Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 74
Um novo capítulo: o Anjo da Noite


Notas iniciais do capítulo

Algumas histórias vão além da história. Esse capítulo é... algo entre o que a história é e o que temos medo de contar. Também é minha tentativa de prestar uma homenagem tanto ao fim do mangá quanto ao fim do anime (o anime mesmo, não os OVAs). Para aqueles que desejarem se aventurarem nessa terra sem lei, sejam bem vindos. Música daqui "My immortal", do Evanescence - escolhida em homenagem a amizade mais antiga e preciosa que eu tenho, mas não menos relevante para o capítulo por isso.



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I'm so tired of being here
Suppressed by all my childish fears
And if you have to leave
I wish that you would just leave
'Cause your presence still lingers here
And it won't leave me alone

These wounds won't seem to heal
This pain is just too real
There's just too much that time cannot erase

When you cried, I'd wipe away all of your tears
When you'd scream, I'd fight away all of your fears
And I held your hand through all of these years
But you still have all of me

You used to captivate me
By your resonating light
Now, I'm bound by the life you've left behind
Your face it haunts my once pleasant dreams
Your voice it chased away all the sanity in me

These wounds won't seem to heal
This pain is just too real
There's just too much that time cannot erase

When you cried, I'd wipe away all of your tears
When you'd scream, I'd fight away all of your fears
And I held your hand through all of these years
But you still have all of me

I've tried so hard to tell myself that you're gone
But though you're still with me
I've been alone all along

When you cried, I'd wipe away all of your tears
When you'd scream, I'd fight away all of your fears
And I held your hand through all of these years
But you still have all of me

 

 

 

— Eu ainda sinto a presença dele. – Celas murmurou. Suas palavras ecoaram pela mansão com o peso de uma confissão. A mesma confissão que vampira fez ao fim da guerra da Inglaterra, quando Alucard deixou de ser. Naquele dia, Integra sabia de quem a vampira estava falando.

— Sim. – Integra respondeu. Não se importando em perguntar se ela se referia a Alucard ou a Vlad. Afinal, todas as noites, antes de dormir, Integra via em sua mente o mesmo rosto. Ela não tentava mais definir a cor dos olhos dele, por não saber como reagiria se descobrisse.

.

.

.

Como todas as manhãs nos últimos sete anos, Integra acordou com o apito irritante de seu despertador. Não havia passos no corredor que a despertassem durante a noite. Não havia uma presença que a observava por detrás dos espelhos. Não havia alguém dormindo a seu lado mormurando contos de guerra em romeno.

A condessa abriu seu olho azul para mais um dia de atividades na Hellsing. A guerra havia acabado, mas ainda havia batalhas para serem vencidas. Havia monstros entre os homens. Com um suspiro e um gesto desnecessariamente violento para calar o despertator, Integra levantou-se.

Sir Penwood não era um desses monstros. Integra estava satisfeita com a ideia de treinar esgrima com o rapaz naquela tarde. E foi um bom treino, mesmo com o rapaz ainda tão incapaz com a espada. Mesmo com Seção XIII do Vaticano se fazendo presente e lembrando-a que havia sempre outra guerra no horizonte.

E ela, numa tentativa de ser menos amarga, ser menos distante, agradeceu:

— Obrigada pelo treino, Sir Penwood. O senhor está melhorando a cada dia.

— S-sim. Di-Digo, imagine...

O rapaz gaguejou uma conversa sem sentido que Integra não deu muita atenção. Por um instante, ela viu olhos amarelos refletidos em um espelho e sentiu a presença do dono de tais olhos atrás de si.

Vlad treinou esgrima com a Hellsing por vinte e dois anos, o quanto aguentou erguer o peso da espada. Integra tinha certeza que nunca o agradeceu por isso.

Ela também jamais encontrou um adversário a altura depois disso. E ela também nunca agradeceu ao conte por tê-la ensinado tão bem.

O rapaz perguntou algo sobre o próprio avô e Integra voltou sua atenção mais uma vez para o momento. Ela murmurou elogios sem peso algum e Sir Penwood pareceu contente.

