Sexo, Escola e Rock And Roll escrita por Fernanda Lima


Capítulo 25
A Viagem


Notas iniciais do capítulo

* Versão de Sabrina van Gerard *



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/102262/chapter/25

Olhando para o meu quitinete, ainda não havia caído a ficha do que tinha acontecido nos últimos seis meses.

Perdi mais pessoas que amava. Entrei num colégio novo, fiz amizades, terminei com o meu suposto namorado. Descobri que podia amar alguém do mesmo sexo, e formei um relacionamento firme com essa pessoa. Aprendi muitas coisas, como por exemplo, a mexer num computador. Conquistei o respeito de meus colegas. Mudei-me, pude me divertir de verdade depois de um longo tempo - e, agora, faria minha primeira viagem com os amigos.

Olhando para a mala aberta no chão e as roupas dobradas em cima da cama, lembrei do ponto de minha vida em que achei que isso nunca seria possível. 

Mas as coisas mudam. Mudam tanto, e tão repentinamente, que num dia você desmaia de fome na frente de pessoas em quem não quer confiar - e, no outro, grava suas próprias músicas no seu iMac. 

Sentei-me na cama. Observando o que iria levar, garimpei minha calça preferida, que usara num dia muito especial para mim. Não o mais especial, mas que queria lembrar por muitos anos, e talvez escrever em um diário para que outras pessoas também apreciassem a beleza do acontecido. Naquele dia, descobri o significado da palavra "Amor". 

Segurando a peça de roupa firmemente entre os dedos, a pus com cuidado no fundo da mala - pois não a usava, apenas gostava de tê-la comigo. 

Pouco depois de colocar algumas outras roupas na mala, o interfone tocou. Aparentemente, Maria havia chegado.

- Maria? - Perguntei, na expectativa.

- Ou Miyuri, como achar melhor. - Seu nome japonês me soava como flocos de neve caindo delicadamente em um buquê de flores brancas. Quando se vive de música, tudo que faça algum tipo de som, incluindo nomes, traz alguma imagem à mente.

Abri o portão para ela. Alguns minutos depois, uma linda garota de cabelos longos e esvoaçantes me aguardava à porta, com um embrulho colorido nas mãos.

- É pra você. Imaginei que fosse precisar. 

Colhi o presente de suas mãos. Dentro do pacote, havia uma jaqueta de frio com estampa estilo militar em tons pastéis - e, dentro de um dos bolsos, uma caixinha amarela com um smile.

- Abre. - Ela sorriu, o que subitamente fez meu coração bater mais rápido.

Uma aliança.

Ela recolheu o anel e o pôs em meu dedo anelar. Era lindo. Prateado, com três pequenas hematitas cravejadas em sua superfície. Ela me mostrou sua mão, e nela havia um igual.

Sorridente, pulou em cima de mim e me beijou. Tomei-a pela cintura, beijando-a de volta enquanto sentia o coração em brasa. 

"Amor"... um sentimento maravilhoso. O Amor Verdadeiro nunca trará tristeza, pois é incondicional. Não importa onde qualquer uma das partes esteja, com quem esteja, o que diga ou faça, sempre persistirá a felicidade eterna de senti-lo num coração que um dia permitiu ser possuído por tal encanto.

Depois de todos os carinhos que trocamos, como se não nos víssemos há meses, ela me ajudou a guardar minhas coisas, enquanto contava aquilo que pensava. Algo que eu amava nela era sua expansividade - contava seus pensamentos, sonhos e histórias com emoção e idealismo.

- Espero que o mar não esteja agitado, pois a casa é bem em frente à praia. Se uma onda alcançá-la, vamos ter um pequeno problema pra tirar a água depois! - Ela riu, provavelmente se imaginando com um rodo na mão e uma roupa de banho, secando a sala. Eu, com essa colocação, só pude imaginar o lugar sujo da lama formada pela areia e a comida sendo levada pelo mar.

- Pode chover forte e ficar bem frio. Não vamos conseguir sair muito de casa nesses dias.

