Kumo no Ito escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 5
Capítulo 4




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          A noite havia caído silenciosamente na pequena vila de Ohira, apenas o som de grilos e ocasionais sapos preenchendo o ar noturno. Murmurando uma cantiga popular para si mesmo enquanto se banhava, Ni~ya deixou seu corpo descansar contra a madeira do ofuro, afundando até a água tocar a ponta dos seus cabelos negros.
          Preguiçosamente, o ronin ergueu os olhos castanhos e se pôs a observar as formas espiraladas que o vapor da água do seu banho produziam, subindo devagar até encontrarem o teto e daí se dispersando. Um longo suspiro de contentamento escapou dos seus lábios, segundos antes de uma voz conhecida chegar aos seus ouvidos vinda do corredor que dava acesso ao ofuro onde ele se encontrava.
          - Ni~ya-san? Michiko-san está perguntando se você quer mais água para o seu banho.
          - Iya, está perfeito assim, Yomi-san. Agradeça novamente a ela, já estou saindo.
          Mais cedo naquele dia, o sacerdote havia insinuado que moças do vilarejo deixariam que ele tomasse banho de bom grado nas suas casas, e, embora usufruir dessa hospitalidade não tivesse sido idéia inicial do espadachim, ele acabou aceitando depois que a terceira garota do povoado havia lhe oferecido o mesmo favor. Piscando, Ni~ya imaginou se isso tudo era creditado somente à confiança que as pessoas tinham no "dom" de Yomi: a habilidade do religioso de distinguir as intenções verdadeiras das pessoas.
          Distraído por alguns momentos no seu banho, o bushi de repente se colocou em posição de defesa dentro da água quando a porta do aposento repentinamente se abriu, revelando a figura de baixa estatura do sacerdote que agora tinha um olhar assustado no rosto. Ni~ya relaxou imediatamente, voltando a ficar quase totalmente submerso no seu banho.
          - Ni~ya-san... Não faça isso de novo, onegai.
          - Gomen nasai, Yomi-san. É que você não fez barulho e me... Assustou.
          - Ah, entendi. Desculpe. É que eu precisava trazer alguma coisa para você vestir depois do banho. - o homem mais baixo falou, indicando com a cabeça um conjunto leve de roupas que ele acabou deixando sobre um banquinho rústico de madeira - Peguei emprestado pelas redondezas. Aliás, uma das moças de mais cedo disse que está costurando roupas novas para você; amanhã de manhã ficam prontas.
          Ni~ya provavelmente arregalou os olhos mais do que havia imaginado, porque o sacerdote começou a rir sozinho.
          - Não se preocupe, Ni~ya-san... Você não está dando trabalho nenhum.
          - Mas... Mas eu...
          - Está tudo certo. - o mais baixinho dos dois homens sorriu com sinceridade e alegria que o espadachim não via há muito tempo, e acabou respondendo com uma genuína curva nos seus lábios também. Logo a seguir seu olhar caiu para o chão do aposento, pouco atrás de Yomi, onde estavam duas manchas de um tom de marrom escuro e surpreendentemente parecidas com pés humanos. O religioso logo seguiu os olhos do homem moreno e encontrou as suas pegadas de terra, engolindo em seco logo depois.
          - Yomi-san!
          A voz da bondosa garota que havia aquecido a água para Ni~ya ecoou pela casa, e Yomi saiu correndo pelo corredor, emendando uma desculpa na outra e prometendo limpar a terra naquele momento. Sozinho novamente no ofuro, o ex-samurai riu junto com as paredes do pequeno cômodo, sacudindo a cabeça e saindo da água, rapidamente se enxugando e vestindo as roupas que lhe haviam sido emprestadas para ir ajudar o desastrado religioso.
          Em dois, a tarefa de limpar o piso de madeira da casa da gentil Michiko havia sido fácil, e os dois se despediram da mesma logo em seguida para retornar ao santuário. No caminho de volta, iluminado por uma lanterna que Yomi trazia na sua mão direita, Ni~ya notou que o sacerdote continuava andando descalço pelas ruas de terra.
          - Yomi-san, por que anda descalço pela vila?
          - Ah, não consigo usar essas sandálias... - ele replicou com uma nota de agonia na voz que se reproduziu no seu rosto também, involuntariamente fazendo Ni~ya sorrir - Não sei explicar por que, mas me sinto preso. Assim é bem melhor.
          - Acho que é a primeira vez que vejo alguém com esse hábito.
          - Ah, mas não tem problema nenhum em fazer isso aqui em Ohira. Nunca irei para um campo de batalha para me preocupar com coisas afiadas ou escondidas na terra.
          A dupla logo chegou de volta ao santuário, contornando o lago das carpas com cuidado antes de entrarem na construção principal. Yomi limpou os próprios pés cuidadosamente na entrada, talvez por causa da bronca que havia levado recentemente. Quando terminou, guiou Ni~ya mais uma vez pelo corredor e para um quarto onde o bushi poderia passar a noite tranqüilamente.
