Cartas escrita por Juhhjulevisck


Capítulo 1
Capítulo único




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Thalia estava exausta. Tinha certeza de que se fosse obrigada a trabalhar mais 30 minutos, que fosse, ela enlouqueceria. A garota estava no auge dos seus 23 anos e já trabalhava para ganhar a vida; ela queria fazer uma faculdade decente, mas sabia que, se dependesse da mãe, estaria falida. Thalia trabalhava de secretária em uma empresa de marketing no centro de Nova York. Dez horas diárias de trabalho para apenas 600 dólares no mês. Ela sabia que era uma miséria, mas era o que conseguira.

 

Naquele dia, Thalia passaria em um Starbucks Coffe antes de voltar para casa. Marcara com sua antiga amiga, Annabeth, de tomarem um café lá, só para “relembrar os velhos tempos”. Mas a voz angustiada e chorosa de Annabeth no telefone não convencera Thalia de que aquele encontro se trataria apenas de conversas amigáveis sobre alguns anos antes, quando ainda freqüentavam a escola e suas preocupações se resumiam a tarefas de casa.

 

O Starbucks ficava a dez quadras do trabalho de Thalia, de forma que ela poderia chegar até lá caminhando. Ao respirar o ar-não-tão-puro de Nova York, ela não pôde deixar de se sentir, de certa forma, aliviada. NY era um grande centro comercial, a única coisa que ela via nas ruas eram pessoas arrogantes andando apressadas de um lado a outro e o ar estava longe de ser puro. A quantidade de CO2 naquele ar assustava qualquer um, mas aquela correria fazia Thalia se sentir feliz.

 

Ela sacou o iPod do bolso da calça, conectou o fone e após alguns segundos uma música alta já ecoava nos ouvidos de Thalia. Naquele dia, em especial, ela escolhera ouvir um pouco do grunge melódico do Nirvana.

 

Perdida nos próprios pensamentos e na própria música, Thalia mal notara quando chegara no Starbucks. Tirou os fones do ouvido, desligou a música e guardou o iPod novamente no bolso da calça. Entrou no local e olhou em volta, à procura de Annabeth. Não fora muito difícil de encontrá-la. Thalia caminhou até ela.

 

— Hm, Annabeth? — ela chamou, ao notar que a amiga estava dispersa, como se perdida em outra galáxia. Annabeth ergueu os olhos cinzentos marejados de lágrimas para Thalia e sorriu tristemente.

 

— Oi, Thalia. Sente-se. Já pedi café para nós duas — Annabeth indicou o outro lado da mesa aonde estava sentada. Thalia se sentou e cruzou os dedos sobre a mesa, encarando atônita a amiga.

 

— Annabeth... sei que você não me trouxe aqui para uma conversa amigável. Quero dizer, você não fala comigo há anos! Você é uma arquiteta bem-sucedida, tem uma Mercedes na garagem, um apartamento na Quinta Avenida e tem um namorado, enquanto eu estou ganhando 600 dólares por mês, morando no subúrbio e andando em um carro ruim. Quero dizer... Você não tem lá muitos motivos para querer falar comigo — Thalia explodiu, mal notando que Annabeth agora deixava as lágrimas escorrerem pelo rosto. A loira enxugou as lágrimas com a mão e fungou discretamente, erguendo os olhos inchados para Thalia.

 

— Olha, Thalia. Me desculpe, okay? Sei que desde que entrei na faculdade, não falei mais com você. Mas isso é importante. É sobre... — Annabeth deixou mais uma lágrima escorrer pelo rosto enquanto parecia lutar para falar a próxima palavra. — Luke, Thalia.

 

Thalia sentiu o sangue se esvair do rosto e sentiu que as mãos começaram a tremer levemente. Luke Castellan era o melhor amigo de Thalia, até os 15 anos, quando ele fugira de casa e entrara no mundo do crime e do tráfico de drogas. Thalia sempre o amara e, mesmo nos anos em que eles estiveram separados pelo triste destino de Luke, ela nunca o esquecera.

 

— O que aconteceu com ele? — Thalia perguntou, com a voz embargada. Lágrimas se acumulavam nos olhos dela e um enorme nó se formava na garganta da garota.

 

— Ele foi encontrado morto em casa há três dias atrás. Sinto muito, Thalia — Annabeth disse a última frase num sussurro quase inaudível. Mas Thalia não se importava mais com o que a outra tinha a lhe dizer. Seu mundo desmoronara. Luke fora a única pessoa que Thalia amara durante toda a sua vida. Quando eles tinham 14 anos, eles chegaram a namorar. Mas quando Thalia completara 15 anos, ela sofrera um grave acidente que a fizera entrar em coma durante um bom tempo. Até aonde ela sabia, Luke entrara em depressão e, meses depois, começara a se drogar.

