quero falar sobre a vez em que encontrei a magia, ou melhor, a vez em que a magia me encontrou.

eu era jovem, pouco mais de vinte anos. naqueles tempos na meia hora que levava de trem até meu trabalho, me distraia lendo o jornal do dia.

— Porque você não assume que minha magia é mais forte e pronto?

era uma mulher. eu estava tão entretido com a leitura que não a havia percebido e tão pouco o homem, ambos sentados à minha frente.

— Porque, minha cara, que você está mais uma vez fazendo ouvidos moucos às minhas explicações.

o homem que falara tinha olhos azuis e um ar brincalhão.A mulher ao seu lado tinha longos cabelos negros e lisos e os mais impressionantes olhos perolados  que eu já vira.

— não. é uma questão de fatos. a magia do fogo é mais poderosa, não há dúvidas.

—minha cara, o poder é um conceito absolutamente relativo-disse ele- a magia do fogo lida com transformações, em sua maior parte, irreversíveis. não há sutileza.

eu não conseguia mais olhar o jornal.tinha de ser alguma brincadeira. os demais passageiros estavam alheios ao que se passava. no outro lado do vagão, uma senhora bem acima do peso e com cara brava lia seu jornal.

—ah , ok- a morena retrucou em tom de desafio- e o que a magia do ar é capaz de fazer?

— o que ela não é capaz de fazer? estamos cercados de ar. sem ele sequer haveria essa discussão.

— até parece quero ver.

e o que a mulher iria dizer eu não sei. ela continuava a mexer os lábios, mas não ouvi nada. e percebi que não era capaz de ouvir nem um único som. comecei a sentir o pânico se instalando.

a mulher fechou a cara e cruzou os braços. o homem sorriu e subtamente todos os sons voltaram com força total. 

suspirei aliviado.

— se você vai fazer isso de novo não vou perder meu tempo continuando essa concersa_ disse ela ofendida.

— você tem minha palavra, acho que ficou provada a maior abrangência do ar.

— e o que você vai fazer em uma batalha? deixar seus inimigos surdos? você tem noção do que uma barreira de fogo é capaz de fazer?

— tire o ar dessa barreira e ela se apaga.

— transforme o vácuo que ficou em um gás combustível e você tem uma explosão.

— tire todo o ar ao redor de seus inimigos e eles serão incapacitados.

— ferva o sangue deles e o resultado é o mesmo.

— mas onde está a sutileza? veja isto..._e o homem fez um gesto para o meu jornal.

as páginas passaram todas, como se uma rajada de vento tivesse surgido do nada.

—magia do fogo também pode ser sutíl- e a mulher estalou os dedos

meu jornal irrompeu em chamas e se consumiu completamente. arfei.

— pronto agora veja o que você fez!_ disse o homem preucupado- você está bem meu jovem? queimou as mãos?

— é claro que ele não queimou as mãos_ ela disse com raiva- você acha que comecei meu treinamento ontem?

—não era questão de treinamento. magia do fogo é imprevisível.

ergui as mãos para mostrar que estava tudo bem.

—não é uma questão do quão previsível ela é e sim da competência com que é manipulada- ela argumentou com ar convencido- viu? a pele nem ficou vermelha.

— ainda bem que ninguém notou.

— a magia do fogo é tão rápida que as pessoas nem a veem acontecendo.

— eu ví- resolvi dizer- mas ainda não acredito.

—não ligue para ele meu jovem- sorriu a mulher- ele sempre fica desse jeito porque a magia que ele faz nunca dá na vista.

— ao contrário da sua minha cara vivemos apagando a memória dos humanos, e com isso os vestígios dela- ele parecia zangado.

— você acompanhou nossa discursão desde o início, não acompanhou?- ela perguntou no mesmo tom animado.

— como não acompanharia- disse o homem-com você perdendo a calma?

— ou você deixando todo mundo surdo- ela completou

— foi você quem vez aquilo mas como?_ perguntei

— ou você queimando o jornal dele_ disse o homem, como se eu não tivesse dito nada.

— não me importo com o jornal- tentei apaziguador.