Integra se lembrou mais uma vez das palavras que tinham todo o peso do mundo, mas que nunca foram ditas.

Palavras de gratidão para um mordomo. Palavras de paixão para um servo. Palavras de camaradagem para um marido.

Palavras que por mais que fossem ditas, não seriam mais ouvidas.

Integra fechou seu olho, respirou fundo, fitou mais uma vez o rapaz a sua frente e conversou com ele mais um pouco. Ela não precisava olhar para trás, ou focar no espelho, ou qualquer outra bobagem para saber que o fantasma de Vlad vivia apenas em sua própria mente. Que os únicos olhos vermelhos que vigiavam a mansão Hellsing pertenciam a Celas. Que as sombras que a cercavam, apesar de familiares, pertenciam a outro servo. Por alguns instantes, ela podia deixar o passado para trás e focar no futuro. Ela podia criar conexões em vez de destruí-las. Merian teria o apoio de Celas. Um dia, ela precisaria do apoio dos demais integrantes da Távola.

Nesse dia Integra teria feito todo o possível para garantir esse apoio. Por isso, hoje, Integra ainda lutava.

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.

.

No calar da noite, ecoando em seus sonhos, não houve um vento frio. Não houve a invasão das sombras. Não houve o sentimento de que estava sendo observada. Não houve ameaças.

Mas Integra sabia que ele estava no quarto. Quieto como um fantasma.

E não era só isso que ele podia ser, afinal? Um fantasma?

Todas as noites, antes de dormir, Integra via o rosto dele nas sombras. Todas as noites, ela falhava em identificar a cor dos olhos dele. Nessa noite, isso era imprescindível.

— Quem é você?

Ambos já haviam voltado da morte antes. Isso não impediu que ela mantivesse a arma apontada para ele.

Um raio caiu ao longe, mas o relâmpago resultante foi o suficiente para iluminar o quarto. Apenas por um instante, mas o suficiente para que ela visse os olhos amarelados de seu marido. Para a noite ela murmurou seu nome e sentiu seu coração se estilhaçar em seu peito.

Porque ela sofreu com sua morte, mas sua morte estava no passado. Sofrida. Lamentada. Aceita.

E Integra sabia que ela devia estar feliz com a sua volta. Mas...

Ele riu. Riu com mania e sem humor. Um riso frio que fazia com que as sombras da mansão estremecessem. E ela sabia. O vampiro havia voltado.

Era o vampiro que se apresentava a sua frente. Feições pálidas que compartilhava com Vlad. Cabelos cacheados e olhos amarelos como Integra jamais vira no vampiro, apenas em Vlad.

Seu desejo mais sincero sempre foi a volta do vampiro. Não do monstro que ele apresentava, mas do lado mais sensível que ela via sob a pele gelada dele, num piscar de olhos, numa mudança de expressão. No homem que ela imaginava seria como aquele que se mostrava a frente dela, uma amalgama entre homem e vampiro.

Por que a esperança cortava sua alma como uma faca?

— Alucard... Você...

— Eu voltei, Condessa.

As palavras ressoaram pela noite, corrompidas e frias como se a morte tivesse as suspirado em seus ouvidos. Palavras que deveriam ser ouvidas apenas pelos condenados, pelos moribundos.

Alucard a chamou apenas uma vez de condessa, quando o selo foi liberado, trinta anos atrás, durante a guerra da Inglaterra. Naquele dia, o título tinha o peso de “Mestra”. Tinha o peso de “Senhora”. Uma promessa de que tudo que podia ser ele era dela.

Esta noite, ele podia muito bem ter dito “puta” e as palavras teriam o mesmo fel. Ele estava decepcionado com ela? Por ter se casado? Por ter se casado com o que francamente era uma versão dele mesmo? Mesmo com ela tendo se mantido pura e fiel por trinta anos?

— Alucard eu...

E de repente eles não estavam mais na Mansão. Bom, eles estavam na Mansão, mas Integra tinha ciência o suficiente de si para saber que aquela Mansão não era real. Que aquele quarto que dividira com seu marido não era mais daquele jeito há sete anos. Que o caixão negro exposto no meio do quarto não pertencia ali. O caixão de Alucard jamais pertenceu ao seu dormitório e o corpo de Vlad jamais pertenceu àquele caixão. Principalmente como estava: coberto de rosas brancas manchadas por sangue, vestindo uma coroa de espinhos e não aparentando mais de trinta anos de idade.

