Que... Tenso escrita por wateru


Capítulo 1
Epílogo




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Enquanto percorria o trajeto que ia da porta ao centro da sala, ela fez questão de observar cada detalhe do ambiente: era um cômodo quadrado, totalmente branco; os únicos móveis que, inclusive, destoavam da uniformidade alva do local, eram seis cadeiras metálicas dispostas em círculo.

Das seis, cinco estavam ocupadas. À medida que se aproximava do grupo, ela ia reparando a expressão facial quase unânime – só não sabia descrevê-la. Os três homens e uma das mulheres fitavam-na com austeridade. Ela não conseguiu distinguir a sensação que experimentou naquele instante: sentia-se intimidada, mas pedia aos céus que fosse apenas uma primeira impressão equivocada, talvez reforçada pela brancura das roupas que o grupo trajava; ademais, ela torcia para que as intenções daquelas pessoas fossem boas.

Antes de sentar-se, notou que a feição da senhora à sua frente se distinguia das outras por um detalhe peculiar. A mulher, sentada na outra extremidade da roda, era a tal “iniciadora” de novatos como ela. E, como se fosse arrebatada de seus pensamentos, sentou-se; somente naquele momento, ela recordou que estava vestida como os outros – e isso causou-lhe um certo embaraço (afinal, aquele não era o melhor momento para lapsos de memória).

Enfim, sua “tutora” fez um gesto com as mãos, indicando que poderia dar início à sua apresentação. Ela ainda estava bastante desconfortável com a situação, e não se sentia segura quanto ao que dizer. Mas, estando ali, não havia outra possibilidade senão falar:

– B-boa... Boa tarde. Eu sou a... – interrompeu, tentando trazer à mente o discurso que ensaiara durante horas diante do espelho.

Retomando a linha de raciocínio, corrigiu-se:

– ...Meu nome é Mario Mario, mas sou mais conhecida como Mario, e tenho 35 anos.

– Bem-vinda ao D.A., Mario. É um prazer tê-la conosco – todos disseram, como se também tivessem ensaiado a fala por horas.

 

Agora que você já sabe o nome dela, sinto-me mais à vontade. “Peguei” você, leitor(a)? Espero que sim. Ou você ainda está esperando alguma história tenebrosa? A verdade é que D.A. não passa de uma sigla inocente; não estamos diante de uma seita demoníaca ou qualquer coisa do tipo. O Desafortunados Anônimos é um grupo de apoio às vítimas do destino. Não, você não está delirando: a intenção é fazer uma história bem diferente, mesmo. Talvez você esteja estranhando meu estilo, e quem sabe comece a odiar minha escrita... Mas isso está além do meu poder, que é o de criar mundos através das histórias, e não posso te forçar a gostar delas, apenas dizer um “sinto muito”. O fato é que estou meio estafado de tantas histórias dramáticas e angustiantes (para não dizer que minhas ideias maléficas acabaram, ou, no mínimo, estão demasiado escassas). Bem, o caso é que, desta vez, nada de terror. Que se danem os assassinatos, a monstruosidade e o derramamento de sangue. Não: um pouquinho de morte, quem sabe... Não sei bem ainda. A história ainda está no começo, então vamos dar tempo ao tempo. Aliás, acho que já enrolei demais. Voltemos à história de Mario.

Ela ficou, inclusive, impressionada por não ter ouvido nenhum risinho de deboche da parte dos cinco, até então. Afinal, como dizia ela, não é comum esbarrar por aí com uma mulher chamada Mario. A tutora, percebendo a tensão da moça, tentou explicar:

– Não se acanhe, Mario. Talvez, você ainda não tenha entendido, mas o “Anônimos” no nome da nossa associação tem uma razão de ser. Todos aqui são desafortunados desde a infância, como você.

De início, Mario não compreendeu. Um dos homens presentes, tentando ser receptivo, tomou a palavra:

– Meu nome é Satam Hussein, muito prazer – Satam fez uma pausa, deixando que Mario processasse a informação. – Minha mãe achava Saddam um nome bonito, mas acho que o oficial do cartório não assistia jornais.

