Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 49
Capítulo 49. Inanição


Notas iniciais do capítulo

"Inanição, segundo a medicina, é um estado em que a pessoa encontra-se extremamente enfraquecida, por falta de alimentos ou por defeito de assimilação dos mesmos.Também foi usada como método de pena de morte onde o condenado é deixado, de alguma forma, ao abandono e sem alimentos."
Música de hoje, Somebody that I used to know. Gotye.



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Now and then I think of when we were together
Like when you said you felt so happy you could die
Told myself that you were right for me
But felt so lonely in your company
But that was love and it's an ache I still remember

You can get addicted to a certain kind of sadness
Like resignation to the end, always the end
So, when we found that we could not make sense
Well, you said that we would still be friends
But I'll admit that I was glad that it was over

But you didn't have to cut me off
Make out like it never happened and that we were nothing
And I don't even need your love
But you treat me like a stranger and that feels so rough
No, you didn't have to stoop so low
Have your friends collect your records and then change your number
I guess that I don't need, that though
Now you're just somebody that I used to know
Now you're just somebody that I used to know
Now you're just somebody that I used to know

- Vlad-san? O que está fazendo aqui fora? – Celas perguntou, estranhando o rapaz deitado na grama, olhando para o céu claro.

- Sir Hellsing me mandou para fora de casa. - Ele respondeu, simplesmente, sem desviar os olhos das nuvens que passavam sobre sua cabeça.

- Sir Hellsing fez o que? – Celas perguntou, quase tendo um chilique.

- Mandou-me para fora, eu acho. Não sei de mais nada.

- Como assim?

- Disse para eu sair de perto dela. Está irritada, não recebeu o recado do enterro de Scott. Nem sabia que havia morrido... Céus, como eu não queria ter que lidar com isso agora.

- Eu... Sinto muito Vlad-san. Bom, não posso fazer nada contra Sir Helsing, já que ela é a mestre de meu mestre. Mas podemos, sei lá, colocar um rato no escritório dela?

- Um rato?

- É, toda mulher tem medo de ratos.

- Ela provavelmente o utilizaria como alvo, daria um tiro no coitado e o deixaria apodrecer no escritório. Nós que teríamos que tirá-lo de lá quando começasse a feder... – Vlad respirou fundo, fechando os olhos que se cansaram da luminosidade do dia.

- A culpa... A culpa de nada disso é sua. Sabe disso, não sabe?

- Celas eu... – Vlad abriu os olhos e virou a cabeça para fitar a expressão desconcertada da vampira. – Eu queria ficar um pouco sozinho, se não se importa?

Victória abriu um meio sorriso sem verdade, acenando com a cabeça e seguindo em frente. Resgatar seus dias de sono perdidos entre sua última missão e se recuperar dos danos emocionais causados pelo enterro. Não pela morte de Scott em si, mas pela pressão que o ecoar das batidas pesadas do coração de Vlad provocavam.

Pensou por alguns segundos se havia algo que ela pudesse fazer, mas não chegou à conclusão nenhuma. Enquanto Vlad amava Integra, no fundo a vampira sabia que Integra jamais amaria Vlad. Não da forma como ele merecia. Nem de forma nenhuma, na verdade. Porque o que quer que seja que a mestre do seu mestre mostrou para Alucard na noite que se conheceram, a firmeza que fazia meia Inglaterra tremer, o poder que exercia, não passava de uma máscara. A dama de ferro da Inglaterra jamais amaria Vlad pelo mesmo motivo que jamais amou Alucard, pelo que jamais se deixou amar qualquer um deles: Porque era uma covarde.

E não importa o quanto Vlad a amasse, não é só de amor que se faz um relacionamento. Até porque, não tem como alguém amar pelos dois.

E a falta de propósito deste amor o estava corroendo.

Mas tudo que a vampira podia fazer era estar por perto quando Vlad quisesse ajuda para recolher os cacos. Bom, ela estaria. Com certeza.

.

.

.

Quando Integra, em alguns poucos momentos mais quietos que tinha - quietos, não de paz, nunca estava em paz – pensava sobre sua vida, lá atrás, desde quando lembrava, percebia que não teve uma vida feliz. Não no geral, nem momentos felizes. Devia ter tido, claro que devia. As pessoas geralmente registram com mais força os momentos desagradáveis e parecem se esquecer dos alegres, onde o tempo passa mais rápido; quando não estamos prestando tanta atenção. De qualquer forma, para Integra, sua infância foi marcada por escolas e babás que ela não gostava, por regras rígidas que não podiam ser quebradas. E por uma vontade enorme de gritar, de quebrar e de simplesmente chorar a morte de sua mãe: lágrimas que seriam encontradas com frieza e violência caso florescessem dos olhos azuis da Hellsing. Então a pequena Integra chorava todas as noites, apenas assim conseguindo dormir.

Aos treze seu pai morreu. Ou foi assassinado, nunca teve certeza. E então seu tio tentou mata-la. E Alucard apareceu. O monstro ressurgido das cinzas para transformar sua vida em pesadelo- e garantir que ela tivesse uma vida que ele pudesse atormentar.

