Um Verão Inesquecível escrita por GiullieneChan


Capítulo 5
Capítulo 4




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Betado por Annely!

-Meus queridos amigos, apresento-lhes... Bela.

No começo, Afrodite achou que estava enganado, mas bastou um olhar para reconhecer a jovem que vira em seus jardins dias atrás, e que não saía de seu pensamento desde então. O que estaria fazendo ali? E porque se submetia a esta degradante situação? Percebeu naquela figura pequenina e desprotegida um medo mortal, mascarado pela maquiagem e pela falsa segurança que tentava impor.

-Que cena degradante!-Kamus comentou irritado.-Por isso não queria vir a este lugar.

Afrodite nem ouvia direito o que diziam, estava concentrado na figura da moça que a qualquer momento poderia ser comprada e violentada por algum daqueles homens.

Os lances começaram. Pequenos de início. Devia fazer algo e rápido.

-Quatrocentos e cinqüenta guinéus!-A voz de Afrodite elevou-se aos demais, assustando os amigos. Um lance alto que afastaria os presentes.

-O que?-se perguntavam, curiosos.

-Quinhentos!-a voz de Lorde Upcot, um homem com fama de machucar as jovens de madame Shannon com jogos bizarros se fez presente, visivelmente atraído pela figura de Bela e pelo desafio do leilão.

-Seiscentos!-rebateu Afrodite.

-Seiscentos e cinqüenta!-insistiu o lorde, nada contente em ser contrariado.

-Seiscentos e setenta e cinco!-insistiu Afrodite, os presentes cochichavam entre si.

-Novecentos!-disse o lorde, fitando agora Afrodite.

Neste momento, "Bela" que se encontrava em cima do tablado, reconheceu um dos homens que a disputavam no leilão. Ele evitava olhá-la diretamente, concentrado em um desafio visual com o outro senhor que dava lances altos por sua virtude. Engoliu em seco. Será que Deus havia atendido suas preces?

-Aquele verme.-vociferou Afrodite.-Mil!

Os murmúrios aumentaram. Upcot ficou lívido, dando as costas ao leilão, desistindo dele. Afrodite sorriu. Agora teria que tirá-la dali.

-Um mil e duzentos!-uma voz grave se fez presente, com surpresa Afrodite fitou o seu dono. Giovanni "Máscara da Morte".

-O que pretende?-Afrodite aproximou-se do amigo.

-Isso não interessa!-respondeu Giovanni.

-Você nunca simpatizou com isso antes! Pretende comprá-la e...

-Não conclua sua frase, se valoriza a amizade que temos.-cortou-o rispidamente.-É assunto meu.

-Senhores?-Madame Shannon os chamou, já animada pelo possível lucro.-Algum outro lance?

-Um mil, duzentos e trinta.-disse Afrodite, enfrentando o olhar duro do amigo.-Se não me disser, terei que vencê-lo aqui.

-Nunca me venceu em nada, Afrodite.-Ele sorriu irônico.-Na esgrima, nos jogos. Por que aqui seria diferente?

-Porque não vou deixar que aquela moça seja comprada e violentada.

-A conhece?

-Não. Só conversamos uma vez.

-Senhores. Isso é conchavo!-alertou a cafetina, ignorada pelos dois.

-E mesmo assim gasta uma considerável fortuna com ela?

-Boa questão. Depois discutiremos isso. Ela...é uma dama, pelos gestos e pelo modo que se portava. Não deveria estar aqui! E agora, por que você...

-Longa história.-ele ergue o dedo indicador.-Um mil e duzentos e sessenta. Se a comprar, terá que levá-la ao "quarto", e aos olhos destes pervertidos consumar o ato...e a reputação dela e sua vida estará arruinada, por causa do idiota do irmão.

-Você a conhece!

-Sim.

-Quem?

O silêncio dele foi a resposta.

-Um mil e trezentos!

-Eles sabem o que fazem?-Milo indagou a Kamus e Shura que assistiam tensos o que acontecia.

-Assumiria as conseqüências deste ato?-indagou Giovanni a ele.

-O que?

-Se todos souberem que é Helena Vernon que está ali. Depois desta noite ela estará arruinada.-Fitou o amigo.-Alguém teria que salvar sua honra.

-Você quer dizer? Casar com ela?-engasgou com a idéia.

-Sim.

-Você se casaria com ela?

-Não poderia. Há impedimentos. E você?

