No dia anterior ficou sabendo que a família havia sido convidada para uma ópera seguida de um jantar na casa de uns amigos de seu tio, não ficou nem um pouco animada com o fato, pois já sabia como eram essas festas e não gostava de ópera, mesmo assim tinha que ir então estava mergulhada em uma banheira fazendo hora, ao menos a água estava ótima a ponto de querer ficar ali sem ser incomodada.

Dessa vez não pensava nos sonhos, só que em sua mente podia ouvir ecos de seus próprios risos infantis, quase apagados em um passado que parecia muito mais distante do que realmente era, logo se pegou pensando no seu quarto em Rutledge onde passou todos aqueles anos, realmente era difícil esquecer, estava sentindo falta de lá embora sempre o chamasse de prisão e tivesse curiosidade em saber como as coisas estavam lá fora, agora já havia matado essa curiosidade, e não estava muito contente com o que descobrira, sem perceber se pegava pensando em querer voltar, se distraiu com isso enquanto olhava seu reflexo na superfície da água, ondulando lentamente como um espelho tremulo e escuro e assustou quando ouviu baterem na porta, era sua tia ordenando que se apressasse, lentamente Alice foi saindo do conforto morno que água lhe proporcionava para sentir o ar gelado fora dela, pegou uma longa toalha branca enrolando-se nela, um vestido jazia em cima da cama, era novo a irmã havia encomendado algum tempo atrás somente para algum evento, era uma mulher muito vaidosa, sempre fora e a tia embora mais amável também era autoritária como a mãe e muito mais rígida com conceitos de etiqueta e vestimentas, gostava de sempre parecer elegante, como as mulheres da alta sociedade eram.

Alice não gostava disso, mas se lembrava que quando criança era mais vaidosa do que agora, mal podia ouvir falar em sair que já queria uma roupa nova ou se enfeitar toda, só que não ligava mais para isso, percebeu nos anos em que viveu fora desse mundo que aquelas coisas não eram importantes, achava que elas não eram nada na verdade, e deixou de gostar delas há muito tempo, nem se reconhecia, havia perdido o ímpeto para passeios e festejos dessas pessoas que julgava vulgares e mesquinhas, e sabia que lhe direcionavam olhares de pena com comentários “Pobre Alice...” ela não era uma coitada e não precisava de seus olhares de lamentação por tudo que ela passou, e infelizmente não podia dizer nada do que realmente pensava sobre tudo isso, somente ficava quieta e agia como uma boa moça educada, e submissa, embora isso fosse contra todos os seus conceitos, ela no fundo não queria magoar ninguém principalmente Margaret, então maneou a cabeça levemente empurrando aqueles pensamentos para longe e olhou novamente para o que estava em cima da cama.

Ao lado do vestido estavam os adereços, enquanto ainda o vestia a tia entrou no quarto.

—Ainda está nisso Alice, vamos nos atrasar, vamos logo vou lhe ajudar com isso para ir mais depressa menina.—Dizia apertando com força as cordas do espartilho do vestido da garota, que fazia caretas enquanto estava de costas pensando que se ela continuasse a apertar mais iria sufocar, mas não ousou reclamar somente bufando as vezes mesmo assim a tia a repreendia falando que ela parecia um touro bravo fazendo aquilo.

—Escute agora e preste atenção no que direi, mantenha a postura, cumprimente as pessoas sem que seja preciso eu dizer isso a você, seja educada, não fique divagando e olhando para o nada quando estivermos lá. —A instruía, ela ajudou Alice a colocar as jóias que a irmã havia lhe dado, calçando os sapatos de salto, fazendo um penteado elegante, Ana era uma mulher habilidosa quanto a essas coisas Alice admitia, depois de terminado de se arrumar e maquiar ela saiu chamando a menina que nem teve tempo de olhar-se no espelho, foi logo atrás, duas carruagens esperavam a frente do portão, em uma delas estava Margaret com o marido enquanto na outra iriam ela e os tios, já era noite quando saíram de casa e o grande teatro era um pouco longe, Alice ficou na janela olhando para fora enquanto passavam por ruas de pedra bem iluminadas e não era isso que interessava a ela, seu olhar estava direcionado para o alto, o céu escuro se estendia cravejado de estrelas até onde os olhos podiam alcançar, as janelas de vidro não se permitiam abrir então não pode sentir a brisa noturna proporcionada pelo movimento da carruagem, tão logo está parou em frente a uma grande escadaria onde muitas carruagens e pessoas estavam, era o teatro com a apresentação da noite, já tinha ouvido falar uma coisa ou outra dos tais cantores, mas nem sabia de quem se tratava e muito menos se interessava, subiram as escadas conversando e lá dentro os tios encontraram amigos e conhecidos, Alice os cumprimentou educadamente apenas por obrigação como lembrava-se do que havia dito a ela, isso também não era de nenhum mal, embora nem os conhecesse de verdade só tinha visto alguns, os nomes nem tentava se lembrar, ela ficou em silencio depois, só falava quando alguém lhe dirigia a palavra.

 Acomodaram-se no camarote, quando a apresentação começou, não muito tempo depois ela já quase cochilava, o que ninguém percebeu por estarem interessados no espetáculo, umas duas horas demorou até que finalmente se via saindo dali, seria um alívio poder ir para casa, teria sido a primeira a entrar na carruagem, mas ainda tinha o jantar da tal festa.

