Amor, Calibre 45 escrita por LastOrder, Luciss_M


Capítulo 26
The last act


Notas iniciais do capítulo

Ultimo capitulo antes do epílogo.
Todos os conflitos solucionados agora, pensei até em dividi-lo em dois mas no final achei que ficou melhor assim.
Obrigada a todos que comentaram, recomendaram, leram, ou simplesmente deram uma olhadinha.

bjs



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Miguel pôde ver o telhado velho do sobrado de madeira antes mesmo de chegar perto do antigo sítio onde fora criado. A estrada que separava aquele lugar isolado de Londres era íngreme, feita de terra, areia e pedra. A vegetação que crescia em volta não fazia a paisagem mais apreciável.

Olhou para o pinel eletrônico da viatura. E antes que sua visão embaçasse conseguiu ler:

10/02---15:35PM

Balançou a cabeça. Franziu o cenho tentando formar um plano lógico em sua mente. Entraria naquela casa, faria Boris dizer onde estava Thereza e se ele houvesse a ferido de qualquer maneira...

– Nós o matamos. - Disse a voz infantil no banco de trás.

Deu um meio sorriso e apertou o volante com força. Os nós de seus dedos ficaram pálidos devido a pressão.

– Você não conseguiu antes, o que te faz pensar que vai conseguir agora?

– Diferentes circunstâncias. - A voz indiferente de sua versão mais jovem poderia ter lhe assustado se já não estivessem tão próximos de seu destino.

– Realmente. - E continuou. - Infelizmente, não sei se me lembro como utilizar uma arma.

– Quando a hora chegar eu estarei com você.

Miguel meneou com a cabeça e quando virou o olhar para o espelho retrovisor não viu nada.

– Certo...

O portão de ferro estava aberto. Passou por ele e estacionou perto do estábulo, a poucos metros da casa principal. Olhou em volta... Aquele lugar parecia estar parado no tempo. Tudo no exato no lugar. Seria até capaz de indicar o exato local onde Boris e ele enterravam os corpos.

" Lembre-se garoto: Dez metros a esquerda da casa, de frente ao galinheiro mas não muito próximo. Se precisar, conte vinte passos seus para ter certeza. E então faça um buraco de sete palmos... Ainda se lembra como contar palmos, não é? Não vai me fazer ensinar de novo... (suspiro) Qualquer coisa cave até encontrar os primeiros pedaços de plástico... Sim, nunca se esqueça de envolvê-los em sacos pretos de plástico, fui claro?"

Miguel pegou duas armas do porta luvas da viatura. Colocou uma escondida no cós da calça e a outra ( a menor) na lateral do sapato que , felizmente, tinha um cano maior do que a maioria dos que usava.

Ligou o GPS do automóvel antes de sair. Agora seria facilmente rastreado, e antes que os policiais de Thompson chegassem já estaria com tudo acertado com seu pai.

Suspirou fundo e abriu a porta da frente lentamente. Tudo igual e quieto.

Ficou parado no meio da sala buscando qualquer indício de que seu pai estivera ali recentemente. Mas a manta verde permanecia intocada sobre o sofá beje. E a camada de poeira sobre a mesa de centro era notada de longe.

Deu um passo na direção da estante da TV. Pegou o canivete empoeirado que ali esquecido com as letras M. R. gravadas na madeira envernizada de excelente qualidade. O único presente que seu pai lhe havia dado.

Trouxe o objeto para próximo de seu rosto e assim que apertou levemente sua lateral, a lâmina saltou. Reluzente e mortal como da primeira vez que havia posto suas mãos nela. E foi graças a ela que pôde ver o reflexo da face distorcida do homem para atrás de si.

Miguel virou a cabeça lentamente. Apertou com mais força a pequena arma em sua mão quando o sorriso irônico desfez a expressão séria do pai.

– Achei que não fosse chegar nunca. A prisão fez realmente mal ao seu cérebro é?