-Sim.-respondeu sem pensar.

-Me retiro do leilão.-Giovanni anunciou em voz alta, pegando sua cartola e se despedindo dos amigos.-Amanhã iremos conversar melhor sobre isso.

-Ah...-Afrodite tentou dizer algo, mas o amigo já estava saindo do salão e ele fora cercado pelos demais presentes, que aplaudiam o fim do leilão.

Certo de que iria fazer com que muitas pessoas ficassem irritadas naquela noite, se aproximou do tablado e chamou madame Shannon, cochichando algo a ela. A mulher se surpreendeu, e balançou a cabeça em negativa, mas a mão que segurava seu punho com força demasiada a fez mudar a resposta.

Ela foi ao centro do tablado, bem ao lado de Helena e pediu silêncio aos presentes para falar:

-Senhores...um momento. Devido ao final inusitado do leilão e também pela posição do meu amigo, eu aceitei de bom grado que ele levasse Bela consigo para uma noite prazerosa em sua residência.-os presentes vaiaram e reclamaram, frustrados pois desejavam assistir ao espetáculo no quarto devidamente preparado para isso.-Calma! Lamento, mas atenderei ao pedido do jovem lorde. Ela é toda sua, milorde.

Até aquele momento, Helena não se movera. Estava em choque por tê-lo reencontrado e envergonhada por ser em tais circunstâncias. O que ele estaria pensando dela agora?

Afrodite a tomou nos braços e carregou-a para fora do salão, sob os olhares atônitos dos amigos que assistiam a tudo, jamais imaginando que veriam Afrodite fazer algo parecido com isso em sua vida. Entreolharam-se e balançando as cabeças, voltaram a beber.


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Na Residência da família Dawes, bem depois do fim do baile.

-A senhorita irá me colocar em sérios problemas!-choramingou a empregada, vendo sua patroa vestir a capa negra.-Se o senhor Igor souber, irá me colocar na rua sem pensar duas vezes! E a senhorita sabe que não tenho para onde ir!

-Ludmila, ele jamais fará isso.-respondeu Inis, abrindo a porta e verificando se o corredor estava vazio.-Porque ele nunca nos pegará.

-A senhorita se arrisca muito! E para jogar?

-Não se preocupe Ludmila! Agora deite-se em minha cama e finja que sou eu dormindo. Nos veremos mais tarde.

-Mas...-Inis não respondeu, saindo pelo corredor.-Oh Deus...

Inis saiu pelos fundos, como fazia todos os sábados a noite, quando todos se recolhiam para dormir. A porta da cozinha, previamente aberta, por Ludmila levava aos fundos do casarão e por um portão velho, na qual somente ela possuía a chave, a dama ganhava as ruas.

Na esquina, como havia sido combinado, um cocheiro a aguardava. Era sempre o bom e fiel George Gatter que a esperava, guardando seu segredo em troca de uma generosa gorjeta, que há muito tem o ajudado no sustento dos filhos. Ela subiu no coche, e o homem indagou:

-O mesmo lugar de sempre, senhorita?

-Sim. Depressa.-ela sorriu matreira.-As cartas me esperam.


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A carruagem parou diante da imponente construção, mas em seu interior seus ocupantes permaneciam em silêncio total. A jovem lança um olhar para a imensa mansão e em seguida para o homem ao seu lado, que permanecia de olhos fechados, como se cochilasse.

-Vamos entrar, Helena.-ele disse, abrindo a porta. Ela ficou surpresa quando o ouviu dizer seu nome. Como ele sabia?-Vamos. Está muito frio esta noite.

Estendendo a mão para ela, a ajudou a descer da carruagem. Helena apertou mais contra seu corpo franzino o casaco que ele lhe cedera, tanto para protegê-la do frio quanto para esconder o corpo, que o vestido mal cobria. Neste momento engoliu em seco. E se ele a trouxe ali para usufruir do prêmio ao qual adquirira no leilão?

Com tal pensamento, parou de caminhar ficando para trás. O rapaz percebeu a hesitação da moça e a fitou, erguendo uma sobrancelha. E então decidiu acabar com tais temores.

-Fique tranqüila. Tem minha palavra de cavalheiro que jamais faria algo com a senhorita que não fosse de seu desejo...-sorri de lado.-Incluindo favores na cama, Helena. Jamais forçaria uma mulher a ficar comigo em meu leito. Geralmente, elas o procuram por livre arbítrio.

