Contos sem Fadas escrita por matthewillians


Capítulo 4
Através dos Vidros da Janela




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Chuva, tão doce e calma, caía despreocupadamente lá fora, livre para escorrer pelo chão, inundar a terra já lamacenta, esgueirar-se por entre a grama e banhar a tantas plantas daquele imenso campo que se via através daqueles dos já embaçados vidros. Livre. Que inveja da chuva sentia Mary, que sentada no divã, apoiava-se no parapeito da janela a fim de desfrutar da melhor visão possível de tal fenômeno climático.

A garoto recém completara seus sete anos e, no entanto, já sabia dizer com a clareza e complexidade que seus poucos anos de vida o que era o sentimento de solidão. Uma criança que chegou demasiadamente cedo à mocidade, desistindo de todo o glamour que uma boa infância pode proporcionar. Das brincadeiras nas ruas, das bonecas, dos namoricos e fofoquinhas. Nada mais disso lhe pertencia ou fazia parte de sua realidade.

Um suspiro ecoou pela sala imensa e vazia e Mary virou-se, sentando-se adequadamente e calçando suas pantufas. A noite estava calma, não havia sinal de agitação no céu, aparentemente os inimigos estavam em trégua. Ou talvez fosse apenas uma emboscada. Quem sabe? Mary sentiu que normalmente este não era o tipo de coisa que alguém de sua idade deveria se preocupar, mas ainda assim ela temia pelos mais novos.

Crianças e mulheres de todas as idades se reuniam naquele campo de refugiados no interior Inglês. Quando os adultos resolviam brincar de guerra, supostamente estes indivíduos deveriam ser poupados, mas todos sabiam, soldados aliados ou inimigos, e todos ali, que não era bem assim que transcorriam os fatos. Nunca foi, durante toda a sangrenta história da humanidade.

Agora, mesmo sendo tão jovem e miúda, a pequena Mary ajeitou a longa camisola branca de algodão, arrumou a fita de seda azul que prendia parte dos longos e cacheados fios dourados que compunham seu cabelo e se pôs de pé, seguindo até o humilde dormitório que dividia com outras crianças. Foi vagarosamente pelo corredor com uma vela sobre um prato em mãos. A porta rangeu suave, mas ninguém notou sua chegada, dormiam todos profundamente, fugindo desesperadamente da realidade, voltando, nem que por poucas horas, à pacífica Londres que estavam acostumados.

Mary analisou cada uma das camas de seus colegas de quarto, às vezes cobrindo um ou outro. Em dado momento um dos garotos agitou-se durante o sono, provavelmente um pesadelo, e a pequena logo se colocou ao lado de sua cama, acariciando seu rosto e sussurrando palavras tranqüilizadoras. Conhecia o menino que ali jazia, eram da mesma rua em tempos passados e costumavam estudar e brincar juntos, visto que compartilhavam da mesma professora particular. Suas famílias eram muito amigas e diversas vezes Mary ouvira seus pais comentarem sobre um suposto casamento arranjado entre eles. Ela não se importava, era jovem demais e, além disso, era um costume da época.

Agora nada mais restara, a mãe do menino morrera de pneumonia poucos dias atrás, e os pais de ambos lutavam na guerra, verdade seja dito, mal sabiam se ainda estavam vivos. A mãe de Mary machucara-se no último ataque e a ferida infeccionara, a garotinha sabia que não lhe restava muito tempo.

A loira levantou-se, agora que o amigo se acalmara, e seguiu para sua própria cama, cobrindo-se com o quente cobertor de lã. Deu uma última olhada na janela do quarto e enquanto serrava os olhos concentrou-se em ouvir apenas o ruído da chuva lá fora. Podiam morrer todos, mas a esperança prosperaria.


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Notas finais do capítulo

Meu, fiquei tocada quando escrevi isso u.u



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