Miguel não conseguiu responder a pergunta. Muitas coisas passavam rápido por sua mente. E a primeira delas era ver o pai daquele jeito, com o rosto do monstro que sempre achou que fosse... Mas com o mesmo brilho superior nos olhos azuis.

Boris soltou uma risada baixa e grave.

– Ah, claro, está assustado com minha aparência nova? Bem, digamos apenas que ocorreu um pequeno erro de cálculo no nosso último encontro.

Ele levou a mão até a parte direita do rosto. Completamente vermelha e desfigurada devido a explosão que também deixara marcas em seu braço e mão direita.

– Mas acho que isso combina muito mais com o meu estilo, não é? - Os lábios só se curvavam no lado saudável de seu rosto. - Sabe, me sinto mais intimidador.

Miguel engoliu em seco e usou toda sua concentração para focalizar o verdadeiro motivo que o havia trazido até aquele inferno. Estreitou o olhar.

– Onde ela está?

– Hmn, estamos impacientes hoje... - Boris caminhou lentamente até estar apenas a um passo de distância do filho. Miguel não deu nenhum sinal de puxar qualquer arma para se defender de qualquer tipo de ataque que pudesse vir com aquela aproximação. Seu pai sorriu com aquilo.

Pegou o canivete das mão frias e trêmulas do filho. Seus olhos se perderam em lembranças quando passou o dedo levemente pela inscrição na madeira gasta.

– Me lembro como se fosse ontem. O dia em que eu te trouxe para está casa... - Havia um estranho tom nostálgico em sua voz. E seu sorriso pela primeira vez pareceu sincero. - Você parecia um filhotinho assustado, não conseguia nem segurar uma arma.

– Onde ela está? - Miguel perguntou novamente. Seco. Sem tirar os olhos da lâmina da pequena arma que não estava mais em suas mãos.

Boris encarou o filho nos olhos. Azuis e agora tão insanos como os seus. Imaginou qual teria sido a reação de Margaret se os visse agora.... Qual fora a sua reação ao ver que o único filho era a cópia exata do homem que mais odiou e amou em toda sua vida?

O mais velho suspirou fundo antes de guardar a lâmina do canivete. Margaret... Está na hora de fechar as cortinas dessa ópera.

– O que você está esperando encontrar aqui, Miguel?

O tom de voz sério do pai fez com que Miguel focalizasse o olhar perdido em seu rosto desfigurado. Suas mãos pararam de tremer e sentiu a garganta secar.Algo naquela resposta havia lhe despertado um sentimento ruim e o que mais esperava era que suas deduções estivessem erradas.

– O que quer dizer?

Ele se afastou apenas para colocar o canivete num das mesas de canto da sala. E ainda de costas para Miguel respondeu.

– Você se tornou mais parecido com sua mãe do que queria. - O mais jovem fechou os olhos com força... - Você deixou que sua devoção e amor ficassem acima do que é mais importante. Foi tolo. - ... Quando os abriu sentiu-os úmido, mas a última coisa que faria seria chorar na frente daquele monstro. - E foi por isso que eu a matei.

Então era verdade. Miguel conhecia seu pai bem o bastante para saber quando estava blefando, e aquilo estava longe de ser uma mentira. Mesmo que deseja-se com todas suas forças que fosse.

Sentiu-se mais frio do que a nevasca fria do norte da Sibéria. A raiva e a tristeza foram rapidamente congeladas. Só havia vazio. Seu pai estava certo, fora mesmo um tolo. Não devia tê-la envolvido em seu mundo, não devia gastado tintando pintando seus retratos... Se soubesse que tudo terminaria assim. E não sabia?

Miguel viu que seu pai continuava olhando para a janela. Ainda havia algo a fazer, afinal. Fechou os punhos e caminhou em passos calmos direção ao homem.Este, se virou ao ouvi-lo, não pôde ver nenhum sentimento no rosto impassível de Miguel.

– Mig- - Não conseguiu terminar de falar antes de sentir um soco forte acertar-lhe o rosto.