Ela ficou corada.

-Perdão. Eu não deveria ter falado desta maneira, como se...-ele ficou consternado ao perceber o que havia dito.

-É perfeitamente normal que ache que estou acostumada a ouvir estas coisas, milorde...depois de hoje.

-Não. Não é normal, Helena. De certo modo estou furioso com a situação, mas eu não queria constrangê-la com o que eu disse.

-Como sabe meu nome? Eu não disse ao senhor?

-Um amigo me contou.-quando ela ia perguntar mais, foi interrompida.-Vamos. Conversaremos melhor amanhã. Deve estar exausta.

Afrodite abriu a porta de sua casa e logo seus criados vieram recebê-lo. Quando entregava ao mordomo sua bengala e a cartola, este olhou curioso para a figura de Helena a porta, e fitou o patrão com ar indagador.

-Peça para a sua senhora Lyan que arrume o quarto de hóspedes e que providencie tudo o que minha hóspede necessitar. Aquele no fim do corredor, o que tem a visão direta ao jardim de rosas.-ordenou ao mordomo que obedeceu prontamente.-Angeline, leve a senhorita Helena para o quarto dela.

-Sim, milorde!-a empregada com o rosto sardento assentiu imediatamente com um sorriso.-Vamos, senhorita Helena.

Helena olhou incerta para a moça diante dela, e para Afrodite que se servia de uma dose de licor oferecida por um dos criados. Ela então começou a seguir a garota, mas a mão de Afrodite em seu punho, segurando-o levemente a deteve.

-Durma bem, Bela.-ele disse, depositando um beijo suave em sua mão, soltando-a em seguida.

Aquele simples toque de seus lábios em sua pele fez o corpo de Helena estremecer como se o frio da noite houvesse invadido aquele lugar e se concentrado nela...mas estranhamente não era frio o que sentia e sim um calor agradável.

-O-Obrigada Milorde.-respondeu, seguindo rapidamente a jovem chamada Angeline.


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Alta madrugada na Mansão Villers.

Dois homens embriagados desciam de um coche, cantando alto. Um terceiro descia, desajeitadamente, quase caindo e pedia silêncio aos outros dois. Os amigos riram e concordaram em fazer silêncio, mas a porta principal sendo aberta e uma senhora de olhar severo sobre eles os fizeram parar.

-Viscondessa.-Milo cumprimentou com um gesto exagerado de mesura, sendo apoiado por Shura, ou iria cair ao chão.

A distinta senhora revirou os olhos e suspirou, chamando um dos criados.

-Certifique-se de que estes dois irresponsáveis cheguem em suas casas inteiros.

-Sim, milady.-respondeu o criado, ajudando Shura e Milo a voltarem ao coche.

Quando eles saíram, a Viscondessa olhou de maneira repreensiva para o neto. Kamus neste momento sentiu-se novamente com doze anos, quando era pego em alguma arte pela avó e era obrigado a ouvir seus discursos sobre moralidade e comportamento digno de um futuro lorde, fazendo-o praticamente implorar por uma surra, que era mais rápida e indolor.

-Vovó...eu...Ic...-parecia desnorteado.

-Kamus...-ela suspirou.-Quando irá largar esta vida e assumir seu lugar como Visconde?

-Não...não comexe minha cara xenhora.-firmando o passo, caminhando trôpego até ela.-Não vou me casar com nenhuma filha desesperada de algum amigo xeu.

-Eu quero que se case sim. Mas com alguém que você venha a amar e tenha uma família.-ele balançou a cabeça em negativa.-Estou velha demais. Não quero morrer sabendo que está infeliz.

-Eu? Infeliz? Por..porque extaria infeliz se eu bebi os melhores vinhos e extive com belas mulheres?-sorrindo, entrando na casa.

-Mas nenhuma era ela, não é verdade?-disse a Viscondessa, sem se virar, mas sabia que o neto estancara com o que dissera.-Você jamais a esqueceu.

-Ela é passado!-disse após um longo silêncio.

-Então porque ainda pensa nela?-ela virou-se com um sorriso terno e fitou Kamus que parecia curado da bebedeira por um momento.-E se ela não se casou com outro, como você imagina? E se...

-E se?-ele riu com amargura.-Ela estava com outro...

-Kamus.

-Eu...vou dormir vovó...dormir...-sentou-se em um divã na sala e deitou-se ali, dormindo profundamente graças a bebida.

