 24 dias… Não fui ao funeral, também demorei 3 dias a acordar, 10 a recuperar e todos eles junto a ti.

- Por isso te senti…

- Estive sempre aqui perto. Infelizmente, ainda não terminou tudo…

- Previ que não. – Suspirei brevemente. – Eles continuam cá?

- Sim. – Referia-me aos irmãos e mãe de Seiya. – E tu és o milagre. Sem cinto, como o Kunzite, atada, no carro que ficou em pior estado. Notícia nacional! Agora que acordaste, ainda mais… mas tens de descansar!

Eu não me sentia tão mal o quanto devia ou se previa, mas cedi, por cansaço a tudo o que surgia na minha mente. Horas depois acordei só naquele quarto. Não era apenas solidão que sentia… um vazio imenso invadia-me. Talvez por ele não estar ali… Chorei e arrepiei-me como se sentisse uma alma perturbada junto de mim, apercebi-me então da presença de Naomi, a minha agora ex-sogra e quem devia estar com mais interrogações. Dormia no sofá de estofos pretos em frente à cama; todo aquele branco e aquele contraste tão sustento da mulher de preto deitada no sofá preto junto daquele candeeiro preto. Voltei a adormecer e, quando acordei novamente, ouvia apenas a voz de Darien… parecia aborrecido.

- O que se pas…

- Finalmente! – Naomi Kou entrou pelo quarto a dentro empurrando Darien com o ombro e dirigindo-se perto de mim, antes mesmo que ele percebesse que eu tinha acordado. Agarrou-se à minha mão e Darien tentou tirá-la quase como se ela fosse o inimigo.

- Homem estúpido! Deixe-me! – Ajeitou o cabelo com um leve aceno com a cabeça e suspirou. – Serena, eu precisava de falar contigo.

- Não, não precisa! Já lhe disse que ela tem de descansar e não de aturar com aquilo que não acredita. – Darien continuava, irritado. - O problema é seu e o que ela vai dizer é só uma afirmação de que nada fará desaparecer o que aconteceu!

- É mentira, não é? – A súplica no olhar dela, e a confusão no meu. – O meu Seiya, ele nunca te bateu… pois não?

Darien engoliu em seco e eu desesperei. Os olhos dela eram iguais aos dele… O cabelo era negro como o dele… fazendo parecer que os outros dois não eram seus filhos. Darien pediu-me e desviou o lençol para lhe mostrar uma das marcas nas minhas costas e a marca profunda na barriga. Ah… fez-me lembrar que, mesmo morto deixara sinais dele irreversíveis. Eu senti pena dela e quase que ia dizer a mim mesma que tinha de negar para deixar uma boa memória do seu filho. Lembranças de quando ele era bebé, adolescente ou até do infeliz casamento em que ela era mais uma das iludidas. E continuava. O problema era esse… Mas eu não podia negar a vida que passara, os anos de sofrimento quando todo o mal já se abatera sobre mim.

- Não lhe vou dizer que não. Lamento a morte dele, lamento que tenha terminado assim… mas a escolha foi dele. – Os olhos dela arregalaram-se. Parecia que a surpresa lhe invadia todos os poros da pele. - Se eu disser que nada aconteceu, vou-me magoar a mim. Mais do que ele me magoou… acredite que, mais do que ninguém, lamento não me ter caído nenhuma lágrima quando soube. Só tenho pena do Kunzite...

- Estás a mentir! O meu filho deu-te tudo. Nunca precisas-te de fazer nada na vida e é assim que agradeces?! Só falta dizeres que não lhe vais prestar homenagem… eu sempre te tratei como uma filha!

