Assim que Gerard adentrou a lanchonete onde trabalhava, tornou-se o centro das atenções, embora a mesma só estivesse preenchida por Mikey e uma família. Apesar de os pais terem disfarçado, as crianças não puderam evitar o riso, assim como seu próprio irmão, o que provocou em Gerard algo muito confuso.

- Gee, que roupa é essa? – perguntou o mais novo, enquanto Gerard se dirigia para trás do balcão, buscando o avental.

- O que há de errado? – o maior piscou algumas vezes, enquanto observava sua calça de veludo cor de tijolo e sua camisa de flanela, cuja cor lembrava vômito.

- Eu não sei... Talvez o fato de parecer que você está de pijama! – Mikey estreitou os olhos, como se tentasse forçar sua cabeça a entender o porquê alguém sairia naquelas condições de sua casa – Um pijama realmente medonho, céus.

Gerard deu nos ombros enquanto caminhava pela lanchonete, contornando cada uma das oito mesas, para só então retornar ao balcão, onde era o seu lugar.

- Sabe como é... Para dar sorte. – explicou ao irmão, como se fosse a primeira vez que fizera tal ritual. – Enfim, não acho que esteja tão mal vestido. Na verdade, estou muito confortável.

- Gerard, é sério: você está ridículo. Já conversamos sobre isso. Sei que acha que tem uma vida normal, mas está longe disso. Acho que já passou da hora de procurar uma ajuda, sim? – Mikey falou sério e, como resposta, o mais velho revirou os olhos, dirigindo-se ao novo cliente que entrara no estabelecimento.

Mikey sempre pegava no pé do irmão quando se tratava de sua doença, dizia que ele deveria procurar ajuda, se tratar, que cuidar da saúde não era um problema, muito pelo contrário. Gerard, por sua vez, achava deveras desnecessário ter que cuidar de algo que não atrapalhava em nada sua vida. Tudo bem que existiam situações peculiares, e o fato de que as pessoas sempre o achavam diferente, embora ele próprio não enxergasse essa diferença toda. Só que isso não era nem de longe um peso em sua vida, a ponto de fazê-lo mudar. Aliás, era da mudança que ele tinha medo.

Estava entretido com as balas, contando uma por uma, como sempre fazia nos momentos vagos, quando foi desperto por uma das crianças que havia rido dele, pouco antes. Era uma menina de cabelos alaranjados, que possuía muitas sardas, as quais Gerard sentiu-se tentado a contar, também.

- Você penteia o seu cabelo de forma engraçada. – pontuou ela, querendo puxar um assunto com seu mais novo ídolo. – É comprido e liso, não parece ser difícil de arrumar, mas mesmo assim você o deixa estranho.

- Hey! – ele não pode conter o riso, apesar de, no momento, ter se sentido bastante ameaçado pela nova interação social – Não há nada com o meu cabelo. Gosto dele assim.

- Na verdade, não é só o cabelo que é engraçado. Você todo é. – a garota observou meticulosamente cada detalhe do mais velho, achando o máximo o fato de existir alguém no mundo como ele – Suas roupas, o jeito que você anda, e até seu jeito de falar são engraçados.

- Se você está dizendo... – Murmurou, enquanto os pais dela vinham acertar a conta e descobriu, por meio destes, que aquela menina tão espirituosa se chamava Emma. Esperou que a família abandonasse a lanchonete e então sua atenção se voltou novamente às balas, que esperavam ser contadas.

Naquela tarde, quando chegou ao parque para finalizar os últimos detalhes de sua tela, sentiu-se indisposto, sem vontade alguma de pintar. Ao invés disso, preferiu ficar sentado ali mesmo, pensando no que seu irmão e Emma haviam dito e nas coisas que já havia vivido.

Muitas lembranças invadiram sua mente. Gerard se lembrou de várias situações engraçadas que já vivenciara. Lembrou de certa vez que fora apenas de cueca para o colégio, por julgar ser confortável, e para ele, era o que bastava.

Lembrou, também, de quando sua casa ficava cheia de parentes e, por não levar jeito conversando com as pessoas, carregava um bloquinho para cima e para baixo, onde desenhava, quando queria se comunicar com alguém.

Gerard suspirou, agora um pouco triste com a situação. Talvez fosse de fato diferente das outras pessoas, mas isso nunca lhe pareceu um problema. Porém, naquele momento, tudo o que o homem conseguiu pensar é que talvez não fosse má idéia procurar algum tipo de ajuda.

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