A princípio fiquei apenas observando o grupo de adolescentes bêbados, mas depois de segui-los por dois quarteirões minha fome estava ficando incontrolável e quando um demônio fica com fome é uma boa hora para correr. Meus olhos de castanhos passaram a ser vermelhos, meus dentes caninos dobraram de tamanho enquanto os outros ficavam mais afiados, minhas asas rasgaram minha blusa assim como minha calda fez com minha calça, minhas unhas viraram garras, agora mortíferas e muito uteis. Claro que todo esse processo levou menos tempo para acontecer do que para eu descrever.

O grupo de amigos estava bêbado mas não estava cego. Alguns saíram correndo, outros acharam que era apenas um truque de sua mente devido a alta ingestão de álcool e deitaram na calçada. Esses foram devorados, "azar o deles" pensei na hora em que vi os dois caras bombados e a magricela caídos no chão apenas dando risadas, afinal eu não sou de ferro, tenho que me alimentar. Tudo bem que eu poderia escolher uma carne de animal, ou poderia simplesmente virar vegetariana, mas venhamos e convenhamos, carne humana é bem melhor do que tofu.

Depois de terminar com meu lanchinho noturno voltei a minha aparência humana e fui a pé para casa, não estava muito longe. Quem também não estava muito longe era a Morte. Acho que agora entendo quando dizem que a Morte é inesperada.

- Nyx! - gritou ela (considere que eu digo A morte mas na verdade ela não tem sexo, mas imagine que sua voz é masculina, ok?!) - Caos* está muito, muito irritado mesmo.

- Eu sei! A moça da tv disse que ia chover hoje, mas está o maior calor!

- É sério. Você não deveria ter feito aquilo.

- Ah, qual é... um humano a menos não vai fazer diferença nesse planeta ridiculamente populoso.

- Não fará diferença no planeta, mas com certeza isso dará o que falar, e propaganda de gente morta ou desaparecida é o que não queremos.

- Isso quer dizer que me mandarão de volta pra Hell City? - disse esperançosamente.

- Não posso lhe dizer, mas Caos está aguardando na frente do portal mais próximo para ter uma conversa com você.

- Poxa vida! Que coisa mais legal! Bater um papo com o papai é o que eu mais gosto de fazer! - falei com o maior sarcasmo que consegui. Fui conduzida pela Morte até o portal e lá estava ele em uma patética forma humana. 

- E ai meu papaizinho querido, a ceifadora de almas disse que você queria falar comigo.

- Nyx, você me tira do sério. Mas não vim por causa disso, quero apenas que me dê uma boa desculpa para eu não te mandar para Tártaro.

- Tá falando sério?! Me mandar para lá é mesmo uma opção?

- Bem, Satã não parece muito contente com você.

- Você tá blefando. 

- Se você acha que estou, pode continuar matando e fazendo publicidade por ai. Quem vai arcar com as conseqüências, é você.

Talvez ele não estivesse blefando, mas Tártaro?! Aquele lugar é o inferno do inferno. Eu não gostaria de estar lá, acho que ninguém gostaria. Em todo caso, acho que eu poderia me controlar um pouco mais, ou ser mais discreta, mas não poderia mostrar fraqueza ao meu pai, eu sei que isso é o que ele quer me ver sentir.

- Tá legal, talvez eu possa ser mais discreta.

- Isso seria bom. Mas mesmo assim não confio em você, e como a Morte me deve favores ela ficará de olho em você para mim, afinal ando muito ocupado.

- O que?! Esse esqueleto de capa de chuva vai ser minha babá?!

- Eu não sou um esqueleto, muita gente acha que ...

- Que se foda! Eu acho que posso me cuidar sozinha! 

- O que está feito, está feito. Agora vá para casa, e não se preocupe a Morte é muito ocupada, não ficará ao seu lado o tempo todo, mas garanto que ela saberá de cada passo que você der, e vai me informar disso.

- Mas, mas... - suspirei e cruzei os braços - Merda!

Me virei e coloquei minhas asas para funcionar, quando estava indo em direção a minha casa meu pai simplismente estralou os dedos fazendo com que minhas asas se "guardassem", o que provocou um tombo nada agradável.

- Humanos não tem asas. - disse ele. 

- Não sou humana!

- Por enquanto você é sim! - dito isso ele foi embora. 

Também não vi mais a Morte, ela deveria estar ocupada carregando a alma de algum bebê precoce, algum velho se engasgando com a própria saliva ou talvez estivesse esperando um traficante ser baleado. Quem se importa?! 

Voltei para casa andando mesmo, e devo dizer, andar depois de cair uns 5 metros de altura não é legal. Mas que se dane, já estou morta mesmo, mas seria bom ser uma humana que não sentisse dores. Fui dormir, o que não é um hábito muito comum meu, mas neste corpo de humano, minha vida é como a de um humano, com a diferença de que eu não posso morrer. Que triste isso, não acham?!