Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 65
Capítulo 65. Desespero


Notas iniciais do capítulo

Música de hoje é "Riding a black unicorn" do Aurélio Voltaire.



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A darkness falls over the land
It slays with a wave of its hand
And i try to see
The light through the disease
I tried to get up on my feet
Been so long, shackled down on my knees
For somewhere deep inside i know
That fate favours the bold
So tonight i'm riding a black unicorn
Down the side of an erupting volcano
And i drink, drink drink
From a chalice filled
With the laughter of small children

É interessante como, às vezes, por mais que tenhamos sido avisados, por mais que estejamos preparados, somos pegos de surpresa por aquilo que já esperávamos. Vlad estava começando a questionar sua frágil sanidade, porque era exatamente esse pensamento que se passava por sua cabeça: como somos pegos de surpresa por algo que estávamos esperando. Ele não estava atônito ou apavorado, nem sequer preocupado com o fato de estar pregado em uma cruz, ou com as ruínas que restaram do mundo a sua volta, literalmente em chamas, ou ainda com o vampiro que flutuava diretamente à sua frente, com os cabelos negros e não tão curtos macabramente se movendo como se estivessem embaixo d'água. Será que estavam embaixo d'água apesar do fogo? Vlad testou sua respiração e percebeu-se respirando algo que não era nem ar e nem água, mas fuligem. Uma fuligem que lhe queimava e apodrecia os pulmões.

Eles procuraram tanto por Thomas, se prepararam tanto para o ataque, e para que? No momento em que foi concedida a presença do vampiro na Hellsing o mundo de Vlad se tornou fogo, água, cruz e dor. E por mais que Vlad soubesse que isso era necessário, que se Thomas queria encontrá-lo melhor na Hellsing que fora dela (porque quem impediria o vampiro de envolver toda a cidade em trevas?), Vlad ainda se encontrava surpreso com a situação e era sua surpresa que o preocupava. Ele sabia que devia estar mais preocupado com isso. Na verdade, talvez devesse estar mais preocupado com a cruz. Ou talvez com o fogo. Ou quem sabe com o vampiro?

Olhou fixamente para Thomas, observando as feições do monstro: marcada por torturas e guerras e tantos, tantos pesadelos... As feridas em seu rosto, algumas abertas, algumas queimadas, algumas necrosadas, todas ainda em sua pele.

– Apesar de ter sido o primeiro truque que aprendeu, confesso ter demorado algumas décadas para fazer o mesmo.

Vlad não entendeu o que Thomas quis dizer e se limitou a olhar fixamente para ele. Thomas continuou a falar:

– O primeiro truque que aprendeu foi a recuperar a própria cabeça, o próprio corpo. Eu ainda carrego todas as cicatrizes que tive em vida e todas as feridas obtidas entre minha morte e o dia em que aprendi a regenerá-las.

Após dizer essas palavras Thomas rosnou e com suas próximas palavras o mundo deixou de ser água para a gravidade voltar a funcionar e Vlad perceber que estava sendo crucificado de cabeça para baixo. As palavras de Thomas causando feridas não diferentes do fogo ao seu redor:

– PORQUE NÃO ME ENSINOU ESSE SEGREDO?

Vlad respirou fundo contra a dor de ter sua pele consumida pelo fogo e pelo ódio nas palavras, apenas para ter o peito novamente preenchido por fuligem. Apesar da dor, ergueu os olhos âmbares, olhando o mais profundamente que podia para os olhos vermelhos do vampiro, vendo no sangue apenas desespero, ódio e desesperança.

– Não cabe a mim ensinar nada a você.

E por mais que Vlad estivesse preso à cruz, com o corpo se decompondo pelas chamas e comprimido pela gravidade, foi Thomas quem desviou o olhar.

– Não. E é exatamente por isso que estou aqui. Porque o "No-life King" não é mais.

