Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 19
Capítulo 19.Superação


Notas iniciais do capítulo

Uma das múscas nacionais que eu realmente espero que vocês conheçam: "vento no litoral" do Legião urbana. Na minha opinião uma das mais fortes do grupo, e eu acho que retrata bem o sentimento em torno do qual esse capítulo gira.

Encarem este como o último capítulo da temporada...



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 Capítulo 19.    Superação

Agora está tão longe
ver a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção
Aonde está você agora
Alem de aqui dentro de mim...

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você esta comigo
O tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem...

            Em duas semanas todas as tais obras de arte e jóias tinham sido reunidas e estavam no hall da mansão Hellsing, além de alguns documentos, cadernos e livros velhos, todos em romeno. A maioria das jóias estavam lá, mas muitos quadros foram considerados ou patrimônios culturais ou nacionais da Romênia, então não puderam ser recuperados. Bom, não os originais. Integra tinha mandado tirar fotos de todas as telas sobreviventes, e já tinha comprado cópias quase perfeitas de alguns. Do restante ela tinha mandado fazer. Se Vlad queria os quadros, ele teria os quadros!

            A Hellsing olhava do alto das escadas Celas desempacotar alguns quadros, enquanto Vlad observava um colar simples, de ouro com uma única pedra negra, sem retirá-lo de uma caixa de veludo vermelho.

            Podia jurar que havia um começo de sorriso nos lábios dele, mas não conseguiu distinguir bem se era de felicidade.

            – Hey, Celas-san... – Ele chamou, sem desviar os olhos do colar.

            Celas parou de desempacotar o quadro e praticamente se pendurou por cima do ombro dele pra ver do que se tratava.

            –Por que esta jóia é negra?

            Vlad riu. Ah, então era um sorriso de felicidade mesmo.

            – Por que é de ônix. Bom, na verdade não vale tanto assim...

            – Mas é um colar lindo de qualquer forma. – Celas disse, passando a mão por cima do ombro dele e tocando uma das pedras.

            – Eu sei que pode parecer rude, mas gostaria que ficasse com ele.

            Celas imediatamente se afastou um pouco para olhar Vlad, que virou rosto e focou bem dentro dos olhos dela.

            Silêncio.

            Mais silêncio.

            Celas estava completamente sem reação, Integra ainda olhava a cena e Vlad estava claramente se divertindo com a falta de reação da vampira.

            – Dizem que ônix têm o poder de afastar o mal. Fora que ficaria bem na senhorita.

            Celas continuava ridiculamente sem expressão, e Vlad não pode fazer muito além de rir alto.            

            Integra também não pode fazer muito, além de sorrir também. Não estava entendendo bem a cena a sua frente, e claro que seu pensamento voou solto, foi pra longe. Sentiu uma pontada de ciúmes. Mas ver o rapaz tão feliz da forma como parecia, tão a vontade no meio de suas “tralhas reais”. Ah, foda-se. Sorriu também.

            – Quem diria... – Vlad murmurou enquanto erguia um quadro, provavelmente um dos poucos originais que restaram.

            Integra finalmente saiu das escadas e se juntou aos dois, curiosa sobre o quadro que o rapaz segurava.

            – Vê? Este é meu pai! E esse sou eu! Hahaha, estou absolutamente ridículo! – Vlad apontava para as figuras nem tão realistas assim no quadro, um homem alto de armadura, com os cabelos cacheados e armados, escuros, olhos castanhos também; com uma mulher absolutamente linda ao seu lado, com os cabelos ruivos presos, os olhos âmbares absolutamente parecidos com o da criança em seu colo. Vlad devia ter uns dois anos de idade naquela tela, e tinha razão. Estava ridículo, vestido com um tipo de macacão branco cheio de rendas e babados. Tinha mais duas crianças na imagem, um menino, de uns cinco anos, com os cabelos já parecidos com o do homem, mas os olhos verdes, e uma menina de uns 12 anos, raquítica. Irmãos?