A Viscondessa fitou seu neto adormecido e suspirou, olhando para cima e murmurando como se conversasse com Deus:

-O que eu fiz com meu menino? Será que ele me perdoará um dia, Senhor?

E do alto da escada, mais alguém ouvia aquele desabafo com um ar preocupado.


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Outra época...outro lugar.

Uma menininha de cabelos longos e castanhos, presos por fitas rosas corria para alcançar o grupo de garotos a frente dela. Os meninos carregavam varas de pescar feitas de varas de bambu e conversavam animados. Um deles, com o rosto sardento olha para trás e cutuca com o cotovelo o mais alto entre eles, com roupas mais finas que as dos demais, apesar de estar sujo pelas brincadeiras juvenis.

-Ei, Kamus. Olha lá a sua sombra!

O garoto olha para trás arqueando uma sobrancelha, os outros meninos dão risadas altas e Kamus empurra um deles para pararem.

-Chega John! É a Annely, oras!-depois ele olha zangado para a menina.-Que você quer, Annely?

-Nada!-respondeu a menina dando os ombros.-Estou só caminhando.

-Não vai atrás da gente pescar no rio, vai?-inquiriu nada convencido.

-Claro que não! Eu iria me sujar com peixe!-protestou com ar inocente.

-Mas está indo para a direção do rio.-comentou um dos garotos.

-A estrada até o rio é livre!-disse com as mãos na cintura.-E eu vou procurar flores. Só isso.

-Está bem.-ele apontou o dedo para o rosto dela.-Não me siga mais, Birrenta!

-Eu não estou te seguindo, Cara de Fuinha!-mostrou a língua e caminhou passando pelos meninos.

E como Kamus desconfiava, a menina estava por perto. Era sempre assim quando vinha passar os verões na fazenda da família em Southampton. A filha do médico local sempre o seguia. No começo eram amigos de brincadeiras, mas o tempo passava e Kamus ia preferindo a companhia e brincadeiras de meninos, filhos dos empregados da fazenda ou dos moradores locais, a ficar perto da garotinha.

Mas os meninos a ignoravam, concentrados na pescaria. Nem prestavam atenção quando ela pulava entre as pedras escorregadias, fato este que Kamus notou e achou perigoso.

E como ele previra, Annely escorregou e caiu no rio de maneira desajeitada. A reação inicial dos garotos era de dar boas gargalhadas, mas Kamus ficou em pé ao notar que Annely tinha dificuldades em voltar à superfície. Lembrou-se que ela não sabia nadar. Largou a vara de pescar de lado e correu até onde ela estava, a água batia até seu peito e ele a pegou ajudando a ficar em pé.

Annely tossia pela água que engolira, tentando respirar, ao mesmo tempo que esfregava os olhos.

-Sua boba!-ele ralhou, fazendo-a se sentar em uma pedra.

Naquele instante era possível ver a diferença de idade entre eles. Kamus era um jovem chegando aos catorze anos de idade, e Annely mal havia completado sete. E como tal, típico de sua idade e pela situação, ela começou a chorar. Tanto pelo susto quanto pela vergonha.

-Ah, não. Não chora!-lamentou-se. Odiava ver meninas chorando.-Para Annely! Você não chorou quando eu coloquei sapos na sua cama, vai chorar agora?

Mas a menina não parecia querer lhe dar ouvidos, continuando a chorar.

-Para Annely!-suspirou.-Se você parar de chorar eu...eu...-falou baixo para que os outros não escutassem.-Eu caso com você quando crescer!

A menina parou de chorar, fitando-o com os olhos castanhos e marejantes, e fungava.

-Promete?

-Prometo.-ele prometeu. Afinal, não esperava cumprir a promessa a uma garotinha chorosa.-Vou te levar para casa. Vamos.

Ela limpou as lágrimas e sorriu. Kamus a carregou nas costas até a vila onde ela morava, e em todo o caminho a menina mantinha um sorriso nos lábios. Foi naquele instante que ela sabia que o amava.

E com os sons vindo do andar de baixo, Annely abre os olhos despertando do sonho de quando era menina. Suspirou fitando o teto. Por que sempre tinha que sonhar com ele?

Novamente o barulho e Annely senta na cama, tentando descobrir o que estava havendo, depressa saiu da cama, pegando o roupão e descendo as escadas. Lá embaixo, avistou o pai, que tentava fazer um chá. Ele viu a filha e pareceu sem graça.