Vlad pensou em perguntar se morreria ali, mas chegou à conclusão que essa não era a pergunta que ele queria fazer. O que ele realmente queria saber é se em alguma das cruzes invertidas que via ao longe estavam Integra, Celas ou Mihaella. E se assim fosse, o que ele podia oferecer para livrá-las de tal sina. Afinal, tudo o que aconteceu sempre foi entre ele e Thomas. Apenas entre ele e Thomas.

– Elas não estão aqui, majestade.

"Majestade". O título chamou a atenção de Vlad, que continuava a olhar para o vampiro:

– Minha coroa não existe mais e mesmo que existisse não é a sua pátria. Por que usaria tal título?

– "The renegade", lembra-se? Acha mesmo que eu respeitaria um título de nobreza?

– Mas então...

– Baffled King... Por que eu, hoje o ser da noite mais poderoso sobre a terra, sequer reconheceria um título de nobreza?

E Vlad não sabia de onde vieram as palavras que proferiu em seguida, mas pela primeira vez naquele inferno de cruzes, o fogo não consumiu apenas a sua pele, como também a de Thomas:

– Aquele que brinca com os mortos, deve se juntar a eles.

Após alguns segundos, ou alguns séculos, as chamas se acalmaram e tanto Thomas quanto Vlad ficaram fora do alcance delas. A pele queimada de ambos, no entanto, continuaram como estavam.

– É por isso que eu estou aqui. Para tomar algo que só pode ser ofertado.

E com essas palavras, o próprio Thomas riu. Um riso desesperado, triste e ao mesmo tempo sombrio. Um riso tão parecido com seus olhos vermelhos.

– Porque, como sempre foi o caso, eu preciso do seu sangue.

Então, Vlad finalmente desviou o olhar. O que impedia Thomas de matá-lo e beber seu sangue? Estava indefeso naquele mundo de trevas e fogo, pregado à cruz e já quase sem pele, sem o vampiro que costumava a habitar sua alma para contar-lhe pelo menos mais um segredo sombrio, mais um truque de magia negra.

– Mas o que poderia eu fazer para merecê-lo? - Perguntou por fim o vampiro e Vlad se viu deitado no chão, olhando para o céu enegrecido, coberto de tenebrosas nuvens de chuva e fuligem, apesar de um curioso raio de luz que parecia incidir diretamente sobre seus olhos. Ergueu uma das mãos, tentando cobri-los, para finalmente olhar para sua mão e vê-la carbonizada, totalmente sem pele, com os ossos das pontas do dedão, indicador e dedo médio já aparecendo, o restante apenas uma massa negra e putrefata. Tentou fechar os olhos, mas percebeu-se sem pálpebras. Ao tentar tocar o próprio rosto, percebeu que apesar de ter conseguido erguer uma das mãos, mal tinha forças para respirar aquele ar que lhe queimava os pulmões, muito menos tocar o próprio rosto. Resignado a olhar para o vampiro, já que apenas seus olhos pareciam lhe obedecer, descobriu-o sentado ao seu lado, quase como... Quase como se ele se importasse.

– Você era tão belo. Uma presença impossível de ser ignorada. Eu olhava para você e pensava: por que? Por que alguém tão poderoso, alguém tão irresistível, vivia às sombras de sua própria vida? Por que não pegar em suas mãos o poder que tinha e ter tudo? Fama, seguidores, bens, tudo?

Vlad continuou a olhar para o vampiro, sem saber o que dizer, apenas para perceber que as novas feridas na pele dele não cicatrizavam. Thomas parecia não se importar e continuou a falar:

– E você me dizia que não se importava, porque não tinha alma. Porque tinha desistido de sua alma. Mas a alma humana, é a coisa mais sagrada e poderosa desse mundo. Então, por que abriu mão da sua? E eu soube, eu soube que jamais poderia desistir da minha. Eu seria grande, maior que você, se apenas pudesse partilhar comigo seu sangue. E você, depois de tanto me desprezar, transformou a mim em um vampiro. Um igual. E me deixou a eternidade para me arrepender.