            – É a sua família? – Integra perguntou, finalmente.

            – É...bom, era né? – Vlad disse, passando os dedos sobre a imagem da menina.

            Integra engoliu em seco. – São muito bonitos. – Disse finalmente, tentando ver a cara que Celas estaria fazendo pelo fora que ela deu, não que a vampira tivesse moral pra isso.

            Mas Vlad, ele não se importava mais. Mesmo sem contar os séculos que ele não se lembrava de ter vivido, ou não, enfim, mesmo sem contar os séculos que o separavam de fato de sua família, já fazia tempo que ele não a tinha mais.

            – Esse era meu irmão, Radu. E essa era minha irmã, Elizabeta. Eu tinha cinco anos quando ela morreu, de pneumonia. – Falava com naturalidade e saudosismo, algo triste se fosse pensar bem.

            – Sinto muito. – Integra disse, com um olhar triste no rosto.

            – Nah... – Vlad murmurou. O som não deixou de soar estranho aos ouvidos das duas. Foi a primeira palavra não completa que o rapaz disse em meses.

            Ficaram ainda cerca de mais meia hora mexendo nas coisas, quando Celas saiu para uma missão. Integra ainda ficou lá fuçando, não querendo ir trabalhar. É, até ela pode ter preguiça às vezes.

            Já tinham acabado de olhar as telas, e agora cada um estava com uma pilha de fotos (das telas, logicamente) para analisar.

            – Não me lembro deste quadro. Parece comigo não? – Vlad esticou uma foto para Integra ver.

            Ela ficou contemplando a imagem por alguns momentos, achando Vlad muito mais maduro naquela tela do que as outras que tinha visto, ou mesmo quando olhava para o rapaz agora. Talvez pelos cabelos longos e cacheados, talvez pela barba curta, quem sabe pela estrutura do corpo gigantesco adornado de músculos? Não, definitivamente era pelo rosto frio, de olhos vermelhos.

            – Alucard. – Integra suspirou. – Bom, podemos dizer que é você sim...

            Vlad virou os olhos, não fazendo muita questão de entender. Ele não gostava muito desse tal de Alucard, porque ainda não tinha aceitado como ele poderia virar alguém que já foi ou qualquer coisa do gênero. No fundo, ele preferia apenas fingir que nada daquilo existia.

            – Não quero esta foto. Nem a tela. – Ele respondeu.

            Integra guardou a foto no bolso. Se Vlad não a queria, ficaria com ela. Mexeu em mais algumas fotografias, pegando para si outras que eram do vampiro, e ficou estática quando encontrou uma em que ELA estava com Vlad. Espera, isso não faz sentido nenhum. Olhou com mais atenção e percebeu que não poderia ser ela. A moça tinha uns dezenove anos, os cabelos jaziam presos por uma fivela. Não usava óculos e parecia ser muito mais bem cuidada e feminina do que Integra. Fora que parecia feliz. Feliz de verdade, coisa que Integra não se lembrava.

            – Doamnei. – Vlad disse, retirando a foto das mãos dela. – Duas semanas antes do nosso casamento.

            Integra ficou imaginando como devia ser chato posar pra aqueles quadros todos. Quando foi desperta de seus pensamentos, o encontrou olhando para a foto, passando os dedos sobre a imagem da esposa morta. Sentiu-se estranhamente solitária, e não pode fazer muito além de tentar retomar o assunto, pra ver se afastava aquele sentimento de si:

            – Como ela era?

            Vlad demorou alguns segundos para responder, tentando encontrar as palavras certas para aquilo.

            – Ela era extremamente doce, delicada e forte ao mesmo tempo.

            – Ela parecia feliz.

            – Ela sempre parecia feliz. – Vlad comentou, olhando novamente para a imagem dela, fechando os olhos em seguida.

