Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 60
Capítulo 60. Reflexão


Notas iniciais do capítulo

R.E.M. - Losing my religion.



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Oh, life is bigger
It's bigger than you
And you are not me
The lengths that I will go to
The distance in your eyes
Oh, no I've said too much
I set it up

That's me in the corner
That's me in the spot light
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it
Oh no, I've said too much
I haven't said enough

I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try

Every whisper
Of every waking hour
I'm choosing my confessions
Trying to keep an eye on you
Like a hurt, lost and blinded fool (fool)
Oh, no I've said too much
I set it up

Consider this (x2)
The hint of the century
Consider this
The slip that brought me
To my knees failed
What if all these fantasies
Come flailing around
Now I've said too much

I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try

Durante as últimas semanas, o que governava seus dias era a falta. Falta de distrações, falta de ordem, falta de motivos. E ela estava começando a se preocupar, estava começando a perceber, que em breve a falta lhe oprimiria. E se, sem aceitar ou entender, a falta de companhia, a falta de amor, a falta de Vlad a falta de vida aos poucos fossem a obrigando a reconhecer o vazio de seus dias?

Mas no final do dia, seu problema era o excesso. Excesso de informação, excesso de sentimentos conflitantes. E a liga de tudo isso, aquilo que faria o quebra-cabeças se encaixar e fazer algum tipo de sentido, aquilo Integra não sabia o que era.

Sobre as peças, em primeiro lugar. Integra viveu toda sua vida sozinha, não tinha amigos, não tinha pretendentes e não precisava da companhia de ninguém. Fato. Não, isso não era verdade. Vamos Integra, você está tentando solucionar um quebra-cabeças quase impossível , se não se permitir ver as bordas reais de cada encaixe nunca vai conseguir. Integra perdeu seu pai cedo. Sua mãe mais cedo ainda. Seu tio... Bom, é fato que Integra conheceu um tipo de solidão difícil de preencher ainda muito cedo: se ver sem família, sem aquelas pessoas com as quais, não importa o que aconteça, uma união sanguínea sempre existiria. Mas sozinha mesmo? No fim, mesmo que Walter tenha sido uma presença falsa em sua vida, não há como negar que era constante, e durante sua infância e começo da adolescência Integra nunca desconfiou dos olhares e sorrisos tão sinistros de seu mordomo. E claro, havia Alucard. Alucard que Integra não confiava, Alucard que Integra tinha ao mesmo tempo nojo e admiração. Mas Alucard que era uma presença além de constante, imutável. Alucard era dela, jurado a ela e a ela acorrentado. E eterno. Garantia de companhia e fidelidade por toda sua vida. Nenhum dos dois era carinhoso, nenhum deles era afável, nenhum deles realmente gentil. Mas, de qualquer forma, era com aquilo que Integra estava confortável.

E então, traição. Abandono. E Integra ficou com Celas. Celas que falava demais, que às vezes até tentava conversar com ela. Mas Celas que era apenas uma empregada da Hellsing. E tantos outros empregados que não tem espaço nessa equação...

Agora Baron. Integra reconheceu Baron pelo que ele foi: um catalisador. Um impulso para suprir uma vontade inconsciente de acabar com uma situação sobre a qual ela não tinha controle. Para voltar sua vida em seu ponto de conforto. Para afastar Vlad.

Vlad. Esse era a peça que não se encaixava com as demais. E esta peça carregava outras também difíceis de resolver. Sem admitir isso para si mesma, Integra acreditou por meses que Vlad estava apenas sendo frágil ao se sentir tão só. porque Vlad tinha a devoção de Celas e tinha também a companhia de Integra. Depois, ela o achou imaturo. Afinal, Integra também tinha perdido os pais, tão mais nova que ele. Integra também tinha sido traída pelo tio, tão mais nova que ele. Integra também tinha sido traída por alguém que amava e visto seu amor morrer ao fim daquele dia. Não eram tão diferentes os dois. E Integra continuava implacável em sua vida, enquanto Vlad se permitiu entristecer e se tornar oco, vazio.

