Cordeiro em pele de lobo, cordeiro sem pele, lobo sem cordeiro...

Estive no exato centro de um covil, cheguei a tocar com os dedos as presas das cobras, mas elas eram cegas e não podiam nem ao menos enxergá-los.

Cobra de estimação, domesticada, ela pode talvez estar do nosso lado, sempre misteriosa, ameaçadora e sinistra, mas inofensiva. Talvez ainda venenosa, mas fora de alcance.

Cobra selvagem, embrenhada na mata, esta é perigosa, mas só quando e se incomodada. Mas é fácil incomodá-la, tudo a incomoda.

Já Carlos foi numa festa. Coitado, que festa. Ótima, não a festa que estava horrível, mas a experiência.

Era um lugar sombrio como os lugares dos pesadelos ou dos filmes de terror. A luz piscando vertiginosamente causava além de um efeito hipnótico, estonteante, irreal e grotesco, dor nos olhos que tentavam, apesar, observar tudo.

E Carlos observava. As asas dos gaviões se arrastando; o esforço de certas garças em serem sensuais e sedutoras em sua artificial dança; musica entorpecedoramente intrigante; e algo mais.

Era realmente semelhante a uma grande, fechada e escura selva.

Bem ali no cantinho, perto da mesa de som há uma tigreza a espreitar uma presa: o marrequinho que estava operando a música.

Mais a esquerda tem um leão devorando algumas coelhinhas, só com os olhos, mas devorando, e lambendo os beiços e rugindo sua realeza realmente falsa.

Logo ao meu lado tem um casal de tucanos tentando se beijarem, mas você sabe o que diz o velho ditado, dois bicudos não se beijam...

E Carlos, como uma coruja, apenas a observar tudo, até que se cansou e alçou sinistro vôo de filmes de terror, e enfim, como um bom predador que se preze, precipitou-se sobre a cobra, que era cega e, alimentado, acorda ao som do despertador. É hora de ir para o serviço na manhã de segunda feira e ele tem que pensar rápido em como se livrar dela que permanece ali, deitada, dormindo, inconveniente.