Pela janela, o tufão eterno de sua alma ameaçava levar a mansão consigo.

— Alucard! Pare com isso! O que...

Para seu horror, Alucard a ignorou e se aproximou do caixão. Com uma única mão, Alucard ergueu o corpo de Vlad, em um gesto similar ao de uma mãe que sustenta a cabeça de um recém-nascido. Com a outra mão, o vampiro afastou suas vestes, expondo o pescoço intocado.

Integra, certa de que o vampiro iria destruir a carne e sugar o sangue, tentou reagir, tentou impedi-lo, mas não conseguiu se mexer.

Alucard, contrariando qualquer expectativa, apenas depositou um beijo onde, estivesse Vlad vivo, ele sentiria o pulso do rapaz. O vampiro manteve a posição por alguns segundos, olhos fechados como que em prece, para depois depositar o corpo novamente em repouso.

— Você o matou. – Alucard disse, ainda olhando para o corpo. Seu olhar era reverente para com Vlad, mas sua voz carregava toda a fúria da guerra. Não de uma guerra. De todas as guerras.

— Alucard, eu exijo que você pare com isso neste instante. – Integra ordenou, quase que em lágrimas. Se de frustração, raiva ou medo, ela não sabia dizer.

— Eu não respondo mais a você. – Ele disse.

— O que...

— Eu sou o pássaro de Hermes. Eu devorei minhas próprias asas. É dessa forma que fui domado. – O Vampiro então se voltou para Integra e ergueu as duas mãos, virando-as para mostrá-las para Integra. Sem luvas. Sem selo. – Você quebrou o selo, devolveu minhas asas. O que me obrigaria a servi-la?

Amor. Integra pensou, realmente sem querer. Antes que pudesse pensar em o que de fato responder para o vampiro, Alucard estava rindo. Um riso alto e louco que fazia as paredes da não-mansão tremerem como o tufão do outro lado da janela jamais fora capaz.

— Amor? AMOR?

— Alucard...

Pega na torrente de ter Alucard dentro de seus pensamentos, desdenhando de seus sentimentos, Integra não sabia como reagir. Ele era um monstro sim, era cruel sim. Mas nunca com ela... Nunca para ela...

— Eu jamais a amei. Jamais a amaria.

Mas... Ela viu. Mais de uma vez, ela viu algo mudar em seus olhos vermelhos. Ela viu algo que só podia ser identificado como adoração. Ela viu o potencial de alguma coisa... Ela tinha tanta... Ela tinha certeza disso, não tinha?

Os olhos do vampiro se voltaram para alguém do outro lado do quarto e Integra viu os vultos daqueles que acompanharam o conde em seus últimos dias, todos em tons de cinza, etéreos como hologramas: Celas. Merion. Andrew. Apenas Mihaella parecia uma presença real no quarto. Sólida, em cores. Ao sentir o peso do olhar do vampiro, Mihaella sorriu. Alucard retribuiu o sorriso de forma quase tímida, quase real. Mas nem Mihaella e nem a expressão no rosto do vampiro eram reais, Integra sabia.

Celas escolheu aquele momento para entrar no quarto, carregando seu canhão sobre o ombro e perguntando o que tinha acontecido. Sua presença quebrou a ilusão. Estavam novamente na mansão Hellsing.

O sorriso no rosto da vampira ao ver seu mestre era nauseante.

— Mestre! Você voltou! Você voltou! Onde esteve por tanto tempo?

— Eu matei todas as vidas dentro de mim. Três milhões quatrocentas e vinte e quatro mil oitocentas e sessenta e sete vidas. Todas as vidas que eu tomei. Matei todas elas, com exceção de uma. Uma apenas, uma que eu jamais poderia ter ferido. Era um presente. Você deveria tê-lo protegido melhor Celas. E você... Por que você o matou, Integra?