O local onde estava a ser realizado ficava pouco mais de cinco quadras do teatro, era um extenso salão com janelas imensas e cortinas maiores ainda que eram de um verde escuro com detalhes em dourado aparentemente, uma mesa comprida ficava no meio dele coberta por uma toalha branca onde se encontrava o banquete, ao redor haviam mesas com cadeiras menores, a irmã aproximou-se a falou discretamente:

—Com classe Alice, foi o que tia Ana disse, ninguém gosta de moças deselegantes, sorria quando falarem com você ao menos demonstre estar prestando atenção só pra ela não ficar brava, você sabe como é não?.—Terminava de falar parecendo alertá-la uma vez mais, quase sorrindo apenas para provocá-la.

—Realmente Meg, você está ficando igualzinha a mamãe.—Ela disse em quase um sussurro que ninguém ouviu, logo escolheram um lugar Alice sentou-se e ficou observando a festa, mais ao fundo do salão havia a pista de dança onde em um palco músicos tocavam alegremente, as conversas entre os tios e os amigos eram sobre negócios, moda, novidades e a vida e aparência de outras pessoas, até mesmo Margaret estava junto nessas conversas, Alice quase fez uma careta, que graça tinha aqueles assuntos?

“Que coisa idiota.”—Pensou em dizer mas guardou as palavras grosseiras somente para si, ao menos o jantar foi agradável com muitos pratos distintos, logo o cunhado convidou a irmã para dançar e assim fizeram alguns outros, Alice até se divertiu um pouco vendo como cada um dançava, mas logo optou que gostaria mais de pensar no sonho que era mais interessante do que aquilo, mas mau fez isso e sentiu alguém lhe cutucar, olhou para o lado, era a tia que já havia percebido sua falta de atenção, e discretamente indicou uma direção quando ela olhou viu que um rapaz vinha até ela, já sabia o que esperar, então até que chegasse pensava em mais uma desculpa, mas achou mais interessante analisá-lo antes, tinha os cabelos castanhos e penteados para trás com muito cuidado, assim como os olhos eram da mesma cor apenas mais claros, os trajes que certamente eram caros, tinha uma postura elegante ela admitiu certamente, assim que ele parou em frente a ela, Alice esperou pelo que imaginava, ele perguntou se gostaria de dançar, e como sempre ela iria negar quando percebeu os olhares da tia e da irmã diretamente sobre ela, teria feito uma careta qualquer, mas optou por agir diferente dessa vez, riu interiormente, então que era por isso que a tia havia a cutucado a pouco, porque se fosse apenas por ela nem teria visto o rapaz se aproximando.

“Céus parecem duas águias, esperando uma reação contraria para me atacarem.”

Pensou no mento, como as imaginava quando novamente o rapaz lhe perguntou, não teve outra opção, segurou na mão dele dando um breve sorriso estava ficando boa em improvisar sorrisos.

—Sou Ralph Burker.—Apresentou-se depositando um beijo sob a mão dela.

—Alice Liddell, mas imagino que você deva saber disso. —Disse seu nome sem muita empolgação, levantou-se e o acompanhou até a pista, só quando chegava lá é que lembrava-se, já fazia tanto tempo que não dançava, nem devia saber mais como era, e ela logo saiu desses pensamentos quando percebeu a mão dele em sua cintura, pareceu o encarar com seriedade.

—Fico feliz que tenha aceitado meu convite senhorita Liddell.—Ele falou parecendo muito satisfeito, Alice que até então estava mais preocupada em não pisar no pé dele agora olhava para ele com seriedade.

—Sinta-se satisfeito senhor Burker, é o primeiro que conseguiu me tirar para uma dança desde que voltei.—Ela parecia ter tentado ser rude no modo de falar só que o sorriso dele se alargou mais ainda, o que a deixou surpresa e teria perguntado algo direto e talvez não educado se não tivesse visto novamente sua tia a seguindo atentamente com o olhar.

“Deus me sinto mais vigiada aqui do que em Rutledge.”

Pensava perplexa, até que por se distrair acabou pisando no pé do rapaz, desculpou-se mesmo ele dizendo que não havia sido nada.

—Perdão senhor Burker, já faz algum tempo que não pratico.

—Não se preocupe, não foi nada senhorita Liddell, e pode me chamar de Ralph se quiser.—Dizia amigavelmente, Alice deu um sorriso singelo só que desta vez era um verdadeiro, não aparentava ser uma má pessoa, pensava agora que ele era educado e até mesmo agradável, mesmo estando somente dançando e agora mais de perto podia ver que era um rapaz até bonito.

 Eles continuaram quando outra musica começou, desta vez ela não pisou no pé dele estava retomando a pratica, e enquanto dançavam conversaram um pouco o restante da festa passou até que animado para ela, quando já voltava para casa na carruagem ela agradeceu por dessa vez por ter se divertido mais, e lembrava que não gostava de desfazer-se dos pobres rapazes que vinham até ela pedindo uma dança, mas nunca queria, embora na maioria só viessem aqueles que desconheciam seu passado.

A primeira coisa que fez ao chegar ao quarto foi ir logo desatando o espartilho que lhe incomodava, ao conseguir se livrar dele se desfez do restante, vestindo sua confortável roupa de dormir sentou na beira da cama, pensando naquele dia, já devia ser bem tarde, uma vela solitária em um castiçal sobre o criado-mudo ao lado da cama iluminava parte do quarto embora a luz da lua ainda entrasse pelas janelas de vidro, ela jogou o corpo para trás em alivio de estar na privacidade de seu quarto novamente onde podia ser ela mesma, sem precisar se comportar feito uma boneca em frente aquelas pessoas, francamente em Rutledge era muito mais livre que ali, e naqueles lugares não se sentia bem nestas festas, mas finalmente havia acabado agora estava ali, virou se ajeitando confortavelmente na cama abraçando uma almofada enquanto olhava para fora, o vento agitava as arvores ritmadamente com isso acabou pegando no sono.