Sexo, Escola e Rock And Roll escrita por Fernanda Lima


Capítulo 20
Confidências


Notas iniciais do capítulo

* Versão de Isabel Rigardi *



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"Non so cosa è successo

Eu não sei o que aconteceu

Nonveditunei mieiocchi

Não vejo mais seus olhos

Gli sforzidiun'infanziabellissima

Esforços de uma infância belíssima

Che insistonoperesserecosìeffimera

Que insistem em ser tão efêmeros..."

  Não. 

  Não era isso.

  Fechei o diário, e joguei a cabeça na almofada colorida com a forma do mapa da Itália.

  - Então é assim que as coisas acontecem? O destino vai por mares incertos, e as pessoas simplesmente abandonam o navio? - Minhas reflexões poéticas apenas mostravam a profunda melancolia que aquele dia 05 de Março me causara. Duas semanas, e meus pensamentos ainda estavam lá.

  (Flashback)

  - A cada segundo, vocês mentem mais.

  - O que? - Todos se viraram para o garoto moreno, que, parado, lançava-lhes um olhar frio e arrebatador.

  - Parem de fingir que nada aconteceu. Todos estão mentindo, apenas por tentarem esconder essa verdade. E eu sei que no fundo, não têm sequer a pretensão de contá-la.

  - Allen, do que você está falando?

  - Eu sei de suas boas intenções. Maria, Bel, Sabrina. Jack. - Ele olhou para este último de maneira ainda pior. - Eu não preciso e nem quero explicar. Pensei muito, e decidi que preciso me afastar. De vocês, de tudo.

  Os quatro jovens se entreolharam, confirmando o que Allen dizia.

  - Então... você simplesmente vai cortar relações conosco? - A garota de pulôver cor-de-vinho se exaltava, com a voz trêmula. - Qual o seu problema? Todos estamos tentando nos acostumar com a ideia, e você simplesmente faz isso?

  - Desculpe, Bel. Prometo que é só por um tempo. 

  - Se for por isso, Allen... - A voz doce da loira deu um clima diferente à situação. - Se for por isso, eu me afasto.Não suporto ver vocês assim. Desde que eu cheguei, só venho causando conflitos entre vocês. Não posso mais suportar esse fato. - Ela não precisava chorar, pois seu olhar expressava tudo.

  - Não tem nada a ver com você, Sabrina. - Allen sorriu, porém com os olhos tristes. - É que tudo isso que tem acontecido, me fez perceber que não sou a pessoa que queria ser. E só preciso de um tempo sozinho. 

  - O que mudou, Allen? Por que não podemos te ajudar, com o que quer que seja? 

  - Não quero ser mais o garotinho que sofre por amor. Não quero ser mais aquele que sempre sobra, que está à parte das coisas. Posso ter a altura e o rosto de uma garota, mas tenho 16 anos, vontades e necessidades de um adolescente dessa idade. É só o que tenho pra falar. Até logo pra vocês.

  - A-Allen... m-me... desculpe... - Mas ele não ouviu o que a pequena menina que chorava em silêncio quis lhe dizer.

  (/Flashback)

  Pensamentos e lembranças rodeavam a minha cabeça, enchendo meus olhos de lágrimas. 

  (Flashback)  

  Era de manhã, o sol brilhava sobre o playground colorido.

  - Ei, garota! 

  - Sì? 

  - Você de costas se parece com a Branca de Neve. Mas é mais morena! 

  - Perdono, parlare più lentamente? ¹

  - O que você está dizendo? Ah, lembrei! Você é daquela família de italianos de quem meu pai estava falando, não é?

  - Sì, L'Italia! - A menina de cabelos pretos sorriu, feliz por ter entendido um pouco do que haviam lhe dito.

  - Ah, que legal! Você não sabe falar português, não é? Qual é o seu nome?

  - Nome?

  - É, seu nome, como te chamam... - A outra criança tentava gesticular, criando uma situação engraçada para quem visse.