- Esse é o objetivo, Bibi. - Assenti, ainda estranhando o apelido que ganhara. - Você precisa estudar, nós precisamos praticar nossas músicas, o que é melhor do que um lugar cercado pela água até mesmo por cima, para evitar distrações?

-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-

- Todo mundo já guardou as malas? - William perguntou, examinando o porta-malas.- Essa coisa de oncinha só pode ser da Bel. 

- Tem alguma coisa contra oncinhas? - Ela parou o que estava fazendo para encará-lo com uma expressão de desaprovação.

- Não, senhora. São animais muito bonitinhos.

Revirando os olhos, Bel puxou Allen pelo braço até o carro.

- Espera, já está acabando, deixa eu terminar de assistir!

- Assista essa porcaria quando voltar. Temos que aproveitar para irmos agora que a chuva deu uma trégua.

- "Porcaria", minha cara, é o caramba. Family Guy é um dos programas mais assistidos nos EUA.

- Realmente, os norte-americanos são um ótimo exemplo de inteligência, bom senso e cultura.

- Você é da comuna italiana da década de 30 ou o quê?

- Apenas analiso os fatos, meu amor, apenas fatos.

Depois que todos estávamos no carro, onde por sorte teve espaço para que não houvesse problemas de câimbras ou dormências no meio do trajeto, uma acelerada brusca por pouco me fez voar janela afora.

- William, já ouviu falar do conceito de "inércia"? - Ouvi a voz de Isabel, com o seu sempre irônico modo de criticar alguma coisa.

- Bom, daqui até a cidade fantasma onde vocês vão ficar, são uns cento e poucos quilômetros. Em uma hora e meia, duas horas, chegamos lá. - Ignorando totalmente Isabel, continuou. - Quando chegarmos, vou ajudá-los a colocar as malas nos quartos que escolherem. Cada um vai ter um quarto?

- Não. No início, iríamos ficar garotas em um e garotos no outro, mas como eu não estava a fim de segurar vela para as duas aí, seremos eu, Jack e Allen num quarto, japinha e Bibi no outro.

Ele riu.

- Allen vai segurar vela pros pombinhos.

Antes que Allenpudesse reclamar, Bel resolveu incitar mais ainda a raiva dele.

- Não tem problema. Qualquer coisa, ele faz um threesome com a gente. - Ela soltou uma risadinha.

- Vocês tem muita sorte por eu ser um gentleman e ignorar esse tipo de provocação.

- Os gentlemen são os piores. - Jack cochichou no ouvido de Allen, que enrubesceu, e virou o rosto logo depois.

- Não sei como essa coisa fofa ainda não tem pretendentes. - Bel apertou suas bochechas.

- Podemos dar um jeito nisso. - Jack, sarcástico, observava as reações do garoto. Este, mudando a abordagem, tentava desviar o assunto de si.

- Jack, se um dia eu descobrir que sou gay, resolver sair do armário e me apaixonar por você, não vou ser zoado. Afinal, o que mais se espera de um garoto pequeno e afeminado como eu? Mas você, aí já é outra história. Não vai querer ser visto em situações românticas comigo, que eu naturalmente daria um jeito de conseguir, isto é, se precisasse, já que você mesmo faz isso muito bem. 

Todos se calaram e olharam para ele, que sorria cinicamente para Jack. Alguns segundos depois, Isabel, com seu aparentemente único ponto fraco provocado, soltou um comentário que eu me absteria de ouvir.

- Sabe, eu não me importaria de ver vocês fazendo coisas indecentes no nosso quarto. 

- Irmã, normalmente eu perguntaria o que você anda assistindo, mas nesse caso prefiro não saber.

Indignado, Allen virou o rosto novamente, enquanto eu lutava, em vão, para tirar as imagens que Isabel pusera na minha mente.

Numa conversa com constantes provocações a Allen e uma dose de humor negro quando uma forte chuva começou, a viagem seguiu por relativamente curto tempo de uma hora e quarenta minutos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!