Vinho, Pizza e Eufemismo escrita por SlipperySanity
Notas iniciais do capítulo
Eu achei, por acaso, esta fic numa pasta. Era para a Dane, e estava esquecida lá. Resolvi postá-la aqui. Perdoem possíveis erros de português e formatação. O Nyah! não ajuda com o último.
VINHO, PIZZA E EUFEMISMO
Slippery Sanity
A luz do dia planava fraca, como um aviso de que o anoitecer viria seguido por muita chuva. Camadas de minúsculas gotas caíam ao longo da relva e assentavam-se nas flores como grânulos de cristal, cintilando. As árvores — poucas — pareciam dormir em contato com a névoa, abraçando-a em deleite; mesmo com a brisa frígida de outono cumprimentado-as, seus galhos continuavam imóveis. Um cão ladrava distante, o rumorejo solitário cortando a paisagem.
Automóveis ziguezagueavam, alheios às ruas sonolentas. Os poucos transeuntes começavam a tornarem-se multidões. Todos caminhando em linha reta para seus objetivos, ignorando cada pessoa ao seu redor. Humanos. Egocêntricos.
Ruki sorveu a nicotina, fechando os olhos. A indiferença derretia lentamente enquanto ele os abria, encarando o mundo do topo e lançando a fumaça letárgica; desenhou espirais e evanesceu no ar frio, recolhendo sua insignificância e desaparecendo entre coisas palpáveis. Quão pedante ele era.
— Então, aí ele está — uma voz escarnecedora falou atrás do homem, seguida de um tilintar maçante e uma cadeira arrastando ao chão. — Você não consegue ser normal e dormir?
O mais novo arremessou o cigarro carcomido pela sacada e afastou-se. Ele não se importava. Seus pés descalços batucavam suavemente em contato com o assoalho de madeira, cortando o sossego. Ele suspirou, jogando-se numa cadeira diante de Shiroyama, que comia uma pizza velha alegremente. Ao ver o amigo chegar, ele falou, entre mordidas:
— Honestamente, Chibi. Eu não tenho a menor idéia do que —
— Aoi.
— Sim?
— Você pode calar a boca, por favor?
— Claro — o moreno respondeu, um sorriso amuado formando-se nos lábios rosados. Um esgar desanimado e mais uma dentada no alimento.
Eles observaram-se silenciosamente, olhos azuis presos no além e orbes negros perscrutando e deleitando-se a cada expressão e movimento arisco. Nada viria de Ruki, é claro. Yuu suspirou, pensando em fazer algo para melhorar o dia. Seria um tédio total até a noite, quando deixariam a cidade.
Quando ele iria fazer seu primeiro passo, o rapaz levantou-se.
“Merda”, Shiro pensou, apreensivo. Ele fingiu concentrar-se na massa em sua boca, saboreando a comida lentamente e arqueando uma sobrancelha ao ver Ruki franzir a testa alegremente para o frigobar. “Esse louco quer ficar bêbado a essa hora... o que não é realmente uma má idéia.”
Ele pigarreou, arrastando a cadeira irritantemente. De novo. Ruki levantou o olhar das bebidas que separava concentrado e o observou.
— Mmm? — ele inquiriu inocentemente, acariciando uma garrafa de vinho.
— Nada.
— Supus que sim.
— Não, não é nada — Shiro admitiu. Ele tinha que pensar rapidamente em algo para falar, ou seria interpretado como um idiota. Bem, ele era quase um, orgulhosamente. — Você pretende beber?
Certo. Isso foi muito idiota.
Ruki segurou um riso de deboche.
— Não, eu só acho bebidas alcoólicas particularmente atraentes. Nenhum interesse no conteúdo, de fato — ironizou, levantando uma das garrafas acima de sua cabeça, contra a luz. Ele leu o rótulo e lançou um “ghmm” baixo de prazer. — Esse hotel tem coisas boas!
— Para quem estava resmungando ontem...
— Sim, ontem. Ontem eu não achei isso. E o que aconteceu com o “cale a boca, por favor”?
— Ele foi entusiasticamente ignorado — Aoi cortou, irritado. Isso não estava indo bem. No entanto, ainda havia um sentimento persistente de calor que parecia ter vazado de seus ossos e se acomodado em todo o seu corpo e mente, sussurrando avidamente para ele continuar. Se Ruki não fosse tão mal humorado às manhãs, daria certo.
— Então eu farei questão de entusiasticamente não ignorar algumas outras coisas — o outro lhe lançou um olhar apertado que dizia claramente “você fez algo estúpido ontem à noite”.
— Certo, talvez ele não devesse ser entusiasticamente ignorado — propôs.
— De acordo.
Ruki pegou dois copos, ignorando a retórica ética de que vinho só pode ser bebido em taças. Porém, ao invés de passar a sala e ir para a cozinha, ele sentou-se no carpete bordô e colocou os pés em cima de uma poltrona negra, chamando Aoi desanimadamente:
— Não vai vir?