- Oiça! Eu sei que está magoada mas… acusar-me? Está a dizer que me aproveitei dele? Isso eu não lhe admito por muito que esteja de luto! Já lhe disse… queria chorar por ele mas não consigo. E não estou a dizer que não vá prestar homenagem, ainda que ao homem que me tentou matar! Por um erro…

Darien tentou acalmá-la. Eu sabia que muito ficava ali por dizer mas… ela apenas suspirou, sentou-se e parecia disposta a ouvir o que o filho que acabara de enterrar tinha sido na realidade. Nego. Não tinha criado um filho monstro, Taiki já lhe tinha dito o que vira na estadia em nossa casa. Desconhecia a bebedeira, as noites fora, as faltas ao trabalho… Sentia-me capaz de contar tudo, ainda que soubesse que lhe estava a dar facadas no coração… Ela pedia mais. Admitiu que, em todos os dias que esperara que eu acordasse, apontara o dedo a Darien e a mim, que eu o tinha traído e não era boa mulher. Que não lhe queria dar um filho… Mas continuava a desconhecer a causa de toda aquela perseguição.

- Bem, eu julgo que já deve saber… a Minako, uma amiga minha, está grávida do seu filho Yaten. – Afinal não sabia, olhava-me de novo com os olhos arregalados. Darien também, afinal só eu sabia o porquê de toda aquela loucura, do erro da sua suposição. – Ela foi a minha casa fazer o teste, deu positivo e o Seiya descobriu esse teste… então disse-me que era estéril, acusou-me de engravidar do Darien e bateu-me, esfaqueou-me a barriga… até eu não o sentir mais. Depois só me lembro de acordar no carro.

O olhar dela parecia perdido. E o de Darien, mais uma vez, esmorecia.

- O causador disto tudo está morto. - Contemplei-o. – Pode-me acusar quantas vezes quiser, pode tentar achar um culpado para a vida que o seu filho levou… mas não acho justo que alguém tenha de levar pelas asneiras dele. Eu mesma estava farta e não o ia deixar… então, pode-me chamar quantos nomes quiser. Mas eu aguentei tudo, e ou ia ele… ou ia eu pelas mãos dele. – Ela olhou-me séria. – Você não sabe o quanto sofri antes de o conhecer, eu não tinha memória, não tinha ninguém… e eu vi-o como um anjo na minha vida! Pensava que me ia salvar e tirar daquele esquecimento mas, afinal, só me afastou do paraíso para depois me trazer de volta a ele e forçar-me a ver o inferno.

- Desculpa, filha… Mas não sei como lidar com isto. O Yaten contou-me que quando saiam juntos ele via-o trair-te… O Taiki disse-me que desconfiava que tinhas caído das escadas por teres sido empurrada por ele… Mas eu queria ouvir de ti. – Afinal eles sabiam mais do que eu imaginava e preferiram ignorar. – Acho que tinha esperança que todas as notícias fossem falsas…

Mas não eram. E agora eu era prova disso, era o que restara… Após uma longa conversa, com várias desculpas da sua parte, disse-lhe novamente que tencionava prestar homenagem ao filho. Estava ali para fazer do seu filho um santo aos olhos dos outros… para ela, as aparências contavam mais do que a verdade. Feita a promessa, saiu com queixo erguido. E eu… enquanto olhava a janela pensava quantas mais vidas podia desperdiçar, já que parte desta tinha sido o caos… E, quando o sol se escondeu tímido nas nuvens cinzentas, lembrei o dia em que Darien me tinha pedido em casamento. O suposto dia feliz tornado num inferno; dos meus gritos abafados por uma mão cujos longos dedos cobriam toda a minha face e tocavam todas as partes do meu corpo como se fossem dele, de me silenciar com os seus olhos, hipnotizando-me, de cobrir o meu coração com estigmas que jamais poderiam desaparecer de minutos fazerem o tormento até que meu ventre ficasse de cor escarlate. Ao lembrar-me disto, revi toda a minha vida. O que aquele homem cujos cabelos condiziam perfeitamente com aquelas nuvens fizera em minutos para acabar comigo, não tinham sido mais do que Seiya fizera em anos da minha vida. Palpando o meu âmago, dava perfeitamente para entender. ELE compreendia. Aquele que sorria languidamente para mim.

