Vamos Desenhar? escrita por JuliaMolinari


Capítulo 1
One-shot




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Chiyo girou o lápis cor de rosa entre os dedos, depois o levou à boca pensativa. “Hum...” Procurar inspiração não era problema para ela. Com apenas um papel e uma cor, já produzia infinitas obras, todas belas e tocantes.

Difícil era lidar com esse tipo de talento tão cedo. Desde sempre os artistas foram sensíveis demais, intensos. Coisas simples os tocavam e assustavam; feriam-se facilmente, viam belezas em simplicidades, e se confundiam ao tentar expressar seus sentimentos.

Bem, ela não era uma exceção. Tão nova e tão talentosa... Aos poucos as pessoas já começavam a descobrir suas habilidades, procuravam-na para realizar trabalhos, valorizavam suas obras. Tratada como um prodígio, e com motivo, a garota cedo já entrara no mundo dos adultos ─ o mundo dos negócios.

No entanto, ela parecia não ver problemas nisso. Amava desenhar, e enquanto pudesse fazer isso estava feliz. Os pais a incentivavam, após perceber o talento da garota, e permitiam que ela passasse as tardes desenhando e pintando. Um dia teriam uma filha famosa! Ela não pensava assim. A única coisa que queria era passar seu tempo produzindo mais e mais desenhos; as conseqüências disso não lhe interessavam.

Olhou pela janela ainda pensativa, e suspirou reparando nas cerejeiras floridas. “Realmente, cor de rosa é a cor da primavera...” pensou observando as flores. “A cor do verão é o vermelho, e do outono é o marrom. E ciano ... Definitivamente a cor do inverno. Ciano claro...”

Começou a esboçar uma flor de cerejeira, com o traço muito leve. Tal era a delicadeza e precisão de suas linhas, que de tão claras quase não se podia vê-las. Depois do esboço terminado, passaria traços mais fortes, delineando os contornos e destacando as luzes e sombras. Já visualizava a imagem, tomando cuidado para que a reprodução no papel ficasse igual ao que ela imaginava.

A porta da sala se abriu e alguém entrou sorrateiramente. Ela tirou o lápis do papel para olhar o jovem que adentrava na sala com passos macios, quase sem emitir sons. Parecia que o menino flutuava, tal era a graça de seus movimentos. Ele sorriu levemente ao vê-la, parando de andar e dirigindo-lhe a palavra.

─ Bom dia.

Chiyo retribuiu o sorriso, permitindo que seus olhos encontrassem os deles, e deliciando-se com a cor azul muito viva. Ciano claro.

─ Bom dia Seichii-kun.

Ele fez um cumprimento com a cabeça e desviou seu olhar do dela, o que chateou um pouco a menina. Ainda sorrindo, sentou-se numa cadeira do outro lado da sala, em frente a um cavalete alto, onde estava encostada uma tela.

A pintura já estava começada. Era um abstrato, de cores muito brilhantes. Tons de lilás misturavam-se com um amarelo limão neon, criando formas complexas e arredondadas. O fundo azul marinho contrastava com as outras tintas brilhantes. Vermelho, verde, prata, laranja, rosa choque, nenhuma delas faltava.

A menina suspirou baixo enquanto observava pela centésima vez a pintura. Amava cores. Simplesmente não conseguia descrever ou desenhar o quanto amava aquilo. Para ela, tudo não passava de tons. Pessoas, lugares, objetos, ela os via como cores. Os definia como cores.

Quando conhecia alguém, por exemplo, olhava nas cores de suas roupas, seus olhos, seu cabelo, e analisava tudo isso minuciosamente com a precisão que só ela possuía. Achava que as cores diziam muito da pessoa. Principalmente os olhos. Ah, como se deliciava procurando olhos de cores e brilhos deferentes...

Os tons frios a atraiam mais. Azul e verde, os mais comuns em suas obras, de preferência claros. Também adorava branco, enlouquecia ao ver a neve todo ano no inverno. Era a época em que tinha mais inspiração – e a que mais sofria.

Porque a cor que mais a lembrava do inverno era o Ciano claro. A cor daqueles olhos tão vibrantes, tão expressivos. Seichii não precisava falar muito, ela conseguia entendê-lo pelo brilho das íris. E isso que mais a atormentava... Pois naquele tom inimaginavelmente belo, Chiyo não via nem um traço de amor quando o olhava nos olhos.

Seichii pegou um pincel e mergulhou-o num pote de uma tinta que ainda não usara na tela. A garota parou de observar a pintura e voltou para seu desenho, um pouco melancólica. Realmente, como os artistas sofriam! Amor platônico, que besteira... Pessoas normais desistem quando não vêem que não há mais chances, e partem para outra. Mas não, ela tinha que amar só a ele, não aceitar mais ninguém. E ainda não conseguia nem se declarar. Patético.

─ O que está fazendo aqui há essa hora?

A voz dele despertou Chiyo de seus devaneios. Tirou do avental o seu relógio de bolso prateado e, abrindo-o, checou as horas. Ainda não tinha dado o sinal do intervalo. Dando de ombros, guardou-o novamente, e falou indiferente:

─ Matei a aula de física, precisava terminar um trabalho.

─ Hum... ─ O resmungo de resposta do garoto era indecifrável.

─ E você?

─ Aula vaga. Professora doente.

Ele era assim, alguém de poucas palavras. Tranqüilo, sereno, nunca ela vira-o alterado. Sempre com aquela expressão branda, não chamava muita atenção. Cabelos escuros um pouco acinzentados, corpo magro de porte médio. Não era um jovem feio, mas estava longe de se destacar como um dos mais bonitos da escola. O que lhe diferenciava eram os belos olhos claros. No entanto, como era quieto demais, não fazia muito sucesso.