-Desculpe se acordei você, filha. Sabe que sempre me atrapalho na cozinha e...

Annely sacode a cabeça e pegou a chaleira das mãos do pai, reavivando o fogo para esquentar a água para o chá. O pai sentava em uma das cadeiras da cozinha, suspirando.

-Pode falar papai. O que está incomodando-o?

-Me incomoda ter ver sozinha Annely. Sozinha em uma idade onde a maioria das moças já estão casadas e com filhos!-falou com uma expressão nada contente.

-Casadas, com filhos, gordas e infelizes!-completou pegando duas xícaras.

-Sabe que não é verdade.-o pai ergueu o dedo em riste.-Sua prima Alice está casada e muito feliz! Seus primos também!

-Menos Edmond.-Ela sustentou, colocando uma das xícaras diante do pai.

-Edmond virou padre. Isso não conta.-o pai estava visivelmente contrariado.-Estou ficando velho, Annely. Velho e doente.

-Bobagem papai. Está forte e...

-Não me interrompa.-ele pediu com autoridade e ela o obedeceu.-Não me agrada morrer e saber que minhas filhas estarão sozinhas neste mundo. Sem um marido que as proteja! As sustente!

-Papai, eu não preciso de um marido para me proteger e me sustentar. Edmond escreveu-me dizendo que há pessoas interessadas em meu livro. Quando for publicado, terei como cuidar de mim e de Luna.

Ela foi falando, pegando a chaleira e vendo a água que começava a ferver.

-E quanto à solidão?-ele a indagou e Annely ficou em silêncio.-Desde que sua mãe morreu, eu sei o que é a solidão, filha. Eu falo do companheirismo, de alguém com quem conversar, compartilhar sonhos, tristezas, alegrias...eu não tenho nada disso desde que ela se foi. Não acho justo que se prive disso.

-Pai, isso é...tolice!-ela foi preparando o chá, nervosa com o rumo da conversa.

-Para alguém que quer se tornar uma escritora de romances...dizer que o amor é tolice é algo contraditório, não acha? O que aquela sua heroína diria disso? A apaixonada Ana que espera pelo seu Barão?

-Andou lendo meus manuscritos? Está me espionando?-servindo o chá, nervosa.

-Não. Apenas achei a história...familiar.

Ela abre a boca para responder, pelo menos repete o gesto três vezes, enquanto o pai degustava o chá que ela preparara. Por fim levantou-se furiosa, e subiu de volta ao quarto sem falar nada. O pai sorriu, balançando a cabeça negativamente.


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Amanhecia...

A carruagem de aluguel parava no local previamente combinado por Inis com o cocheiro, e como sempre ela o paga muito bem pela exclusividade e pela descrição de manter seu segredo bem guardado. Agora teria que se apressar e entrar na casa logo, antes que Igor acordasse.

O mordomo tinha o péssimo hábito de acordar primeiro que todos na casa, e não queria passar pelo constrangimento de ter que se explicar a ele se a visse voltando da rua naquele instante.

Parou assustada ao ver que um homem estava sentado na calçada, encostado exatamente no portão lateral de acesso a cozinha, que ela sempre usava após voltar das noites de jogos. Pensou que podia ser Igor, que havia descoberto seu segredo, mas notou ao se aproximar cautelosa que se tratava de outra pessoa.

O homem estava dormindo, escondendo o rosto com um curioso e enorme chapéu de palha, algo que uma dama londrina como Inis Dawes jamais havia visto antes. E se tratasse de algum bêbado? De todas as calçadas daquele bairro, ele tinha que dormir justamente na calçada de sua casa?

Sem muitas opções e o tempo passando rápido, a jovem suspirou pedindo a Deus por forças e se aproximou mais ainda do homem adormecido, esticando o dedo e o cutucando com uma expressão de desagrado no rosto.

Um resmungo foi a resposta que obteve. Ela revirou os olhos e o cutucou novamente.

-Senhor...senhor!-ela o chamava.-Levante-se antes que algum policial apareça e o prenda! Poderia se afastar para que eu passe?

Um novo resmungo, mas desta vez o homem se endireitou sentando-se ereto e retirou o chapéu de palha, fitando a moça com ar curioso. Notou que era chinês, pelas roupas e pelos traços.

-O senhor fala meu idioma?-ela suspirou olhando os céus.-Ele não deve estar entendendo nada do que eu falo.