Boris perdeu o equilíbrio por conta do impacto e se segurou na mesa de canto. Viu algumas gostas de sangue escaparem por seus lábios quando tossiu antes de ser segurado pela gola do casaco e puxado bruscamente para se endireitar.

Os olhos de Miguel brilhavam com uma fúria que não estava ali a poucos segundos atrás. E isso quase o assustou, quase.

– Eu vou matar você! - Disse entre dentes pronto para socá-lo novamente.

Mas Boris foi mais rápido e tirou umas das adagas do casaco enfiando-a no estômago de Miguel.

Miguel deu alguns passos para trás segurando o ferimento com força. Caiu de costas no sofá, seu sangue logo escorreu e manchou a manta verde do sofá.

– Não se preocupe, evitei qualquer órgão vital. - Disse limpando o filete de sangue com a manga cinza do casaco longo.

Suspirou triste ao ver o estado do filho. Tossindo sangue, ferido e vulnerável.

– Não era para ser assim, mas quando é que você me dá escolha? - Perguntou sério. - Sua rebeldia é repugnante, Miguel. - Sentou-se ao seu lado e segurou o rosto do mais jovem entre suas mãos. - Ah, o que eu preciso fazer para que você entenda? Tudo o que fiz até hoje foi pensando em você.

Miguel riu irônico. Afastou-se do toque paterno e cuspiu o sangue preso em seus lábios na face queimada do pai.

–Pensando em mim? Não me faça rir, Ruston! - Endireitou-se no estofado vendo-o limpar o sangue com a palma da mão. - Você não pensa em ninguém além de si mesmo , bastardo! Se estava tão preocupado assim deveria ter pensado mais em mim antes de matar minha mãe com suas próprias mãos!

Boris lançou-se sobre Miguel e segurou se pescoço com uma das mãos enquanto pressionava a faca no ferimento com a outra. A dor era suficiente para que Miguel quase não conseguisse prestar atenção na raiva intensa dos olhos do pai.

– Você é mesmo um garotinho rebelde muito ingrato. - Disse num grunhido baixo ignorando a nova onde de tosse e sangue que saia da boca do filho. - Acha que é maduro suficiente para entender algo sobre Margaret e eu? - Sorriu. E puxou a faca para cima com força. Miguel segurou um grito de dor. - Pois saiba que se não fosse eu a matá-la outro teria feito, quantos você acha que querem minha cabeça?! Quantos você não acha que teriam torturado aquela violoncelista apenas para me ver ruir?!

Estava ficando cada vez mais difícil respirar, sabia que ele iria matá-lo se não fizesse algo logo. Miguel procurou com os olhos qualquer arma de fácil acesso, e aproveitou-se da distração de Ruston para pegar uma das facas cujo cabo saia discretamente de dentro do casaco aberto.

Os olhos de Boris estavam no rosto de Miguel. Aquele sentimento amargo que surgia toda vez que se lembrava daquela noite o impedia de pensar direito no que estava fazendo.

– Eu fiz um favor a você! Te poupei de matar a policial e a única coisa que recebo em troca é isso?! INGRATIDÃO!

Miguel segurou a faca com força. Sua visão já estava embaçada e duvidava que seu rosto não estivesse pelo menos um pouco azul. Mesmo assim foi capaz de responder:

– Não... Pense que eu... Vou ... - E cravou a arma branca na perna esquerda de Boris antes de dizer a última palavra. - Agradecer!

Boris Ruston caiu para o lado tentando estancar o ferimento com as mãos. A dor era imensa, mas se retira-se a arma poderia ter uma hemorragia ainda mais séria e morrer.

Enquanto isso, Miguel respirava profundamente e massageava o pescoço. Tossiu ainda mais um pouco de sangue e se virou a tempo de ver o pai sacando uma adagada de dentro do casaco. Pensou rápido e tirou a arma escondida sob sua camisa.

Tudo foi muito rápido. Dois grandes cérebros treinados para matar tentando matar um ao outro. E talvez nem um dos dois saísse vivo daquela história.