  - Capito. Il mio nome è Isabella, ma ho registrato qui come Isabel. ² - Com o hábito de gesticular também, a menina de cabelos curtos e negros parecia mesmo uma italiana.

  - Dois nomes? É Isabel ou Isabella? 

  - Isabel, ok? 

  - Está bem! Meu nome é Allen. Parece que seu pai vai trabalhar num dos restaurantes do qual o meu é sócio. Vamos nos ver bastante.

  - È, Io...

  - Ah, você não entendeu nada! Eu vou te ensinar português pra gente poder conversar, ah se vou! Vem, vamos brincar.

  Em seguida, o menininho saiu puxando a nova amiga pelo parque.

  (Flashback)

  Mesmo chorando, sorri ao lembrar que pensava que Allen era uma menina até acidentalmente abaixar as calças dele no escorregador. 

  Fiquei cerca de duas horas brincando com o celular, pensando em ligar para ele. Cerca de meia-noite, decidi ir dormir. Porém, na hora em que ia tomar banho, o aparelho tocou. 

  "Chamada: Baixinho - 81280058"

  Meu coração bateu acelerado, num misto de felicidade e constrangimento. Atendi o celular com um nervoso "Alô".

  - Bel... me ajuda... - A voz dele era horrível. Comecei a ter náuseas, somente de pensar no que poderia ter acontecido.

  - Meu Deus, Allen, o que aconteceu? Onde você está? - Sentei-me na cama, mal conseguindo segurar o telefone de tanta tremedeira.

  - Por favor, estou na - Soluço. - frente de uma praça... um shopping. Casa  - Soluço. - Luke. Eu acho...

  - O que aconteceu? - Desligara. - Allen? Allen!?

  Praça, shopping, casa do tio Luke... a intersecção desses pontos de referência com certeza era a Rua Nove. Corri até a cozinha, onde William comia um hambúrguer. Pulei em cima dele, falando de um jeito que nem eu mesma conseguia entender.

  - William é o Allen ele, ele... não sei, mas Nove, Garcia! Me leva, rápido!

  - Calma, calma! - Balançou-me pelos ombros, me encarando com seus olhos negros. - Me conta direito o que houve.

  - É o Allen. Ele acabou de me ligar, estava com uma voz horrível, sei lá, e parecia meio bêbado...

  - Bêbado?!

  - Me escuta! Ele provavelmente está na Rua Nove com a Garcia. Preciso ir lá, rápido. 

  - Ok, ok. - Ele engoliu o hambúrguer de uma vez só, pegou a chave do Parati no gancho, e me jogou para dentro do carro. - V'ambora.

  Levei um susto e soltei um grito quando o carro praticamente voou para fora da garagem. Cerca de 10 minutos e muita adrenalina depois, estávamos na localização indicada.

  Procurei por Allen em algum dos bancos espalhados pela larga calçada.

  - Allen, Allen! - Não obtive resposta. 

  Andei até o fim da Rua Nove, cada vez mais preocupada, quando vi alguém deitado no murinho do canteiro. Corri até lá, e vi o pequeno garoto adormecido, em péssimas condições. 

  Sua roupa estava rasgada, e sua pele, cheia de hematomas. De vez em quando, tossia.

  - Ai meu Deus, o que fizeram com você? - Não querendo acordá-lo, chamei William, que o carregou até o carro.

  - O que houve com ele? 

  - Não... sei... - Disse, ofegante depois das corridas.

  Fui no banco de trás, com a cabeça de Allen em meu colo. Mexia em seu cabelo e em suas orelhas meio pontudas. Ele cheirava a álcool e a outra coisa que não pude identificar, mas que com certeza não era boa.

  - E então. - William se pronunciou. - Vou levá-lo para o hospital.

  Confirmei com o silêncio. Deixei cair uma lágrima na testa de meu amigo ferido.


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Notas finais do capítulo

¹ Perdão, pode falar mais devagar?
² Entendi. Meu nome é Isabella, mas fui registrada aqui como Isabel.



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