 

— Como ele morreu? — Thalia perguntou, ainda não acreditando naquilo. Tentava engolir as lágrimas que inevitavelmente cairiam, uma hora ou outra, mas foi em vão. Antes mesmo que notasse, as lágrimas corriam soltas pelo seu rosto.

 

— Overdose, pelo o que parece — Annabeth respondeu, respirando pesadamente. Mexeu na bolsa ao seu lado, tirou de lá um envelope e o entregou a Thalia, que o pegou confusa. O envelope parecia normal, até que ao virá-lo algumas vezes notou a caligrafia tremida no canto direito inferior das costas do envelope.

 

Para Thalia.

 

Era apenas o que estava escrito. Thalia reconheceria aquela caligrafia em qualquer lugar. Era de Luke.

 

— Annabeth... Você pode me responder uma coisa? — Thalia pediu, colocando o envelope sobre o colo. Annabeth deu de ombros, num pedido silencioso para que Thalia continuasse.

 

— Aonde Luke foi enterrado? — Thalia perguntou. Annabeth pareceu surpresa, mas mesmo assim respondeu.

 

— No cemitério que ficava próximo à casa dele na época em que éramos ado... — Àquela hora, Thalia já se levantara e saíra do Starbucks. As ruas de Nova York já não pareciam tão mágicas e, ao invés de se sentir aliviada por toda a correria da metrópole, as coisas só a irritavam ou a deprimiam mais.

 

Após caminhar por quase 10 minutos, Thalia chegou no seu apartamento. Ela morava perto do trabalho e, por isso, achava um pouco inútil gastar gasolina todos os dias, sendo que com um pouco de caminhada, ela chegava lá.

 

Tirou o molho de chaves da casa do bolso da calça e subiu de dois em dois degraus, ansiosa. Com a mão trêmula, abriu a porta do apartamento 115 e entrou. Mal fechou a porta, pois já sairia de novo. Foi até seu quarto e abriu a primeira gaveta de sua cômoda, aonde estavam amontoadas as suas camisetas. Debaixo de um monte delas, havia outro envelope. Thalia o apanhou, pegou as chaves do carro e saiu dali.

 

Correndo, ela foi até a garagem do prédio e procurou pela vaga aonde sabia que seu carro estava parado. Seu Chevy Impala 67, que comprara dois anos antes, depois de juntar dinheiro por um bom tempo. Em outros momentos, ela sorriria ao ver seu “bebê”, mas não naquele momento. Largou os envelopes no banco do passageiro, colocou a chave na ignição e três segundos depois já disparava para fora do prédio, com os pneus cantando.

 

Thalia deveria estar prestando atenção no trânsito, mas estava completamente distraída. Só não bateu o carro porque o caminho até o cemitério parecia ser meio automático. A única coisa em que sua mente estava presa era Luke. Os bons momentos com Luke. A saudade. O amor.

 

Pouco tempo depois, chegou no cemitério. Estacionou seu carro em qualquer lugar, apanhou os envelopes no banco ao seu lado e saiu do Impala, procurando à toa pelas lápides. Seu coração se apertava cada vez mais e ela chegou a pensar que Luke não tinha nem uma lápide decente.

 

Mas, infelizmente, ela encontrara. A gelada lápide de pedra se erguia a sua frente, com o nome “Luke Castellan” escrito com letras garrafais. Só Deus sabia o quanto o coração de Thalia estava partido. Ela caiu de joelhos, com lágrimas correndo pelo rosto. Ela já não se preocupava mais em segurá-las. Sabia que não conseguiria. 
Se ficara minutos ou horas ali, ela não sabia. Só se tocou da realidade quando sentiu a textura do papel do envelope nas mãos. Enxugou as lágrimas com as costas da mão e pegou o envelope mais amarelado.

 

Ainda de joelhos, ela o observou com um sorriso triste.

 

— Olhe, Luke — ela disse, como se ele pudesse ouvi-la. — Esse envelope. Aqui tem uma carta, que eu escrevi para você quando levei alta, saí do hospital e descobri a sua... situação. Você nunca a leu, mas eu nunca pretendi que lesse também. Oras, agora não tem mais importância mesmo. Vamos lá, acho que você quer saber o que está escrito aqui.

 

Delicadamente, Thalia abriu o envelope e tirou o papel já ficando amarelado pelo tempo. Desdobrou-o e pigarreou baixinho antes de começar a ler.