O som do disparo ecoou por toda a imensidão do sítio assustando um corvo parado sobre o teto do galinheiro.

Miguel caiu de joelhos e sentou-se com as costas apoiadas contra o sofá. Respirou fundo e urrou ao retirar a adaga presa na clavícula. Estava perdendo muito sangue e pontinhos pretos invadiam sua visão. Olhava fixamente para o teto, como já havia feito várias vezes em sua infância quando esperava o pai voltar de mais um de seus trabalhos... A solidão era tão pacífica e acolhedora.

– Sabe... - Uma voz rouca a sua frente disse. Tentando tira-lo de seus pensamentos. - Acho que talvez esteja orgulhoso de você.

Miguel riu baixo. Nada importava agora. Assim como seu pai, também estava ansioso para encerrar aquela ópera.

– Nenhuma palavra de agradecimento sairá pela minha boca.

Boris riu baixo. Uma risada apenas alguns tons mais graves que a do filho. Ignorou a dor da bala alojada entre seus pulmões quando suspirou cansado.

– Realmente.

Olhou para Miguel. E seus olhos se desviaram para o canto oposto da sala onde uma mulher sentada na cadeira mais distante tocava violoncelo. Seus cabelos castanhos estavam presos num rabo de cavalo baixo. Os olhos, que ele sabia serem castanhos, estavam fechados, como sempre fazia quando queria aproveitar a música. Ela sorria.

E Boris sorriu de volta até a música finalmente acabar. A música que sempre invadira seus dias e sonhos, mas que nunca chegara a um final. Era hora então.

Margaret abriu os olhos e se levantou apoiando o violoncelo na parede. Caminhou lentamente até ele e se ajoelhou na poça de gasolina que discretamente se arrastava por todos os cantos da sala.

Ficou tão perdido com a beleza de seus olhos que nem se importou com o sangue que manchava o vestido azul claro, ou com a marca do tiro em sua testa que havia dado fim a sua vida.

Ela segurou a mão dele e a levou para dentro do casaco cinza. O sorriso carinhoso nunca deixando seus lábios. E ele entendeu o que aquilo significava.

– Você venceu Miguel. - Disse o pai. Miguel que até então esperava a morte de olhos fechados apoiado no sofá fez o máximo esforço para se endireitar. - E como prêmio vou te dizer que deixei o corpo da sua namoradinha no seu antigo quarto.

Miguel sentiu a raiva se reacender em seu peito, mas antes que pegasse a arma em seu sapato para acabar de uma vez com Boris foi surpreendido pela chama que agora brilhava no isqueiro nas mãos do pai.

– Está na hora de fechar a cortina de uma vez por todas, filhote. - O sorriso de Boris ficou ainda mais macabro iluminado pela luz fraca do fogo. - Se quiser salvar sua garota, é melhor correr.

E ao dizer isso, jogou o isqueiro sobre a gasolina ao se redor. Boris Ruston não soltou nenhum grito ou gemido enquanto era consumido pelo fogo. Um fim dramático como sempre quis, Miguel teria pensado se não estivesse mais preocupado em correr escada acima.

Ignorou todas as dores e cansaço do seu corpo para chegar antes que o fogo no andar de cima. Sabia que se não fosse rápido, perderia aquele fio de esperança que Boris deixara escapar antes de morrer. Thereza podia estar viva!

Jogou o peso do corpo contra a porta para abri-la e depois de três tentativas, a madeira roída por cupins sucumbiu. O jovem entro desesperado e Tessa com os olhos por todo o pequeno cômodo. Seus ouvidos ouviram gritos abafados e quando se virou em direção ao som quase caiu de joelhos tamanho seu alivio e alegria.

Ela estava viva, sua Thereza estava viva! Um pouco suja e com alguns arranhões, mas infinitamente melhor do que teria imaginado.

Correu até ela e se ajoelhou para desamarrar as cordas que amarravam seus pulsos a estante de ferro embutida na parede. Ela começou a se livrar do pano que a impedia de falar enquanto Miguel cuidava das amarras em seus tornozelos.