Mas agora... Quando realmente parou para olhar para Vlad naquela tarde... Apesar de tudo, Integra durante toda sua vida teve algo que a segurou firme. Tinha uma missão. Conduzir a organização Hellsing, eliminar aqueles monstros da face da terra. Vlad? Vlad era um homem além de seu tempo. Não tinha mais sua família, não tinha mais sua pátria, sua língua mãe... E sua missão? A missão pela qual deu sua vida e a daqueles que amava? Não importava mais.

Mas neste quebra-cabeças não importava o que Vlad sentia. Apenas o que Integra sentia sobre isso. Meses atrás ela o achava frágil. Semanas atrás ela tinha aceitado que para ele não havia mais nada, que ele estava incompleto e que esta era sua sina. Mas hoje? Depois de ver tudo o que ele construiu para si em algumas semanas? Vlad era um homem que não tinha nada além de uma segunda chance. E Vlad estava tirando daquilo o que podia. Em algumas semanas, ele tinha construído para si uma família. Integra não sabia bem o que ou quem era a moça Basarab, ela tinha que aceitar isso. Mas se por mérito do vampiro ou do próprio Vlad, o fato não mudava: a moça tinha ficado ao lado dele. Namorada, esposa ou amiga, Vlad tinha alguém com quem compartilhar sua vida agora. Não, não agora... Vlad sempre teve Celas.

E isso deixava Integra tentando entender o que era a cola que unia toda aquela situação: como ela se sentia em relação a Vlad e, igualmente importante, como ela se sentia em relação a si mesma. De si mesma era fácil. Ela sentia um profundo vazio em seus dias e um certo desprezo por si mesma, no sentido de que ela sabia que o mundo não sentiria sua falta. Certamente sentiriam a falta de Sir Hellsing, mas de Integra? Não, ela não achava que alguém realmente lamentaria não mais ter sua companhia. Será que foi assim que Scott se sentiu? Será que foi o próprio medo em reconhecer este sentimento subentendido nas atitudes dele que a fez desistir de tentar e arruinar tudo o que estava lhe sendo prometido? Hoje, depois do fim, depois da distância, ela tinha que reconhecer que sim.

Mas Vlad disse... Vlad disse que aquilo não era o fim. Mas era, não era? E depois... O que ela sentia em relação a Vlad? Era inveja por ele ter conseguido finalmente o que ela sempre quis e nunca encontrou, uma família? Ou era ciúme? Era admiração? Puro e simples afeto?

Podiam ser todas as opções anteriores?

No fundo, Integra sentia inveja de Ella. Não por Vlad. Talvez por Vlad. Mas principalmente porque Ella se permitiu amar e ser amada e isso era uma coisa que Integra não sabia fazer. E reconhecer essa vazio em si mesma, não o mesmo tipo de vazio pelo qual condenou tão severamente Vlad, mas um vazio mesmo assim. foi que a primeira reação de Integra foi ter raiva da tal moça Basarab, cujo sobrenome ela não conseguia se lembrar de onde já tinha ouvido a respeito.

Sem entender ainda qual era seu próprio papel naquele quebra-cabeças quase impossível, Integra acendeu um charuto e se serviu de uma dose de whiskey.

.

.

.

Estava contente por ter vencido as escadas enquanto carregava suas compras. O prédio tinha elevador e eles moravam no quarto andar, mas Mihaella achava que estava engordando e trocar o elevador pelas escadas parecia um bom primeiro passo. A não ser pelas compras. Céus, como ela odiava ter que carregar compras. Principalmente quando tinha que subir pelas escadas.