            Integra esperou alguns minutos, mas Vlad não reabriu os olhos. Aquela sensação de solidão a invadiu novamente, e desta vez ela apenas se levantou e saiu, subindo as escadas até seu escritório.

            Sentou-se na cadeira, retirou a foto do bolso e começou a vasculhar a expressão de Alucard. Apertou o olho para tentar identificar a data abaixo da assinatura na tela, e só conseguiu entender o mil e quinhentos. Bom, fosse que parte fosse do século, seria logo depois que Vlad tinha se tornado Alucard, e ele ainda estava na Romênia. Obviamente foi depois do abandono de Ilona, já que não se tinha mais notícias do príncipe da Valáquia após os 45 anos, quando acreditava-se que ele havia morrido. Integra sabia que Alucard só tinha saído da vista das pessoas.

            Pegou as outras fotos que tinha guardado, e começou a olhar a “família” que Alucard havia formado. Ele parecia feliz. Os olhos eram do mesmo vermelho, mas não tinham aquele mesmo olhar frio do último quadro. A mulher que Integra reconheceu com Ilona, parecia distante e incomodada, mas Alucard e as três crianças pareciam felizes. Por um momento Integra sorriu, ao imaginar o que estava na cabeça do pintor para pintar aquelas expressões, já que obviamente um quadro demorava meses para ser pintado.

            O próximo pensamento, no entanto, foi arrebatador. Não foi só porque morreu que Alucard virou o monstro que Integra conhecia. Ele parecia ter sentimentos para com a família. Então foi isso... foi por isso que ele aceitou aquela família bastarda como sua: para evitar a solidão. Depois de quantos anos sozinho seus sentimentos morreram? O quanto ele se decepcionou antes de desistir de sua humanidade?

            Por que, agora que ela não podia fazer mais nada, que não adiantava mais nada, ela sentia tantos sentimentos pelo vampiro? Queria tanto vê-lo e perguntar se estava tudo bem? Com certeza, se pudesse fazê-lo, o vampiro ia gargalhar e fazer alguma piada infame...

            Maldito vampiro que não fazia sentido!

            Depois de algumas horas olhando para a mesma foto, Vlad sentia que estava se afogando nas próprias lembranças. O problema é que não tinha certeza se queria se salvar.

            Na época não sabia disso, mas agora a certeza era retumbante: ele sentia muita falta dela. Ele sabia que aquela felicidade toda que ela mostrava o tempo todo não era verdade. Não podia ser verdade. Aliás, ele se lembrava muito bem de alguns momentos de desespero, outros tristes e até alguns de preocupação. Lembrava-se da expressão da noiva numa das vezes em que voltou de uma batalha gravemente ferido, da feição preocupada dela, e acabou sorrindo ao se lembrar de o quanto se divertiu vendo o desespero da jovem. Mas mesmo naquele dia, mesmo em todos aqueles momentos, Doamnei se esforçava para sorrir para ele, mesmo que seus olhos azuis dissessem outra coisa. Era daquilo que ele mais sentia falta. Daquela sensação que a noiva lhe passava de que estava tudo bem, de que ficaria tudo bem, ou de que pelo menos, por ela estava tudo bem. Sentia falta do esforço que ela fazia para lhe transmitir paz, principalmente, sentia falta da paz que ela lhe transmitia.

            Fechou os olhos, recostando a cabeça no encosto do sofá. Em quantos momentos na vida pensou em o quanto queria amar a noiva? O quanto queria sentir algum tipo de ímpeto para beijá-la, abraçá-la ou qualquer coisa do gênero? Mas não sentia, não amava. Acabou esperando aquele sentimento aflorar, esperando o casamento (não para tomá-la em seus braços, e sim para se esforçar em nutrir algum sentimento mais profundo, por mais que isso parecesse ridículo), e no final, esperou tanto que o tempo passou.