E assim que se viu livre delas Tessa se jogou sobre Miguel enlaçando seus braços firmemente em seu pescoço enquanto sua boca ia logo de encontro aos lábios dele. Pressionou-se firmemente contra ele e o segurou com força, temendo ser uma alucinação que logo desapareceria.

Por outro lado, Miguel tinha certeza absoluta que ela era real. Segurou com força sua cintura esguia ao mesmo tempo em que aprofundava o beijo que Tessa havia começado. Deixou os dedos dançarem entre as madeixas douradas na base das suas costas e suspirou ao senti-la afagar seus ombros, nuca e rosto com toques tão leves que achou que houvessem novamente sido frutos da sua imaginação.

– Não sabe o quanto senti sua falta... - Ela disse quando se afastaram, apenas o suficiente para poderem respirar. Lágrimas de alívio e alegria não paravam de sair pelos seus olhos, que ficavam cada vez mais vermelhos por conta do pranto. - ... Achei que nunca mais fosse ver você de novo.

Miguel se inclinou para dar um selinho rápido nos lábios trêmulos de Tessa. Segurou gentilmente o rosto da loira entre suas mãos e tentou, inutilmente, enxugar as bochechas coradas com a ponta do polegar.

– Vai ficar tudo bem, não se preocupe. - Sorriu tentando acalmá-la e quando Tessa abriu a boca para protestar ele a cortou pousando o indicador sobre sua boca. - Você confia em mim?

Thereza o encarou por segundos intermináveis. Estava com aquela terrível sensação de que aquele encontro seria breve e definitivo. E tinha medo de que responder aquela pergunta os levaria para o inevitável desfecho ainda mais rápido. Mas mesmo assim...

Segurou forte a mão que ainda estava na lateral do seu rosto e sorriu.

– Eu confio.

Como se fosse ensaiado, assim que proferiu essas palavras um som forte de madeira quebrando foi ouvido tirando os dois da bolha em que haviam se isolado. O estalo fez Miguel se lembrar da situação crítica em que se encontravam e rapidamente montou um plano de fuga.

Levantou-se com dificuldade segurando a mão de Thereza. Ela o olhou chocado pela primeira vez notando o quão grave estavam seus ferimentos.

– Miguel, o que...

– Não temos tempo para isso agora! - Abriu a porta e se deparou com toneladas de fumaça que cobriam o caminho até o sótão.

As labaredas se aproximavam de onde estavam já tendo consumido toda a escada e iniciado seu trabalho no segundo andar. Tessa arregalou os olhos e tossiu devido a fuligem. Cobriu-se ate o nariz com a gola da camisa. Miguel havia feito o mesmo.

– Sair pelo térreo é impossível, mas há uma janela no sótão que fica próxima a uma árvore. - Disse enquanto se arrastavam até o final do corredor.

Miguel soltou a mão de Tessa para pular em direção ao teto a fim de alcançar uma pequena lavanca que praticamente se camuflava na madeira escurecida. Uma escada de ferro desceu e logo em seguida indicou para que Thereza subisse.

Ela subiu rápido e ainda mais depressa o ajudou a subir. As chamas já estavam tão próximas que seu calor intenso os havia conseguido feito suar. A fuligem manchava o rosto de ambos e o cansaço ficava cada vez mais evidente. Respirar naquele ambiente era uma tarefa exaustiva.

Tessa usou toda sua força para puxar Miguel para o sótão e respirou aliviada ao deixá-lo no chão de madeira. Correu para puxar a escada afim de ganharem mais tempo contra o fogo e em seguida se voltou para Miguel.

Ele estava mais pálido e sua respiração pesada não podia ser um bom sinal. Analisou o ferimento na clavícula... Parecia superficial, mas havia um grave risco de começar a infeccionar se não fosse tratado logo.

Viu a mancha de sangue sobre o estômago e quando tentou puxar a camisa para ver o ferimento foi impedida pela mão dele. Tessa o encarou seriamente.