O vampiro foi a primeira constante que teve em sua vida.

Mas ele não era seu pai, não era sua mãe. Não era seu amigo e muito menos seu cão de guarda. Era uma arma, fria, cruel, utilizável. E ela via em seus olhos o quanto ele se divertia com a tristeza que ela tentava esconder por trás da cara fechada e o jeito mandão, tão incomuns para uma criança.

A companhia de Alucard era algo que lhe gelava a alma. O vampiro jamais ergueria um dedo sequer contra ela, mas seu sorriso chamava morte e desespero.

E então mais uma arma, fria, calculista, utilizável, escondida por trás de um sorriso amável e um jeito caloroso: Walter.

E a menina-moça fingiu não precisar das atitudes paternas de seu mordomo, ou não querer a atenção incondicional de seu vampiro enquanto dirigia a organização Hellsing, com punhos e coração de aço.

Mas o que era Integra senão uma adolescente que como todas as outras sonhava em ser amada, desejada e protegida? O que era o vampiro senão um homem poderoso, sedutor e elegante?

E muitas noites foram gastas em sonhos agitados, em que Integra acordou suada e sozinha em sua grande cama forrada de lençóis brancos.

Ela nunca soube se os sorrisos tão oniscientes de Alucard tinham algum fundamento, ou se o vampiro apenas sabia que aquilo a irritava e continuava a fazê-lo porque era o que fazia o vampiro vibrar: ver Integra lutando contra o estado miserável de sua alma.

Provavelmente foi o que a salvou: ter algo com o que se irritar, se ocupar, no lugar de se deixar perecer. Porque se não fosse aquilo, como agir com o homem que em seus sonhos invade sua cama e seu corpo todas as noites, se na realidade você sabe que apenas uma palavra sua e ele era obrigado pelo selo a cumprir suas vontades? Se em vida seu dever era enojar toda sua espécie? Mas o que era aquele algo em Alucard que de vez em quando sorria sem malícia, aquele olhar distante e caloroso que sem querer o vampiro deixava transparecer em noites muito frias de inverno, sentado olhando para a lareira acesa? O que estava enterrado na alma morta do vampiro, que Integra queria tanto que prestasse atenção nela, queria tanto que a notasse?

E Integra virou mulher enquanto muitas de sua idade eram ainda meninas. Quando a policial veio, ela já não mais sonhava com o que quer que fosse, a realidade pesada demais em seu coração para haver espaço para sonhos de qualquer natureza, qualquer nuance do comportamento de Alucard algo a ser ignorado e suprimido.

Então a guerra. Traição. Abandono. E nada mais. E apesar de algumas lágrimas dedicadas ao fim, à inexistência de Alucard, o coração endurecido e congelado da Hellsing não sentiu quase nada: riu da traição de Walter como se ser traída fosse o único caminho óbvio. Aceitou o abandono pelo vampiro da mesma forma.

Sua mente sabia disso. Mas e seu coração? E seu peito tão acostumado a ter o vampiro ao seu lado? Era distorcido, ela sabia, mas o monstro era o único com o qual ela contara em toda sua vida, constante por mais de dez anos, afinal.

E então Vlad. Quebrado, frágil. Humano. Mais humano do que ela jamais viu. Que não se importava com poder, não ligava para os jogos e regras que cercaram toda a vida de Integra. Que lutava contra a loucura com abandono, com sinceridade. Sinceridade que jamais fez parte da vida da Hellsing.

E Integra percebeu que aqueles olhares e pequenos gestos que Alucard deixava escapar tão sem querer, tão distraidamente eram algo precioso, algo que ela amava, algo que podia ter trazido significado à sua vida. Mas agora? Agora o vampiro estava morto, era pó que o vento levou, não existia mais, em lugar nenhum do mundo. Mas será que não existia em Vlad? Humano Vlad, triste Vlad, puro Vlad.

Vlad que nunca conheceu o amor de seus pais, Vlad que foi obrigado a matar tão jovem, Vlad que foi traído por seu irmão, Vlad que viu seu pseudo-amor morrer e sumir no mundo. Não tiveram uma história tão diferente, afinal.

Vlad que depois disso tudo estava em uma era na qual não conhecia ninguém.

Vlad que era passional, instável. Vlad que tinha, escondidas em seu peito, as características mais frustrantes de Alucard, a loucura, as trevas, mas não tinha o calor, não tinha aquela alguma coisa que fez Integra se apaixonar durante sua vida, tão sem perceber.

Vlad que era precioso, que era dela para cuidar. Vlad que podia estar morto no lugar de Scott e ela não teria notado, não teria chegado à tempo no enterro -porque essa era a vida de Integra: tudo se esvaia e ela mal percebia.

Vlad que estava corrompido demais para ser amado.

E não perderia mais ninguém, não deixaria mais nada escapar por entre seus dedos. Essa decisão seria dela, em uma tentativa de eliminar a dor, trancafiar mais e mais fundo em seu peito seus demônios.