            Amar e ser amado em troca, por que parecia tão difícil? Não sabia amar, e não sabia ser amado. Nem o que era amor ele sabia... que confusão!

            Amar era o que? Sentir-se bem com alguém? Sentir falta de alguém?

            Não, amar devia ser outra coisa. Devia ser algo mais magnânimo. Querer a felicidade do outro? Estar disposto a abdicar da própria felicidade para que o outro fosse feliz de verdade?

            Estava confuso. Muito, e de verdade.

            Durante os dois últimos anos de que se lembrava de sua vida, refutou a ideia de amar Doamnei. Pra que serviria chegar àquela conclusão depois da morte dela? De que adiantaria saber que teria dado a própria vida de bom grado no lugar da dela? Pra nada. Só serviria para aumentar a própria culpa e solidão. A noiva se sacrificou para que o povo ainda possuísse um líder, para distrair as tropas e permitir a fuga de Vlad.

            Uma lágrima fina escorreu dos olhos dele, fazendo um caminho sinuoso pela bochecha, alcançando seu pescoço alvo e morrendo no peito, pela camisa branca que vestia.

            Durante todo aquele tempo, preferiu ignorar todos esses pensamentos e fazer o que esperavam que ele fizesse. Reassumisse o governo valaquiano. Aquilo tudo parecia tão imbecil agora que Vlad queria socar a si mesmo. Nem sabia se a Valáquia ainda existia. Tudo pelo que lutou estava em um museu, e o mundo continuou sem Doamnei, continuou sem ele. Continuou sem Radu, sem a Ordem do Dragão, sem fé. De repente, nada parecia tão importante, a não ser uma coisa: a certeza de que amava a noiva e só se deu conta disso séculos após sua morte, e que ao mesmo tempo em que percebia isso, devia se despedir.

            Se despedir porque, apesar de tudo, estava vivo. Não entendia o porquê de estar vivo, nem se merecia ou aquilo era certo. Com certeza não era natural. Mas a questão é que estava vivo, precisava viver, senão nada faria sentido.

            E o que amava em Doamnei? Quem ela era ou a imagem que fez dela?

            E como se despedir de alguém que apenas vivia dentro de seu próprio peito? Sentia-se como se estivesse perdendo algo que nunca teve, aquela saudade de coisas que não conhecemos. A certeza de que faltava alguma coisa, e o terror de não saber onde está essa coisa, ou mesmo o que é.

            Por outro lado, no fundo, sabia que o que realmente amava era a ideia do amor, e não Doamnei em si. Amava a ideia de o que poderia ter sido, amava a vida que não viveram. Amava a possibilidade.

            Quanto mais pensava, mais ficava confuso. Abriu os olhos novamente, encarando o teto branco da mansão. O que ele deveria fazer afinal? O que deveria pensar?

            Lembrou-se da foto em sua mão, voltando a analisar a expressão sorridente de Doamnei na tela.

            Mesmo após séculos, ela ainda lhe dizia que estava tudo bem, que ficaria tudo bem. E ele ainda ficava ridiculamente em paz com aquilo.

            “Eu te amo, minha princesa. Obrigado por tudo. Adeus.”

           

Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos,
Lembra que o plano
Era ficarmos bem...

Eieieieiei!
Olha só o que eu achei
Humrun
Cavalos-marinhos...

Sei que faço isso
Pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...


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Notas finais do capítulo

Eu acho que quando um amor aqui na Terra morre (acaba, de um dos lados) ele continua em outro lugar. Por isso aquele fantasma do que "podeia ter sido" fica nos perseguindo pra lá e pra cá. Quando ele é interrompido (como é o caso de Integra e Vlad) esse fantasma é ainda mais real, já que eles nem puderam "experimentar". Com roupas é a mesma coisa: se vc estiver apaixonado(a) por uma peça de roupa cara, experimente mesmo sem ter dinheiro. Provavelmente ela não vai ficar bem e ai vc para de sonhar...¬¬


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