– Você não vai querer ver isso. - Disse com um meio sorriso presunçoso.

Ela arqueou um sobrancelha e suspirou vencida depois de poucos segundos sustentando seu olhar.

– Temos que tirar você daqui. E vou te levar direto para um hospital, sem reclamação.

Fez uma careta de desgosto.

– Você sab...

Uma onda compulsiva de tosse o impediu de continuar. Thereza entrou em desespero ao ver o sangue saindo pelos seus lábios.

– Miguel! - Segurou pelos ombros ajudando-o a se endireitar e o apoiando contra a parede. - Oh, céus! Isso está realmente pior do que você quer me fazer acreditar, temos que sair daqui agora!

Respirou fundo limpando a boca com a manga da camisa. Olhou para Tessa com o canto do olho e disse:

– Vá até a janela.

Sua voz fora tão baixa e roca que Tessa teve certa dificuldade para ouvi-lo.  Levantou-se e foi a janela circular da parede oposta, ao abri-la, pôde ver os galhos de uma grande árvore sem folhar que cresciam muito próximos.

Ela voltou correndo até Miguel com um sorriso no rosto.

– Você estava certo, realmente há uma árvore. Ela está longe o bastante, mas os galhos chegam até aqui. - Beijou-o rapidamente. - Genial! - Riu com entusiasmo e foi respondida por um sorriso fraco. Franziu o cenho. - Você pode se levantar, não pode?

– Tessa... - Miguel abaixou o olhar. Havia feito esforço suficiente para chegar até ali, talvez até conseguisse chegar até a janela, mas se pendurar numa árvore? Só o pensamento o fazia estremecer.

– Não! - Respondeu teimosa. - E vou ajudar você, vamos sair daqui juntos! - Passou o braço direito dele sobre seu ombro a fim de dar o apoio necessário.

– Não, Thereza, espere!

Não foi preciso que ela se endireita-se completamente para que os gritos de Miguel a fizessem parar. Ajoelhou-se de frente para ele. As mãos fechadas em punhos apoiadas contra os joelhos, ela não tinha coragem de encará-lo e saber que poderia ser a ultima vez que o veria.

– Eu não... Posso perder você de novo. - Disse entre soluços. - Tem que haver um jeito.

Miguel sentiu o coração partir ao ve-la naquele estado. Não se importava em viver ou morrer, apenas queria que Tessa fica-se bem e... Feliz. Ela sempre seria sua maior prioridade. Colocou a mão sobre um de seus punhos buscando acalmá-la. E se surpreendeu quando ela jogou o corpo sobre o seu num abraço apertado.

Engoliu em seco para evitar soltar qualquer gemido de dor. Não queria que ela se afastasse. Mesmo sabendo que isso seria necessário, cedo ou tarde.

Passou os braços em volto do corpo dela e afundou o rosto nos cabelos loiros. Inspirou profundamente e ignorou a sensação de sentir as lágrimas molhando sua camisa. O pior era saber que, em parte, ele era a causa de tais lágrimas.

– Eu gostei do cabelo. - Disse brincando com as pontas loiras.

Tessa apenas meneou contra seu peito e apertou seu abraço. Era obvio para Miguel que ela estava disposta a ficar ali e morrer com ele. E isso era algo que não podia permitir.

Um estalo mais alto que o anterior ecoou pelo sótão e o chão sob ambos começou a ficar mais quente que o normal. Miguel a abraçou mais forte.

– Precisa ir.

– Não!

– Thereza, esse tópico não está aberto a negociações.

Ela o encarou, os olhos brilhando de teimosia, raiva e tristeza.

– Você não manda em mim, Miguel Owen! - Afastou-se e apontou o dedo indicador acusadoramente. - Quem você pensa que é?! Você me abandonou no meio do nada depois de ter dormido comigo e terminou tudo o que tínhamos através de uma porcaria de carta! - Nesse momento todo o seu rosto estava vermelho de raiva.

– Foi se entregar?!! O que raios estava pensando??! E se eu estivesse grávida o que eu teria dito para nosso filho, seu patife!?