A segunda mulher, que estava ao lado de Satam, completou:

 

– Olá, meu nome é Afrodite de Peixes. Sou irmã do Shiryu de Dragão e do Aldebaran de Touro, mas eles não participam desse grupo. Acho que eles gostam do nome que papai deu.

Mario demorou para acreditar. A ficha devia estar emperrada em algum lugar bem alto, porque não queria cair de jeito algum. Ela nunca imaginou que pudesse haver mais alguém com o mesmo problema dela – quero dizer, dela e de sua irmã. Mas isso é história para mais tarde, não falaremos da irmã dela agora. O que aconteceu em seguida foi a apresentação dos restantes:

– Chamo-me Pútak Paril. Mamãe fez uma promessa de me batizar com o primeiro nome que ela dissesse após meu nascimento. Ela ia dizendo Jorge Antônio, mas meu pai entrou esbaforido na sala de parto perguntando qual era o primeiro verso da música Vampiro Doidão, do Raul Seixas. Mamãe acabou se esquecendo da promessa – Pútak fez uma pausa – E eu até hoje não sei o que meu pai queria com essa música.

– Me chamo Madona, muito prazer – o terceiro homem falou – Meu pai, que é argentino, quis me dar o nome do Maradona, mas o escrivão... Bem, você deve adivinhar o resto.

– Chamo-me Sofia – a tutora disse. Antes mesmo que Mario pensasse em perguntar o que aquele nome tinha de esquisito, ela completou:

– Sofia da Mãe.

Mario não resistiu e riu. Eram muitos nomes absurdos, parecia praticamente impossível que alguém não gargalhasse ao ouvi-los.

Hum... Não sei se ela fica envergonhada nessa parte. Acho que sim. Certo, ela ficou bastante envergonhada ao perceber o que estava fazendo, e pediu desculpas.

– O que eu fiz não foi certo. Agi da mesma forma que os outros agem quando ouvem o meu nome.

Sofia manteve seu olhar de serenidade, e comentou:

– Não faz mal, todos nós fizemos isso em nossas primeiras reuniões. É realmente difícil segurar o riso, admito.

Falando em admitir, admito que não gostei dessa parte (mas a preguiça de corrigir é maior). Então vou logo acabar com esse diálogo e ir para a parte quase legal.

– Mesmo assim, eu acho... – Mario iniciou.

 

– Se você quer mesmo se desculpar – Pútak interrompeu – pode fazê-lo nos contando sua... Suas histórias. Estamos ansiosos para ouvir o significado do seu nome.

Mario resignou-se, e iniciou (prepare-se, agora começa a tal “parte-quase-boa” da história):

– Bom... Minha mãe estava grávida de gêmeos, mas não sabia o sexo das crianças. Ela dizia que, se fossem meninos, iriam se chamar Periclêider e Periclévis; se fossem meninas, seriam Mariomar e Luidimar. Não sei bem como foi a gravidez e tal, só sei que nasceram duas meninas, eu e a minha irmã; na hora de registrar, fomos no cartório e o moço era gringo (parece que ele era italiano, suíço, uma coisa assim), e, pelo que eu entendi, ele ouviu errado e escreveu qualquer coisa nas certidões. E a minha mãe (tadinha, morreu sem saber escrever o próprio nome) achou que ‘tava tudo certo e levou nós pra casa – Sofia fez uma careta de nojo quando ouviu “levou nós”, mas relevou. – Por isso ficou assim: Mario Mario e Luigi Mario.

– Entendo – Sofia falou, ainda com aquela expressão serena. – Você tem uma bela história. – Os outros confirmaram com a cabeça, solícitos – Prossiga.

Mario acomodou-se na cadeira. Gradativamente, a vergonha ia se esvaindo, e ela ficava mais confortável. Eu, pelo contrário, senti um grande rebuliço no estômago quando transcrevi sua fala. Acho que, no próximo capítulo, eu mesmo contarei o resto de sua história. Talvez meu vocabulário seja um pouco melhor, e isso pode ajudá-lo(a) a chegar ao fim desta história sem [muitas] dores de cabeça.

Até o próximo capítulo, pessoa que está lendo isto. Fique agora com a cena de Mario iniciando seu monólogo.

– O que aconteceu foi o seguinte...


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram do gender bender? E do novo estilo de escrita?
Comentem!