Thomas tocou no próprio rosto, percebendo as novas feridas em sua pele. Fechou os olhos, continuando a falar:

– Isso é o que sobrou da minha alma. Ruínas, chamas e fuligem. Nada se regenera aqui, tudo apenas rui. Dia após dia, tudo apenas se consome. Um lugar onde nada brota, onde nada vive. Um lugar a que me condenou por atender o meu mais ardente desejo e depois, como sempre fez, apenas me desprezar, pelo tempo em que a eternidade nos concedeu. E eu tentei tanto ser poderoso o suficiente para chamar sua atenção...

Naquele momento, Vlad se esqueceu da dor, ignorou o que sabia sobre os atos monstruosos do vampiro a sua frente e sentiu pena dele. Tentou umedecer os lábios para falar alguma coisa, mas entre sua saliva que se tornara fuligem e seus lábios corroídos pelo fogo, Vlad não pode dizer que sua própria alma era neve, sangue e loucura e que ele não sabia como ajudar. Que sua alma não era melhor que aquele lugar, que por mais que um inferno de gelo dê lugar a um inferno de fogo, continua apenas a ser o inferno. Mas Thomas, como lhe parecia possível, respondeu aos seus pensamentos:

– Mas no final, desistir de sua alma foi o que permitiu ao rei mantê-la. Com todas as imperfeições que fazem uma alma humana perfeita. E agora, depois do pó, depois da insanidade, depois da guerra, essa alma toma novamente forma e nesse lugar onde nada brota, onde os céus estão sempre prometendo a chuva mas o mundo é coberto por chamas, apareceu aquela irritante brecha de esperança, impossível de ser ignorada. E foi por isso que eu vim até a Inglaterra.

Thomas estendeu uma das mãos, colocou-a embaixo da cabeça de Vlad e o ergueu do chão, como se ele não passasse de uma folha de papel. Talvez ele não passasse. E com um cuidado e reverência que Vlad não entendeu, Thomas aproximou o que restava do corpo de Vlad para perto de si, até posicioná-lo sentado, com as costas apoiada contra o peito do vampiro, direcionando seu rosto para o chão, onde sua cabeça estava antes, exatamente onde o raio de luz tocava o chão. E se o chão, apesar do fogo, era puro sangue e fluídos, onde o raio de luz o tocava, havia uma flor de lótus.

– Algo floresceu nessa terra infértil. E foi por sua causa. Sua mera existência trouxe luz e vida à minha alma, há tantas décadas em ruínas...

– Esperança. - Vlad murmurou, mas não conseguiu dizer o resto da frase. Esperança de que?

E Thomas respondeu:

– Sua presença mostrou a todos os imortais que há motivos para acreditar na vida mais uma vez. E para aqueles que permitiram que a luz os atingissem... Flores brotaram...

Thomas respirou fundo, não se importando quando as fuligens queimaram sua narinas. E num tom muito mis contido, muito mais humilde, mas muito mais calmo do que o que vinha usando até agora, disse:

– Quando tudo e nada se tornam a mesma coisa, apenas o sangue daquele que vive na morte é capaz de operar milagres. Eu posso tomar do seu corpo o seu sangue, mas apenas se ele for dado a mim ele fará seus milagres. Foi assim em vida e assim será na morte.

Vlad usou todas as forças que restavam em seu corpo destruído para virar a cabeça o suficiente para olhar para o vampiro.

Não.

E o inferno de Thomas se cobriu de neve.

When darkness takes over your soul
And makes you feel alone in the cold
Find me and grab ahold
This chalice, it overflows
Tonight you're riding a black unicorn
Down the side of an erupting volcano
And you drink, drink, drink
From a chalice filled
With the laughter of small children

Lords of strength and gods of might
Hand over the reign
Bless our path, that tonight we find the will
To break these chains and ride
So tonight we're riding our black unicorns
Down the side of an erupting volcano
And we drink, drink, drink
From a chalice filled
With the laughter of small children
And the blood and tears of our enemies.


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Notas finais do capítulo

Read and Review.



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