Miguel estreitou o olhar e afastou o dedo de Tessa.

– Escute aqui, Thereza, você tem a menor noção de como foi difícil para mim te... - Parou um pouco para pensar e de repente completou. - Espere um pouco, eu tenho um filho?!

Thereza revirou os olhos.

– Claro que não, idiota. Foi só um exemplo. - Virou o rosto e cruzou os braços. - Além do mais, está para nascer a maluca que vai querer ter um filho com você.

– Você quer dizer, uma maluca além de você. - Sorriu de lado.

– Obviamente. - Respondeu sem pensar e quando deu por si sentiu as orelhas enrubescerem.

Miguel riu alto o que causou um novo acesso da tosse. Thereza ficou terrivelmente preocupada. Não havia nada além de medo e preocupação em seus olhos quando Miguel a encarou enquanto ela segurava seu rosto entre suas mãos.

– Precisa ir agora. Está sem tempo.

–Eu já disse que...

Nesse momento, sirenes de viatura e ambulâncias foram ouvidas muito próximas. Thereza olhou confusa para um sorridente Miguel. Ela o beijou rapidamente várias vezes.

– Fique aqui, não saia daqui, pelo amor de Deus. Vou buscar ajuda. - Disse e correu até a janela. Miguel riu daquela reação encostando a cabeça na parede.

Ele a viu pegar um dos galhos com os pés enquanto se apoiava no parapeito da janela. E com um suspiro cansado disse:

– Thereza. - Se virou confusa ao ouvir seu nome. Arqueou a sobrancelha. - Eu te amo.

Tessa arregalou os olhos ao ouvir aquilo dele pela primeira vez. No fundo, sempre soube disso, e nunca achou que fosse necessário ouvir. Na verdade, nem se importaria em passar o resto de seus dias sem ouvir aquelas palavras contanto que aquele homem estivesse ao seu lado.

Sorriu ternamente ao responder:

– Eu também.

Mas as próximas palavras a surpreender ainda mais.

– Então case comigo.

Ela estreitou o olhar para aquele sorriso zombeteiro e se voltou para a saída. Como ele poderia brincar num momento como aquele, e daquele jeito?! Balançou a cabeça e sorriu de lado.

– Como se não soubesse a resposta.

– Não foi uma pergunta.

E então ela pulou. Miguel ainda foi capaz de ouvir um "idiota" vindo do outro lado da janela antes de que a solidão se fizesse presente no pequeno aposento. Mais fumaça entrou pelas frestas do chão e Miguel se sentiu obrigado a arrastar-se até próximo da janela.

Descansou a cabeça contra uma das cadeiras velhas de ferro que lá haviam e fechou os olhos. Só os abriu ao sentir uma mão contra a sua.

Ela estava diferente. Mas ainda era ela. O fantasma que o perseguiu durante tanto tempo e que pelo jeito o acompanharia até o outro lado.

Seus longos cabelos dourados estavam presos numa trança lateral e pendiam para o lado direito. O vestido era longo e verde claro, alguns tons mais claro que os olhos que mesmo que fossem muito parecidos, não chegavam nem perto dos originais.

– Sabe que ela não vai voltar a tempo.

– Ela vai tentar.

– Mas não vai conseguir.

Miguel fechou os olhos e suspirou. Sentiu como a mão de repente subia para seus cabelos e começava a bagunçá-los. Abriu os olhos olhando para o teto de madeira esburacado e sorriu.

– Então acho que está na hora de começar o plano B.

Thereza riu alto. Uma risada astuta e aguda que ecoou por todo o cômodo. Tampou a boca pintada de vermelho com uma das mãos e se levantou caminhando em direção a porta de acesso ao sótão que começava a ser consumida pelo fogo.

Seus pés tocaram as chamas e começaram a obscurecer assim como a barra do vestido. Mesmo assim, o sorriso e o olhar presunçoso não abandonavam sua face angelical.

– Boa sorte então, meu querido.


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