Mas ela estava aliviada de chegar até o seu andar carregando as tais compras. Até que de fato subiu o último degrau e a abriu a porta do seu andar. As compras cairam de suas mãos e rolaram escada a baixo e ela não se importou nem um pouco. Porque toda sua atenção estava voltada para um Vlad sentado em frente a sua porta (ou em frente a porta dele, realmente não faz diferença), com a cabeça apoiada nos joelhos e as costas na própria porta fechada.

E não, Mihaella não é assim tão impressionável. Com quase 540 anos de idade, Mihaella consideraria a possibilidade de Vlad simplesmente ter esquecido suas chaves e ter preferido esperar por ela. O que assustou a moça a ponto de derrubar suas compras e nem se importar com isso foi o fato da camisa branca de Vlad estar manchada de sangue. E ele parecia não se importar com aquilo.

E ainda com maçãs e produtos de limpeza rolando escada a baixo, Mihaella correu até se ajoelhar a frente de Vlad e, sem aviso, erguer o rosto dele. E a primeira coisa que Mihaella notou não foi a exaustão dos olhos dele, nem a vermelhidão de quem estava segurando as lágrimas há algum tempo, mas o sangue já seco que manchava seu nariz, boca e queixo. E com toda a paciência que não sua idade, mas trabalhar com crianças a ensinou, Mihaella fez uma pergunta simples:

– Vlad. Você não percebeu que seu nariz estava sangrando?

E foi quando Vlad olhou para baixo, com mãos ligeiramente trêmulas puxando a camisa manchada para longe do corpo para que pudesse ver o estrago que tinha feito em sua roupa. Não era muito sangue, mas a impressão não era nada boa.

Depois daquilo, Mihaella o ajudou a se levantar. Sob seu comando, Vlad retirou a chave de seu próprio bolso, abrindo a porta e permitindo que os dois entrassem. E enquanto o conde acabou sentando-se no sofá, Mihaella foi até seu guarda-roupas escolher uma camiseta e um moletom, pegou também um cobertor e um travesseiro na cama e no banheiro uma toalha que umedeceu na pia. Limpar o rosto de Vlad deu menos trabalho do que vê-lo tentar se desfazer de sua camisa com seus dedos ainda ligeiramente trêmulos. Vestir a camiseta e o moletom foi mais rápido.

A moça então sentou-se bem no cantinho do sofá, colocou o travesseiro no colo e puxou e entortou Vlad até que ele pousasse sua cabeça no tal travesseiro, jogando o cobertor por cima do amontoado previamente conhecido como conde Dracul encolhido no sofá.

A noite estava quente, mas Vlad estava gelado. Mihaella deixou que uma mão se perdesse nos cabelos curtos dele, enquanto a outra acariciava o ombro, mesmo que com o cobertor entre eles. Depois, e apenas depois de muitos minutos, Mihaella começou a falar:

– Você está gelado Vlad. - Respirou fundo. - O seu nariz... Eu imagino que não tenha acontecido nada com ele, diretamente? Não?

Vlad nada respondeu.

– Vitalidade e felicidade andam de mãos dadas. Olha... Não me leve a mal, eu não quero interferir... Mas após tantos anos ao lado de um negociante como Vlad III eu vi muitas coisas. E um corpo vivo além de seu tempo... Nós não deveríamos viver tanto, não por nossa própria força. Vlad III vivia das vidas que consumia. Eu vivo das vidas que ganhei de presente. E você Vlad? Você sabe do que você vive?

Vlad ergueu a cabeça e os olhos, permitindo que seus olhos amarelos encontrassem os esverdeados de Mihaella pela primeira vez naquele dia. Mas ele nada disse.

Mihaella continuou a passar os dedos pelos cabelos dele, sentindo seu calor se esvair por entre a ponta de seus dedos e aos pouco aquecer a pele dele. Ainda tão fria ao toque.

Vlad fechou os olhos e a primeira lágrima do dia caiu de seus olhos. Solitária. Pesada. Aquela lágrima não cortou a pele de Mihaella, mas a dor do contato não foi diferente de uma lâmina de aço.