Passavam as tardes assim: os dois, lá no clube de artes, que não tinha mais integrantes. Desenhando e pintando. Ela com papel e ele, com suas telas. Mais ninguém entrara no clube naquele ano, então o espaço sobrava para apenas os dois. A sala era ampla, com estantes de madeira para guardar os materiais e vários cavaletes empilhados num canto. Uma janela grande fornecia luz suficiente para eles trabalharem até o final da tarde sem precisar acender as lâmpadas.

Novamente ela voltou-se para seu desenho. Estava meio difícil se concentrar... Rabiscou mais algumas flores, desinteressada. Talvez se tentasse desenhar outra coisa... É, não estava com ânimo pra fazer flores. Que tal uma borboleta? Uma paisagem? Não conseguia se decidir... Tinha idéias demais e nenhuma lhe parecia boa.

Afastou os fios loiros e curtos do rosto para ver se conseguia mais concentração, mas quase caiu da cadeira de susto ao ouvir um pigarro do colega.

            Voltou a olhar para ele. O menino nem se desviara da sua tela, trabalhava nela sem pressa, fazendo detalhes com um pincel pequeno. “Aquilo está realmente bonito...” Pensou observando o quadro. Técnica não lhe faltava. O garoto tinha tanta habilidade quanto ela, se não até mais. Mas preferia guardar seus trabalhos para si mesmo, mantendo seu talento escondido do mundo.

            Com mais um suspiro, ela colocou o lápis na mesa. Parecia que não iria conseguir produzir muito naquela tarde... O dia estava claro, bonito, fresco, nada podia atrapalhá-la. Tirando é claro o fato que ela não conseguia pensar em nada direito quando estava perto de Seichii.

              Bem, era sempre assim. Quando o menino entrava na sala ela corava, olhava ele nos olhos à procura de alguma manifestação, e quando não a encontrava ficava desconcentrada e não conseguia desenhar muita coisa mais. Logo ela, normalmente tão extrovertida, ficava uma medrosa inútil na frente dele.

              Como queria contar como se sentia! Mesmo que ele recusasse-a, pelo menos ela tiraria esse peso do peito. Poderia então se contentar e desistindo, partir para outra... No entanto permanecia naquele impasse: “Só quero ele, mais ninguém, mas não sei o que dizer... Ah, se ele me der um fora, o que eu faço?!” Como era covarde!

              Aborreceu-se com esses pensamentos, e abaixou a cabeça. Queria chorar. Não podia! Onde já se viu chorar na frente dele? Devia manter a imagem da menina forte, corajosa, decidida. Sim, era isso que sempre fazia. Mas não agüentava mais continuar desse jeito...

              Uma única lágrima escorreu do rosto, e ela correu para enxugá-la antes que qualquer um visse. Quando erguei a cabeça sentiu uma respiração próxima a ela.

             ─ Bonito. ─ falou a voz suave.

             Ela virou-se surpresa e deparou-se com Seichii ao seu lado, observando flores incompletas no papel. Chiyo corou um pouco com o elogio.

             ─ Ainda não acabei... Hoje não é um bom dia. ─ falou simplesmente.

            Chiyo voltou a abaixar a cabeça. Por que é que ele tinha que aparecer logo numa hora dessas? Inconveniente.

            Seichii olhou pela janela, observando a paisagem por alguns instantes em silêncio. Suspirou baixo e dirigiu-se à amiga:

            ─ Cor de rosa combina com você, sabia? ─ o comentário assustou-a ─ Por sinal, as flores de cerejeira fazem eu me lembrar de você...

            Ela prendeu a respiração, estupefata. Por que ele tinha que dizer essas coisas? Isso a feria mais ainda. Eram elogios, mas não os elogios que ela queria ouvir. Eram bons, doces, mas ela sabia que quem os proferia nunca seria dela... Isso era tortura.

            ─ Você está bem?

           Chiyo percebeu que fazia uma cara abatida, e tentou recompor-se. O menino olhava para ela um pouco preocupado.

           ─ Ah, não é nada. Dia ruim, sabe? Um pouco de dor de cabeça... ─ “Que desculpa horrorosa! Não podia pensar em algo melhor?!” – Acho que não vou conseguir desenhar muita coisa hoje...

           Ela virou-se de costas novamente, evitando olhar para o amigo. Sentiu um movimento atrás dela e concluiu que o garoto sentara-se novamente. Com uma pontada de melancólica, contentou-se com aquilo. Ele não a dava atenção, isso não era novidade. Devia aceitar de uma vez...

           Algo quente e grande pressionou seu ombro, devagar. Ela assustou-se, movendo o corpo num espasmo defensivo. Seichii, ainda atrás dela, sussurrou em seu ouvido.

           ─ É um desenho muito bonito... Seria uma pena não terminá-lo.

          Chiyo virou-se para ele corada, e percebeu que ele sorria. Suave, discreto, mas claramente um sorriso. Ela se arriscou a olhar novamente nos seus olhos, e um arrepio saboroso percorreu seu corpo. Havia um brilho... Um brilho diferente. Quase imperceptível, aquela chama discreta trazia um pouco de calor ao infinito inverno cor de Ciano.

         Ainda com uma das mãos no ombro dela, ele pegou o lápis e colocou entre os dedos da menina. Segurou então a mão dela, arrumando-a em posição para tocar o papel com o objeto de desenho, tudo com sutileza e elegância.

        Chiyo também sorriu. Seichii abriu os lábios deixando escapar o hálito fresco e com a voz aveludada inquiriu-a:

        ─ Vamos desenhar?


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Notas finais do capítulo

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