Quatro dias se passaram, os dois últimos longe de Darien. Ele continuava a tratar de coisas e quando aparecia no hospital era quando eu já repousava. Agora que eu sabia quem era, sabia que a fragilidade não fazia parte de mim. Sabia-me forte… tão forte! E nem aquela cadeira de rodas que me transportava para o carro de Andrew me fazia mais vulnerável. Com a cabeça erguida, sorri para os jornalistas dos quais já me tinham alertado. Não havia nada a dizer… Eles próprios já haviam tirado as suas conclusões, algumas menos favoráveis a mim mas não me importava minimamente. Perante a insistência de Naomi, trajei de negro para prestar homenagem “por fim”, suspirava.

Darien conhecia como ninguém o significado das flores, que eu dizia à minha ex-sogra ter sido uma escolha da florista. Mas era mentira, pelo contrário, a senhora de avental verde olhou para mim e Darien com uma expressão de dúvida… mas a realidade é que não podia atribuir nelas certos significados que em vida não lhe caíra bem. E Naomi não precisava de saber que aquele arranjo de narcisos, a condizer com os crisântemos amarelos e brancos significavam a sua personalidade egoísta e as suas mentiras, com o meu amor frágil e a verdade a que me mantive fiel; no meio, fiz questão de aplicar subtil um jacinto púrpura, demonstrando a minha mágoa e um botão de açucena… em prova do meu perdão.

Quando as coloquei no jazigo negro, Naomi chorou e agradeceu a minha presença. Os irmãos acenaram breve e levaram a mãe; havia vida além do Seiya e eles, principalmente Yaten, tinham assuntos a resolver. Rapidamente fui levada dali para fora pelas mãos de Darien, que me sentava no banco. As minhas pernas estavam em mau estado e o meu ventre ainda doía. Não questionava Darien, não sabia onde ele me ia levar mas confiava… sabia que podia confiar em alguém em tantos anos e sorri quando ele se sentou ao meu lado, pedindo a Andrew para arrancar.

- As flores têm muitos significados… vê se te lembras do significado desta.

- Lembro, tão bem! – Suspirei perante a rosa vermelha. – Não é só amor…

- Não. – Interrompeu, com voz rouca. – Tem um significado único para ti. É que nela estão só bons sentimentos… não é uma mera flor dos amantes, pelo desejo e paixão.

- Lembrava-me sempre de um olhar quando passava por rosas vermelhas… mas não lembrava o de quem. Como pude esquecer?

- Não te culpes mais, já chega por hoje.

Seguimos entre risadas de lembranças antigas, em honra da celebração da vida, em direcção ao Templo Hikawa, onde as meninas nos esperavam… bem como Serenity. Esta apenas nos queria desejar sorte. Sorriu pelo facto de, ainda que ao ter feito asneira ao dizer a Mina para ir a minha casa, não se podia culpar a si mesma, ou seja, a mim que era alheia àquela ideia.

Depois partiu, dizendo que agora via um futuro brilhante à nossa frente. Chibiusa estava bem. Algumas coisas tinham mudado em Crystal Tokyo mas eram só bons acontecimentos à conta daquele destino trocado.

- Eu mal queria acreditar quando soube que a minha premonição se tinha realizado… naquela ameaça que ficou no teu telemóvel antes do acidente, naquela cama cheia de sangue… que o Kunzite… - Suspirou Rey, tentando afastar as lembranças do que vira.

- Acabou tudo. – Darien sorriu de leve, enquanto se sentava. – Não vamos olhar mais para trás. Espera-nos o resto da nossa vida e só temos de pensar positivo.

Seria mesmo assim?

Continua.


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Notas finais do capítulo

Daqui a uns dias postarei o Epílogo e dou término à fanfic. Espero que Não sei mais viver sem você não vá pelo mesmo caminho desta Até porque tenho outra em mente e grandes expectativas nela. Porque estou com ideia de escrever e publicar um livro sei lá antes de o fazer, claro que gostava de saber o que acham da escrita. Mas guardo sempre no coração e nunca vou esquecer quando o fizer das pessoas que vieram sempre aqui dar uma palavra.



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