Só que parece que alguém esqueceu de ensinar à Hellsing que aquilo que você perde, pode voltar a você, mas aquilo que se abandona, está perdido para sempre.

E agora, ali, aquilo tudo parecia tão lógico. Ter o coronel embaixo dela, entre suas pernas. O coronel que não estava corrompido, o coronel que sabia o que era formar uma família onde prevaleceria o amor. O coronel cujo coração ainda era capaz de sonhar. Que tinha o sorriso fácil e era agradável e tão, tão parecido com algo normal, com algo saudável.

Era bem simples, na verdade: cortar as amarras de sua miserável vida atual e seguir outro caminho. Um caminho sem o fantasma de vampiro, sem a sombra de Alucard.

Um caminho sem volta.

Sentiu o coronel aos poucos trocar suas posições, ficando por cima dela. Permitiu-se olhar para ele, ter certeza de quem ele era, das escolhas que estava fazendo.

Terno há muito retirado, mal percebeu quando também os sapatos, meias e calças saíram do caminho. Quando Baron, ocupado acariciando e beijando os pés das Hellsing, resolveu esfregar as mãos em suas pernas, voltando para a parte de cima de seu tronco, Integra resolveu que estava em desvantagem, em termos de roupas restantes, e que não estar no controle não era o que ela queria.

Porque tudo ali girava em torno de controle afinal. Agarrou a camisa estourada de Baron, usando seu peso para atirar o coronel mais uma vez no chão. Explorar com lábios, olhos e nariz a pele imaculada, clara com um bronzeado antigo já perdendo a cor, firme, bem cuidada.

A pele de alguém que não trazia provas físicas de que compartilhavam a mesma dor, alguém cuja companhia não a fazia se lembrar da solidão. A pele de alguém que podia trazer calor aos seus dias.

Alguém que não tinha motivos para tentar.

Integra deixou o abdômen de coronel para assaltar mais uma vez seus lábios. Lábios que não estavam ressecados, que não tinham cicatrizes invisíveis aos olhos mais sensíveis ao toque.

E então, parar para olhar os olhos castanhos, descobri-los escondidos por trás das pálpebras enquanto o homem abaixo de si movia suavemente os quadris. Sentir as mãos tão quentes e macias do coronel se postarem cada uma de um lado de seu rosto, acariciar a pele das bochechas, o queixo, passar por seus cabelos até pousarem por sua nuca, puxando-a apara um beijo mais desesperado, cheio de luxúria, quase dolorido.

E quase sem perceber se ver com os rostos próximos, sem se tocar, olhando para os olhos fechados até que eles se abrissem, até perceber o olhar cortante do olho azul, até se focarem. Até os quadris pararem de se mover:

- Integra... O que foi? – Ele perguntou, com sangue de mais em algumas partes do corpo e de menos para a cabeça ainda dolorida da ressaca, para tentar entender o que poderia ter feito de errado.

- Tocou meu rosto. – Ela disse simplesmente.

- Sim... Tem algum problema nisso? Porque eu realmente havia entendido que tocar fazia parte do que queria. – A pergunta saiu com confusão, quase ingenuidade.

- Tocou meu rosto. Sem olhar para mim.

O coronel ficou olhando sem entender uma Integra que não fazia sentido, por não conseguir explicar que o fato de ele tê-la tocado para trazê-la para mais perto e não por de fato querer memorizar suas feições era algo errado.

- Eu estou olhando para você. Estou sentindo você. Hey, estamos nisso juntos, certo? – Ele perguntou.

O coronel elevou o tronco e aproximou a mão do rosto dela mais uma vez, desta vez olhando-a fixamente antes de aproximar o rosto mais uma vez para beijá-la. Beijo que nunca foi dado.

Foi tudo muito rápido na verdade. Uma mão que puxou Integra pelos cabelos curtos para longe do coronel, uma coroinha de um revolver prensada contra seu crânio, a luz saindo de seus olhos, ver a Hellsing levar um tapa forte com as costas de uma mão antes de apagar. Notar o anel da casa nobre no dedo indicador do agressor de sua companhia e uma mancha escura que se espreitava pela manga da camisa dele. Tatuagem talvez? Escuridão.

Now and then I think of all the times you screwed me over
But had me believing it was always something that I'd done
But I don't wanna live that way, reading into every word you say
You said that you could let it go
And I wouldn't catch you hung up on somebody that you used to know

But you didn't have to cut me off
Make out like it never happened and that we were nothing
And I don't even need your love
But you treat me like a stranger and that feels so rough
No, you didn't have to stoop so low
Have your friends collect your records and then change your number
I guess that I don't need, that though
Now you're just somebody that I used to know

Somebody, I used to know
Somebody, now you're just somebody that I used to know
Somebody, I used to know
Somebody, now you're just somebody that I used to know

I used to know
That I used to know
I used to know
Somebody


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Notas finais do capítulo

to be continued...