— as cinzas então aí. que tal transformar o jornal de volta?_ ela desafiou em tom sarcástico- ah, esqueci, a magia do ar não consegue fazer isso.

por alguns momentos, pareceu que o homem finalmente ia perder a cabeça, mas , de repente, ele apenas sorrio e cruzou as mãos sobre o colo. A senhora brava do outro lado do vagão levantou-se e sem dizer uma palavra veio até mim, colocou seu jornal no meu colo e voltou para seu lugar onde se sentou.

— ahn não preciso de outro jornal- eu disse, com vos fraca

— é claro- disse a morena cruzando os braços- você sempre apela para manipulação das pessoas. magia do ar não é a única capaz disso.

a senhora brava deu um gemido. olhei para ela.erguendo as mãos, ela começou a desabotoar os botões da blusa e se levantou. entes que eu pudesse fazer quakquer coisa sentou-se no meu coloe tentou me beijar enquanto pedia no que  parecia ser uma voz sexy:

— por favor, por favor posso ter meu jornal de volta?

eu até entregaria, aliás entregaria de bom grado, mas ela estava sentada em cima dele.

— muito bem minha cara você acabou de mostrar com louvor que a magia do fogo também é capaz de lidar com a luxúria.

 a senhora brava agora deslizava as mãos pelo meu peito e chegava até minha cintura.

— eu entrego o jornal, diga a ela que eu entrego- pedi apavorado.

repentinamente a senhora brava deixou meu colo, apanhou o jornal e usou-o para bater em meu rosto com toda força.

— seu pervertido- gritou antes de sair em disparada.

não consegui me controlar.

— será que vocês poderiam levar essa discusão lá pr fora?- sugeri enquanto massageava meu rosto dolorido.

—você tem razão meu jovem é hora de mostrar que magia do ar não é tão invisível.

passavamos ao lado de uma construção, ainda parcialmente deserta a essa hora do dia. o homem fez um gesto e três tornados surgiram do nada, carregando areia e pequenos detritos a varios metros de altitude. fiquei completamente sem fala.

— controlar o vento é o mínimo que se espera de um mago do ar_ disse a mulher novamente séria.

— aposto que isso vai sair nos jornais- retrucou ele animado.

a construção e os incríveis tornados ficaram para trás.

passávamos agora ao lado de um pequeno bosque.

— quer ver uma notícia para os jornais?_ el falou erquendo as mãos.

—não! não por favor não coloque fogo em mais nada eu já entendi- gritei olhando para fora esperando tudo explodir.

— não se preucupe tenho pleno controle sobre minha magia.

— ninguém tem pleno controle sobre a magia- disse o homem- e nós ainda devemos um jornal ao jovem aqui.

— não -disparei- não preciso de outro jornal, parei de ler jornal.

num movimento de dedos da mulher, as cinzas subiram e formaram um jornal totalmente em branco entre meus dedos.

—oh, desculpe- ela disse, contrita- não sei o que estava escrito.

—não se preucupe minha cara- e o homem estalou os dedos. frases apareceram nas páginas.

— a magia do ar é a melhor- li lentamente.

—viu? ele concorda!_ disse o homem

—está escrito aqui eu disse.

a mulher fez beicinho o homem riu e fez um gesto com isto todas as matéria retornaram para o meu jornal. eles olharam para fora e se levantaram.

—é aqui que descemos meu jovem, mil perdões pela inconveniência.

o trem aproximou-se de uma estação. o casal desceu caminhando de braços dados aparentemente absortos em uma nova conversa.

apenas quando cheguei á minha própria estação percebi que não sabia se quer seus nomes.

pelos anos que se seguiram inicialmente temi encontrar outra situação como aquela; depois, comecei a deseja-la. mas algumas oportunidades só chegam uma vez na vida. uma vez desperdiçadas, não voltam mais.

ainda guardo aquele jornal. nunca tive coragem de me desfazer dele. está aqui, agora comigo. todas as notícias em seus devidos lugares.

com exceção da última linha da última página, onde se vê escrito:

A magia do ar ainda é a melhor!