– Da atenção de vocês. Da vida de vocês... Eu... Eu não sou diferente do vampiro, sou? Eu sugo o que há de bom em quem me rodeia... Eu...

– Não Vlad. - Mihaella o interrompeu, curvando-se em si mesma para depositar um beijo suave na testa dele. - Se isso fosse verdade não pense por um minuto que eu hesitaria em dar toda a minha felicidade para que você pudesse viver mais um dia. Você vive por inércia. E...

E nesse ponto Mihaella começou a chorar. Chorar ao ponto de perder suas lentes de contato, deixando que Vlad visse seus olhos vermelhos pela primeira vez neste século. Depois de alguns minutos, ela voltou a falar:

– A força que te mantém vivo, ela apenas se esvai. Ela não sabe se regenerar. E toda vez que alguém te esgota emocionalmente, bom, no seu caso realmente é esgotar. Quando alguém te oferece amor, te oferece carinho... Quando alguém te oferece calor, contato, um sorriso, você fica mais forte. Você se fortalece da vida do próximo. Mas quando alguém exige demais de você, quando você fica triste, com raiva... Quando alguém te agride... Você fica mais fraco. Seu corpo não aguenta. Isso acontece com a maioria das pessoas, mas a maioria das pessoas está viva. Uma boa noite de sono é o suficiente para restaurar suas forças. Mas pessoas como nós? Além de nosso tempo? Nós não temos esse luxo. Quando eu te encontrei você estava morrendo porque a falta de calor na sua vida tinha comprometido seus pulmões. Hoje você estava do lado de fora do seu apartamento com as veias do nariz estouradas. O que vai ser da próxima vez?

Vlad fechou os olhos e nada respondeu, apenas virando o rosto em direção ao estômago de Mihaella e abraçando a cintura dela com um dos braços. Vlad não falou sobre como alguns ferimentos simples demoraram meses para cicatrizar enquanto estava na Romênia, ou como ferimentos mais graves se curaram em semanas enquanto estava com Integra. Vlad não comentou sobre exames de sangue que deveriam ser repetidos mês a mês. Vlad apenas a abraçou e a abraçou, acenando com a cabeça quando Mihaella o fez prometer que da próxima vez, da próxima vez que o que quer que fosse acontecesse que ele ia ligar para ela, que ele ia pedir um abraço quando precisasse de um.

Porque por mais que Mihaella não pudesse se dar ao luxo de se recuperar com uma noite de sono, ela era a única pessoa ainda viva que amava Vlad o suficiente para dar apoio e conforto. E ela tinha ainda centenas de vidas que não fariam sentido se ela o deixasse morrer por falta de afeto. Por falta de amor.

Mihaella não perguntou a Vlad o que tinha acontecido naquele dia. Ele estava grato por isso. No lugar, ela o abraçou e rezou. Rezou para que mesmo que Vlad perdesse a esperança nos outros e nele mesmo, para que ele jamais perdesse a fé no afeto entre eles. Porque ele nada devia esperar dela. Ele já devia saber que, no final, eles tinham apenas um ao outro. Porque eles podiam não compartilhar sangue, mas compartilhavam um tempo, uma história, uma sina e um destino. Eles eram tudo o que restou. Eles eram uma família.

Vlad adormeceu naquela posição. Mihaella continuou rezando.


But that was just a dream
That was just a dream

That's me in the corner
That's me in the spot light
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it
Oh, no I've said too much
I haven't said enough

I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try

But that was just a dream
Try, cry, why, try
That was just a dream
Just a dream, just a dream, dream


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Notas finais do capítulo

Acredito que vcs tenham notado que este é o capítulo 60. Talvez este número merecesse algo mais especial, mas creio que esta frase da Mihaella, solta assim com eles sentados no sofá, seja talvez uma das mais importantes de toda a fic. Espero que tenham gostado!