Bonecas escrita por PrincessGrey


Capítulo 1
Bonecas




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Ela não era bonita. Estava entregue á si mesma, e aquilo machucava. Sentada á grama verde do jardim, brincava com suas bonecas e admirava a perfeição delas, o quanto elas eram belas. Desejou ser como suas bonecas. Lágrimas escapavam dos olhos, lágrimas de raiva, lágrimas de inferioridade. O sol era quente, o céu era azul e sem nuvens. Seu vestido estava sujo de terra, sua mãe se irritaria com ela, e diria todas aquelas coisas feias novamente, coisas que a faziam chorar. Mais lágrimas, silenciosas, ocultas pelo cabelo que caía no rosto.

Levantou a cabeça. Lá estava ele. Seu vizinho. Não sabia seu nome, mas estava sempre o olhando. Ele era bonito, sempre o via sorrindo. Queria que ele sorrisse daquele jeito para ela, sempre desejou que ele sorrisse para ela, que ele a abraçasse. Os olhos dele eram azuis e pareciam sempre felizes. Naquele dia, ele estava com uma moça, muito parecida com sua boneca. Era linda. Ele a beijava ternamente, enquanto ela dava risadas, ele procurava a chave de casa nos bolsos. As lágrimas da menina desciam, sem que ela percebesse mais, o choro a consumia.

  Soltara as bonecas, as jogara longe, com seus perfeitos corpos de plástico, e seus lindos penteados que jamais se desmanchariam, ela era apenas uma rejeitada, e todo o tempo, alguém lhe lembraria daquilo. As pessoas da escola eram más, a mãe era má, o pai usava uma máscara que apenas ela enxergava. Os seus sonhos a atormentavam, eram os pesadelos disfarçados, que a queriam, a desejavam.

  Levantou-se, ajeitando o vestido ao corpo, abriu a porta de casa, a cabeça abaixada, às mãos e as unhas sujas de terra, o cabelo cobrindo o rosto. A mãe lia o jornal na sala, a televisão ligada, sentada a poltrona. 

- Eu não quero dormir esta noite.

A mãe ouviu a frase da filha sem se importar. Aquela menina estranha. Eram onze da manhã e ela vinha com aquelas conversas. Ficava estressada só em pensar em criticá-la e por um pouco de juízo naquela cabeça. Era impossível. Devia ter algum problema psicológico. Se ao menos fosse como a irmã mais velha. Era uma completa estranha. Esquisita era a palavra que se encaixava.

- Então não durma. – Disse a mulher, sem ao menos tirar o jornal da frente do rosto. – Faça o que quiser menina. E recolha seus brinquedos do jardim depois.

- Obrigada.  – Respondeu ela.

  Subiu as escadas da casa, dava passos pesados, ela não queria dormir naquela noite e nem nunca mais. Queria ir para longe, aonde não pudessem alcançá-la, e aí sim ela poderia dormir, pois estaria longe. Ela queria ser bela, ela queria ser amada, querida e não era. Alguém tinha de pagar. Ninguém tinha culpa, mas teriam de pagar. Ela teria de pagar. Só ela poderia pagar.

Seu quarto era espaçoso, grande. O ar era quente, e ela olhou o céu azul novamente. Gostava daquela cor. Gostava mais ainda do vermelho. E agora, ela tinha a coragem, ela tinha o poder. Era alguém. Se lembrariam dela, diriam seu nome, chorariam por ela e até sorririam ao lembrar dela carinhosamente. Seria uma boa memória. Seria uma lembrança, e até atreveu-se a desejar que sentissem falta dela e se arrependessem. Deitou-se na cama, após tirar um pequeno canivete na última gaveta de seu criado mudo, o havia pegado de seu irmão mais novo escondida. E o vermelho começava a aparecer, as lágrimas continuavam incessantes enquanto o sangue saía das veias de seu braço, jorravam sem parar, ela não parava, enfiava a lâmina cada vez mais profunda naquelas veias, a dor era grande, e urrava baixo. O sangue manchava o lençol branco, sua mãe brigaria com ela, ora, não estaria mais ali para que ela lhe chamasse a atenção. Estava livre. Fechou os olhos. Só precisava esperar. A dor era profunda, mas ela sabia que tudo ia acabar. Sorriu, os olhos mortiços, e a cor fugindo do rosto.


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