Ele não respondeu, ainda fitando-a com maior curiosidade.

-O senhor poderia curar sua bebedeira mais para lá?-ela perguntou, fazendo um gesto com a mão pedindo que se afastasse, com o rosto denotando sua impaciência.-Eu...-apontando para si mesma e depois para o portão e a casa-...entrar em minha casa! Casa!

-Eu falo perfeitamente seu idioma senhorita.-ele respondeu para o constrangimento de Inis.-E não estou embriagado. Apenas cheguei muito tarde e não quis incomodar as pessoas com quem irei trabalhar, e estava esperando o dia amanhecer.

-Oh...Bem...poderia me dar licença? Preciso entrar agora em casa.-totalmente sem graça.

Ele levantou-se, ficando diante dela.

-Se me permite a indiscrição. Mas de onde uma dama como a senhorita estaria vindo agora?

Inis endireitou o corpo, fitando-o de maneira reprovadora.

-De modo algum eu responderia uma pergunta destas! É muito atrevido me indagar desta maneira!-o afastou com um empurrão, na verdade ele sorriu e se permitiu ser afastado pelo gesto da moça.

Inis bufou ao notar isso e entrou na casa rapidamente. Só não bateu a porta da cozinha para demonstrar sua raiva, porque temia acordar a todos. Ela subiu as escadas rapidamente, na direção do quarto, e assim que entrou trancou a porta. Suspirou aliviada ao caminhar até a cama onde Ludmila estava dormindo, e a sacudiu com delicadeza.

A garota abriu os olhos, e sentou-se na cama rapidamente ao ver Inis.

-Senhorita Dawes! Já amanheceu? Chegou agora?-assustada, falando baixo.

-Shhh...-pediu fazendo o gesto de colocar o dedo indicador sobre os lábios.-Está tudo bem. Agora desça, se troque e...vamos continuar nossas vidas!

-E a senhorita?-Inis sorriu mostrando a bolsa de dinheiro.-A senhorita se arrisca muito e sem necessidade!

-Eu faço pela emoção.-ela sorriu.-Ora, Ludmila. Pensei que fossemos amigas. Sabe que acho esta vida de "dama da sociedade" enfadonha demais para mim. Por mim, iria ter uma vida de aventuras pelo oriente! Ou viajar pelo Novo Mundo!

-Uma vida perigosa, isso sim!

-Logo terei mais do que o suficiente para conhecer o Oriente!-sorriu triunfante.

-Se quer viajar pelo Oriente por que não o faz com o seu próprio dinheiro?

-Porque a minha madrasta não permitiria que eu me arriscasse sozinha por aí. Agora meu primo controla as nossas finanças e ...assim é mais emocionante!

-Por Deus...-suspirou Ludmila, ajudando-a a desatar o vestido de Inis para ajudá-la a se trocar.

-Depois vá e me deixa dormir um pouco.-ela ficou pensativa.-Poderia olhar pela janela e ver se tem um homem com roupas chinesas parado na calçada?

-Como senhorita?-estranhando o pedido.

-Só, faça isso.-voltou a pedir. Ludmila foi até a janela, afastando a cortina e olhando para fora com atenção.-Então?

-Ninguém na calçada senhorita. Só o leiteiro que se aproxima com sua carroça.

-Ótimo!-sorriu.-Agora, vou dormir um pouco.

Ludmila concordou com um aceno de cabeça e saiu do quarto assim que viu Inis se enrolar nos cobertores para dormir. Desceu as escadas para a cozinha, evitando que a cozinheira, que assava pães para o desjejum, a visse quando cruzou os corredores para o seu quarto. Precisava tirar as roupas amassadas e vestir-se de maneira adequada para trabalhar. Após se trocar e sair do quarto, quase esbarrou no mordomo que estava bem diante de sua porta.

-Senhor. Assustou-me!-falou com a mão sobre o coração.

-Dormiu bem, Ludmila?-perguntou curioso.

-Por que pergunta?

-Está com ar...cansado.-apontando para o próprio rosto.-Olheiras.

-Não tive uma noite tranqüila.-imaginou se ele soubesse do quanto.

-Bem,vamos para a cozinha e façamos o desjejum. Preciso apresentar uma pessoa a criadagem.-disse caminhando a frente e sendo seguido pela empregada.

-Quem?-perguntou curiosa assim que entrou na cozinha e viu um homem de roupas orientais comendo com muito apetite o pão e o mingau servido a ele pela cozinheira.