— Eu estava planejando tomar café.
— Ótimo — Ruki aceitou, sem confabular sobre como ele era um ignorante sem coração que não tinha educação o suficiente para aceitar convites generosos de embriaguez, coisa que fazia freqüentemente. Ele prometeu a si mesmo parar de pensar em compartilhar as coisas, bebidas principalmente. — Não queria dividir, mesmo.
— Carinhoso da sua parte.
— Eu convidei! — assegurou o mais novo.
— Estou indo — Shiro respondeu, perguntando-se que mal faria um pouco de diversão. Era ele quem queria alguma emoção, a priori. Ignorando o fato de que estava com uma dor de cabeça imensa acima de uma ressaca infernal, tudo ótimo.
A banda havia chegado ao hotel ontem após mais um show e, é claro, Kai não perdera a chance de propor um jogo de cartas. O detalhe desimportante era que a cada jogo feito o perdedor teria que beber meio copo de uísque. Não era um copo muito pequeno.
— Você muda de idéia muito rápido. A parte do “não queria dividir” era verdade.
Ruki fingiu não ouvir um “foi entusiasticamenteignorado, Chibi” e lançou uma almofada no outro, esboçando um sorriso. Ele protestou quando Shiroyama pediu — o tom não era bem esse — para ele tirar as pernas da poltrona e avisou que iria sentar em cima delas. Quando não houve resposta, ele simplesmente enxotou seus pés ferozmente para o chão e sentou-se, comentando vitoriosamente:
— Eu mando aqui.
— Fale por você — Ruki crispou os lábios, abrindo a garrafa. Ele fechou os olhos, embriagado pelo aroma da bebida. Até o momento em que o objeto foi tirado de suas mãos violentamente.
— Ei!
— “Ei” o quê? — Shiro desdenhou, balançando a garrafa. — Eu mando aqui, não falei?
— Me devolve. Agora.
O castanho levantou-se do chão, veloz, procurando pela garrafa avidamente. E seria ótimo se ele fosse um pouco mais alto, pensou.
Ele rosnou enquanto o outro ameaçava pôr o líquido na boca.
— Aoi! Me devolve, porra!
— Senão...?
— Senão eu vou — ele pausou, pulando e tentando alcançar os braços levantados do mais velho —, argh! Me dá logo essa merda!
— Você vai “argh”. Muito interessante e assustador. Quase me convenceu.
— Filho da —
— Você quem estava sendo uma completa bunda essa manhã.
Shiro torceu o nariz, ouvindo um risinho estranho.
— O quê?
— Bundas te irritam? — Ruki escarneceu, gargalhando. — Mmmm.
— E agora vai tirar um tempo para duvidar da minha masculinidade?
— Mmmm.
— Certo.
Aoi começou a virar a garrafa lentamente, abrindo um sorriso brilhante e cheio de dentes para Ruki, cujo ainda debochava interiormente, balançando a cabeça. Até que ele percebeu o que o outro esquematizava, levantando as mãos em deferência.
— O que você —
Então o líquido viscoso e violáceo o atingiu, e Ruki teve certeza de que o aroma agridoce nunca sairia de sua pele, mesmo após milhares de banhos perfumados e demorados. Ele ficou parado, perplexo, e quase deixou-se levar ao chão pelas pernas tenras. Uma veia saltou perigosamente em seu pescoço.
Aoi deu um passo para trás, curvando as sobrancelhas.
— Eu — Ruki começou, a voz não mais do que um farfalhar que parecia vir de longe — pretendia beber aquilo. E aí...
Ele se inclinou para o outro, que acompanhava os movimentos defensivamente.
— E aí você jogou tudo em cima de mim.
— Quer dizer que se fosse só um pouco —
— Quer dizer que você vai se foder!
Ruki se jogou em cima do outro, caindo ambos no tapete — agora ensopado, o que daria trabalho para o povo do hotel —, enrodilhados em uma bola de suor e raiva; mais da parte do menor, é claro. Aoi se divertia. Ele virou-se, segurando os braços do castanho acima de sua cabeça, e sentiu o cheiro de vinho encher suas narinas. Aquilo era muito excitante!, ele pensou.
— Chibi...
— O que é? — Ruki virou o rosto, emburrado. — E me solta.
— O “cala a boca, por favor” ainda está de pé?
— É claro que está de pé, seu —
Os lábios se encontraram. Após um breve momento de estupor, Ruki revirou os olhos, pensando “pelo amor dos deuses, se ele queria me beijar, podia falar e parar com toda essa papagaiada!”, e retribuiu o cumprimento com uma língua, que encontrou sua igual e serpenteou por todos os cantos de suas bocas.
Eles ficaram enrolados ali até que Reita os pegou, nus, e provavelmente acordou o prédio inteiro com suas gargalhadas.
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