— O que... Mestre... O que? Vlad? – Celas perguntou, sem saber como reagir.

— Ele não estava feliz, revivendo os mesmo pesadelos em sua cela, trancado naquele quarto em meio à neve, mas ele estava seguro. Eu não queria tê-lo deixado sozinho em meio ao sangue, em meio ao fogo. Ele não merecia viver outra guerra. Mas arriscar perdê-lo para Schrödinger era inconcebível. E ele merecia uma segunda chance, ele merecia ser feliz. Por que vocês não o amaram o quanto ele merecia?

— Alucard, pare agora...

— Ele ainda estaria vivo se vocês tivessem o amado direito.

Não... Alucard estava mesmo dizendo que foi o que Vlad sofreu ao lado de Integra que o matou? Ela sabia que ele se alimentava de energia, e que maus sentimentos o enfraqueciam mas...

— Não. Isso não é verdade. – Integra respondeu, resolutamente. – Nós amamos Vlad com tudo o que tínhamos. Nós demos a ele o que podia ser dado. Ele foi feliz. Ele queria descansar.

— Ha! Então você deu a ele tudo o que tinha? Seu corpo? Seu coração? Um filho? – Alucard continuou.

O peso da culpa era avassalador, até que Integra percebeu que algo não se encaixava.

— Você o amava? – Ela perguntou.

— Eu não tenho alma, Sir Hellsing. Como, diga-me como, poderia eu amar?  Como poderia ser amado?

— Mas você... Você sentia algo. Você o acolheu. Está agora tentando nos ferir porque se sente ferido pela falta dele. Você vibrava pela guerra. Você adotou Celas. Você... Você me adorava.

— Não, Sir Hellsing. Não eu. – Ele depositou a mão sobre o próprio peito. – Pois apenas ama aquele que vive. Aquele que vivia em mim.

E então, sete, não, trinta anos atrasada, Integra entendeu. Ela jamais amou o vampiro. Ela amou um ser mais doce, mais sensível, um ser dos quais ela tinha apenas alguns vislumbres, mas que foram suficientes para conquistar seu coração e sua alma. Ela amava quem o vampiro era quando era humano, quando estava vivo. Ela amava a alma que habitava em algum lugar da escuridão da existência de Alucard.

Por toda sua vida, Integra amou Vlad, sem saber que era a ele quem amava.

As lágrimas que não caíram com a traição de Walter, as lágrimas que não caíram com o fim da existência do vampiro e as malditas lágrimas que não caíram com a morte de Vlad escolheram aquele momento para florescer em seus olhos.

Quando a primeira delas atingiu o chão, o baque foi alto o suficiente para quebrar mais uma ilusão. A acusação e o ódio que brilhavam nos olhos amarelados de Alucard até um momento atrás se foram. Seus olhos agora brilhavam vermelhos na noite. Seu sorriso manso mostrava sua total falta de sentimentos, fosse qual fosse a reação dela.

Era um jogo, um divertimento vazio para alguém que era imortal.

— Por que você está aqui, Alucard?

— Posso estar em lugar nenhum. Por isso estou aqui. Estou em todos os lugares.

Integra assentiu com a cabeça. Fechou seu único olho azul e pensou no que o futuro lhe reservava. Se sua alma teria forças para lidar com as verdades que aprendeu essa noite.

Por um único e fugaz momento, imaginou se não seria melhor não ser capaz de sentir, assim como o vampiro. Deixar que o frenesi por sangue fosse seu único companheiro. Deixar que o próximo segundo ou o próximo século tivessem o mesmo peso. Poder ser nada e estar em nenhum lugar.

Quando abriu seu olho, o vampiro estava bem a sua frente, sorrindo.

— Deseja provar meu sangue, Sir Hellsing?

Naquele momento, ela desejava.

 

 

Uma vez mais,

Fim


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Notas finais do capítulo

Uma vez mais, obrigada a todos. Àqueles que eu decepcionei de alguma forma, peço perdão. Apesar da demora, contar essa história, receber o apoio de todos vocês, passar tanto tempo da minha vida entre vocês, foi uma alegria que não se descreve. Obrigada de verdade e, espero eu, até a próxima.



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