-Ele se chama Dohko. E é o nosso novo jardineiro.-apresentou a Ludmila.


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Em outro lugar de Londres.

A luz entrando abruptamente no quarto em que dormia, devido ao fato de seu mordomo abrir as cortinas, fez Shura esconder o rosto no travesseiro e amaldiçoar o seu criado.

-Bom dia, señor...ou devo dizer, boa dor de cabeça, señor? Ou boa ressaca, señor?-falava com ar irônico ao abrir todas as pesadas cortinas do aposento, iluminando-o.

-Sorte sua que o conheço desde menino, Joaquim...ou eu...-resmungou, voltando a esconder o rosto no travesseiro.

-Sorte sua que seu falecido pai tenha me deixado incumbido da ingrata tarefa de não permitir que se mate de algum modo. Seja por um florete ou seja pelo uísque.-dizia, dando a volta na cama e colocando o jornal ao lado de seu senhor.

-Conhaque...não foi uísque.-respondeu Shura sonolento.

-Estamos evoluindo no processo de auto destruição?-Shura ergueu o rosto, fuzilando o velho mordomo com o olhar.-Ah, seu advogado já se encontra em Londres, precisamente em seu jardim de inverno, deliciando-se com o café da manhã que deveria ser seu. Parece feliz de algum modo.

Shura sentou-se na cama rapidamente ao ouvir isso.

-Spencer voltou? Quando? Será que ele...

-Ainda não possuo o dom da clarividência señor, mas posso indagar se o señor Spencer tem notícias da señora Hernandez Mendonza.

-Desça e diga que já o encontro. –falou saindo da cama e tocando na cabeça que latejava.-Aiii...

-Ah, sim...um mensageiro em nome da Condessa Sofia Volland veio mais cedo. A bela meretr...digo, a bela dama o aguarda em sua mansão para "conversarem".-dizia em tom desaprovador.

-Você não gosta de Sofia, não é mesmo Joaquim?

-Não é verdade, señor.-respondeu empertigado.-Ela não é adequada ao senhor e ao nome de sua família.

-E quem seria?-perguntou vestindo uma camisa branca.-Talvez...a verdadeira e desaparecida senõra Mendonza seja.

-Talvez.-respondeu o mordomo abrindo a porta.-Se não fosse, porque insiste tanto em reencontrá-la?

-Para anular este casamento fajuto e me casar com Sofia como manda a lei dos homens e de Deus?-respondeu com uma expressão carrancuda.-Agora que ela está viúva, podemos nos casar.

-Ah, sim.-disse o mordomo concordando.-Então sua incessante busca pela sua primeira esposa nada tem a ver com a imagem da jovem que seu advogado apresentou naquele quadro? Apesar de ter sido feito por um artista de rua, devo dizer que a dama é muito bela, principalmente o sorriso e os olhos. Ela tinha quanto anos mesmo? Quinze ou dezesseis?

Shura olhou para a gaveta de uma cômoda.

-Dezesseis e é exatamente isso que quero fazer Joaquim. Anular meu casamento e libertar-nos desta obrigação.

-Entendo. E isso explicaria por que ainda mantêm tal retrato nesta gaveta e olha para ele nos últimos três anos?

Shura não pode responder ao mordomo, pois esta já havia saído e fechado a porta. E realmente ainda se indagava por que ainda mantinha o retrato dela na gaveta, tão próxima a ele. Abriu a gaveta, por instinto, analisando o rosto pintado ali. Os mesmos olhos cor de mel...vivos...inocentes...tal qual se lembrava desde a última vez em que a vira. Os cabelos castanhos claros estavam presos por uma fita, mas permitiam que descessem em cascatas por seus ombros.

Tocou na tela. Quantos anos se passaram desde que a vira? Dez anos...Dez anos em que ele, um jovem inconseqüente envolvera uma menina inocente em seu jogo para garantir que não perdesse sua fortuna. Lembrava que o pai dela consentira na armação, e até foi bem recompensado por isso.

Mas a culpa o dominava desde então. Culpa esta que Joaquim sempre fazia questão de lembrá-lo. E que em breve iria terminar. A reencontraria, contaria a verdade, anularia o casamento e daria a ela liberdade e uma soma para compensar os transtornos que deve ter tido em sua vida. Depois se casaria com a bela Sofia, com quem mantinha um relacionamento há cinco anos, apesar de estar casada.