 

Caro Luke,
 

 

Não sei por que estou escrevendo isso. Você nunca lerá essa carta, de qualquer maneira. Eu só... Precisava que você soubesse de algumas coisas. Primeiro, eu soube de você. Digo, do seu envolvimento com as drogas e aquela coisa toda.
 

 

Mas por que você fez isso, Luke? Quer dizer, estávamos felizes! Eu não ficaria de coma para sempre. 
 

 

Mas não ficarei falando dos seus erros. Eles são inúteis agora. Só queria que você lesse isso e lembrasse de nós, Luke. Lembra aquela vez que fomos ao Central Park? Aquela em que nos perdemos? Foi engraçado, pois quando você me achou, a única coisa que fez foi vir na minha direção, chorando. Você então me abraçou e pediu para que eu ficasse em silêncio e murmurou um: Não quero te perder de novo.
 

 

Lembra aquela vez que ficamos deitados na grama da sua casa, olhando as estrelas? Não dizíamos uma só palavra. Você me abraçava e ora ou outra acariciava meus cabelos. A única vez que você falou alguma coisa foi aquela hora que você olhou dentro dos meus olhos e falou: “Nenhuma estrela tem o brilho dos seus olhos, Thalia. Eu te amo”.
 

 

E aquela vez que fomos à sorveteria? Era verão e fazia um calor infernal. Você me levou até lá e me pagou um sorvete de chocolate. O calor era tanto que meu sorvete começou a derreter. Pensei que você ia achar aquilo normal, mas até naquele momento você arranjou uma oportunidade de falar algo bonito. Você disse: “Não se preocupe, Thalia. Nosso amor nunca irá derreter”.

 

A única coisa que eu quero que você saiba, Luke, é que eu não me importo com seus erros. As lembranças boas ainda estão na minha mente.

 

Eu te amo.

 

Com amor, Thalia Grace.

 

Thalia dobrou novamente a folha e a guardou no envelope. Voltou a olhar, então, para a lápide. O vento bagunçava seus cabelos e secava as lágrimas que ainda corriam pelas suas bochechas, mas ela não ligava para isso.

 

— Queria que você dissesse o que achou da carta, Luke. Quero dizer, eu realmente amaria isso. Mas, bem, você não pode. Ah, tudo bem. Mesmo. Vou ler a sua carta agora — Thalia sorriu para a lápide e abriu a carta de Luke.

 

Thalia.

 

Se você ler essa carta, significa que estou morto. Sei que se você estivesse aqui, me bateria muito. A questão é que eu não agüento mais. Não agüento mais conviver sabendo de todos os erros que cometi, sabendo que te abandonei. Se eu pudesse voltar no tempo, jamais teria experimentado a heroína uma vez sequer. A questão é que meu coração simplesmente não agüentou te ver morrendo aos poucos naquela cama de hospital. Quero que você saiba que, sim, soube que você ganhou alta. 

 

Só não tive coragem de voltar para você. Eu estava com a aparência doentia, Thalia. Ainda estou. Mas eu não queria te fazer sofrer, essa é a única coisa que eu nunca quis.

 

Só quero que você saiba que eu nunca te esqueci. Nem nos meus momentos em que a droga estava dominando todo o meu corpo eu te esqueci. Você sempre foi a alucinação que eu via quando usava maconha. 

 

Mas, por Deus, Thalia. Eu sempre fui medroso. Sempre tive medo de amar, sempre tive medo de morrer. E depois que te conheci, meus medos de reverteram. Tive medo de te amar. Tive medo de te ver morrer. 

 

E desde então, meus medos só aumentaram.

 

Tive medo de sorrir e nunca mais ver seu sorriso de novo. Tive medo de cair e não te ter ao meu lado para me levantar. Tive medo de amar e não ser amado. Tive medo de viver sem você. Tive medo de tudo, Thalia. 

 

Preciso de você ao meu lado, mas tenho medo da sua reação. Se você não me perdoar, o que será de mim, me diga? Eu não quero mais viver, Thalia. Não se for para viver longe de você.

 

Sei que estou fazendo a pior coisa da minha vida.

 

Mas se eu morrer, quero que saiba que morri de amor.

 

Com amor, Luke Castellan.

Thalia terminou de ler a carta chorando. Ela jamais lera algo que partisse o seu coração daquela maneira. Ela estava despedaçada. Aquela havia sido a coisa mais linda e ao mesmo tempo mais triste que já lera.

 

— Não se preocupe, Luke. Eu nunca vou deixar de te amar — ela disse, com a voz embargada. Enxugando as lágrimas, ela se levantou.

 

E enquanto ela deixava o cemitério, ela sentiu por um segundo como se estivesse sendo abraçada pelo vento. Luke estava abraçando-a daquele jeito.

 

Ela sabia.
 


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? *-*