Agora, com a morte do marido, quase nada impedia que ficassem juntos. Exceto...reencontrar ela.

Após se vestir, desceu as escadas ao andar térreo e encontrou o jovem e loiro advogado se fartando com as guloseimas servidas a ele, sob o olhar reprovador de Joaquim.

-Senhor Mendonza!-saudou o advogado.-Seu cozinheiro merece meus parabéns. Quantas delícias!

-Direi isso ao mestre Vermount, Spencer. Agora...tem notícias dela? Ficou meses fora. Deve ter algo!

-Ah, claro. Sempre direto ao assunto. Bem... eu procurei por toda a Canterbury sobre um homem chamado Wight e que tinha uma filha. Bem...me disseram para conversar com o padre da cidade e eu encontrei Wight.-Shura sorriu.-Morreu dois anos depois da noite de seu "casamento". Foi cólera, pelo o que disseram.

-Morreu? E a filha dele?

-O senhor deve imaginar o que uma menina órfã e sem ninguém neste mundo enfrentaria, não senhor Mendonza?-suspirou Spencer e Shura colocou a mão sobre a boca, consternado.-Por isso as irmãs que residem em Canterbury tomaram a guarda da menina até que encontrassem algum familiar. Encontraram uma tia avó bem idosa, e a mandaram para lá...em Dover. Fui para lá, e o senhor deve saber que Dover é uma grande cidade, com um porto enorme onde pessoas do mundo todo passam por lá e...

-Diga logo Spencer o que descobriu.

-A tia avó não pode cuidar dela, a maltratava e bem...ela fugiu de casa. Sabe, o quadro que eu trouxe ao senhor, o artista de rua é de Dover. Então eu o procurei. Ela posou para o quadro a troco de ter comida e teto por alguns dias.-Shura o fitou furioso.-Mas eu soube que depois ela atraiu a atenção de uma dama e esta a levou para trabalhar em sua casa.

-Em Dover? Ela está em Dover?

-Não. Aqui em Londres. Sua esposa está em Londres senhor.


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Mansão Villers.

Uma senhora de idade olhava triste para o seu jardim, enquanto chá esfriava na rica porcelana. Ela suspirou.

-Precisa se alimentar, Viscondessa de Chanttél.-A Viscondessa olhou para o velho amigo e sorriu tristonha.

-Bom dia, Adam.-apontando para a cadeira diante dela.

-Você parece não estar tendo um bom dia, minha cara amiga.-ele comentou.-Eu ouvi a conversa que teve com seu neto quando ele chegou na madrugada.

-Oh, Adam...-ela pareceu consternada.-É tudo culpa minha!

-Por que diz isso?-perguntou, puxando a cadeira e sentando.

-Eu...por minha causa ele não ficou com uma menina por quem estava apaixonado quando mais jovem. Até hoje ele não a esqueceu. Eu não imaginava que seria assim! Pensei que ele esqueceria esta ilusão de menino!

-E quem é esta menina?

-Ela é filha do médico em Southampton...o doutor Hopkins.-ela suspirou.-Mas ela estava com outro rapaz! Não podia esconder isso de meu neto!

-Hmm, entendo.-ele pareceu refletir as informações.-Eu tive uma idéia.

-Idéia?

-Sim.-ele sorriu.-Vamos para Southampton.

-Kamus jamais voltou a Southampton depois do ocorrido!

-Talvez seja isso que ele precise. Que vá até lá e veja com seus olhos esta jovem. Ela com certeza deve estar casada e com filhos agora. Pense bem, minha cara.-ele apontou o dedo para o céu.-Ele escreve certo por linhas tortas. E se seu neto rever esta jovem, e testemunhar com seus próprios olhos que ela continuou sua vida sem ele...Kamus irá enterrar esta ilusão romântica de seu passado e com certeza irá querer seguir em frente com sua vida. E até casar-se logo!

-Tem razão.-A Viscondessa animou-se.-Já sei como farei isso. Meu aniversário se aproxima e direi que quero festejá-lo na fazenda em Southampton e que irei convidar amigos. Na verdade, "amigas"!

-Perfeito! Convença seu neto e eu convidarei as futuras candidatas...

-Não espere. Estive pensando melhor. Se eu convidar muitas moças ele desconfiará. Vou chamar apenas uma família amiga para este evento. Mas quem?

Adam Malloren sorriu.

-Eu sei quem.

Continua...


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