          - Tem um buraco no teto aqui... - Yomi falou, apontando para o alto e erguendo a lanterna para que o ronin pudesse ver o problema, embora o buraco fosse fácil de localizar por deixar a luz prateada da lua entrar no quarto - Mas não estamos em época de chuvas então não deve acontecer nada. Tudo bem por você, Ni~ya-san?
          - Absolutamente. - o outro replicou com um sorriso enquanto se caminhava pelo tatami e se preparava para deitar, não muito longe do pequeno buraco circular no teto - Se precisar de alguma coisa, pode me chamar, está bem?
          - Pode deixar, ronin-sama. - Yomi piscou um dos olhos e acenou da porta, antes de fechá-la - Oyasumi nasai, Ni~ya-san!
          - Oyasumi nasai!
          Quando havia se deitado e coberto no quarto, os ouvidos do bushi seguiram o barulho dos passos de Yomi, ouvindo-o se locomover para pelo menos três lugares diferentes no templo até ele parar, conversar com alguém e finalmente apagar a lanterna, coisa que Ni~ya pôde deduzir ao ver que a claridade do lado de fora do seu quarto havia sumido. O santuário estava agora imerso em escuridão e silêncio, mas por algum motivo a mente do ronin não conseguia descansar, apesar das condições propícias para isso.
          O moreno ficou olhando para o teto por longos minutos, mais precisamente para o furo que deixava o luar entrar; as partículas de poeira que ele conseguia ver perfeitamente da sua posição pareciam dançar com graça e leveza, algumas delas às vezes entrando na escuridão do resto do quarto e outras por sua vez aparecendo repentinamente na luz, sem parar. Um sorriso gentil apareceu no rosto do bushi deitado, encantado com a imagem inesperada que lhe era exibida, fruto de um suposto problema.
          Ni~ya não sabia dizer por quanto tempo havia observado a dança daquelas pequenas partículas na noite quieta da vila, mas repentinamente o silêncio não era mais tão opressor. No tempo de uma piscada de olhos, o ronin já se encontrava em modo de batalha novamente, levantando-se do seu leito improvisado no tatami e franzindo o cenho. Sim, ele definitivamente estava ouvindo algo estranho, e os seus reflexos adquiridos em combates, aliados aos seus instintos guerreiros, não deixavam que ele se deitasse em paz novamente.
          Com passos decididos, o samurai foi até onde Yomi havia deixado uma lanterna para ele mais cedo, acendendo a mesma e logo em seguida apanhando a sua katana que jazia encostada contra a parede, a poucos metros de distância de onde ele estivera deitado. Em total estado de alerta, ele abriu a porta e caminhou sem fazer barulho pelo corredor, iluminando as portas de correr feitas de papel até localizar o sacerdote pela sombra do mesmo deitado no chão, em um dos outros quartos.
          Yomi estava deitado de barriga para cima, sua boca entreaberta e deixando escapar roncos que não eram altos o suficiente para serem ouvidos a muita distância daquele cômodo. Ni~ya rapidamente tocou-o no ombro, repetindo o gesto com mais força e urgência quando notou que o outro homem ainda dormia.
          Os barulhos estranhos que o moreno escutara ao lado de fora ainda chegavam aos seus ouvidos, e ele tinha certeza de que ruídos metálicos também estavam presentes entre eles, além do barulho de cavalos. Ficando cada vez mais apreensivo e sentindo a adrenalina disparar no seu sangue como em tempos de guerra, Ni~ya apertou os lábios antes de optar por medidas drásticas:
          - Yomi!
          O grito do ronin foi o bastante para acordar o sacerdote, que por um momento se afastou com movimentos desastrados do moreno; sob a luz da lanterna que Ni~ya segurava, o ex-samurai realmente parecia assustador, ainda mais com uma katana na sua mão direita.
          - Ni~ya-san! O quê está acontecendo?
          - Estou ouvindo barulho lá fora, Yomi-san. Acho que ouvi ruídos de espadas também.
          - A essa hora? - o outro perguntou, esfregando os olhos ainda pesados do sono - Po-pode ser apenas a sua i-imagina... - enquanto o mais baixinho dos dois homens bocejava, o relincho nítido de um cavalo foi ouvido, colocando finalmente o religioso em um estado de agitação semelhante ao do guerreiro - Kami-sama! Vamos, vamos! Alguma coisa está acontecendo!
          Ni~ya tinha que reconhecer que para quem parecia prestes a cair no sono novamente há poucos segundos, Yomi agora estava bem acordado. O homem de cabelos castanhos pegou também uma lanterna, indo na frente do bushi e fazendo o caminho de volta para a vila, virando-se para trás em alguns momentos para ter certeza de que o ronin não havia se perdido.
          Ao chegarem na parte principal da vila, as janelas de algumas casinhas já começavam a se abrir e moradores curiosos e sonolentos espiavam para fora, surpreendendo-se com a presença determinada do sacerdote local e também do recém-chegado guerreiro. De repente, o barulho de vidro quebrando unido a mais um relincho foi tudo que precedeu a subida de uma labareda imensa para o céu, evidenciando um incêndio na vila. 
          Gritos desesperados de mulheres e crianças logo se seguiram, e Yomi passou a correr, gritando para que todos que não soubessem ou não pudessem lutar fossem para o santuário. Ni~ya apertou o passo e disparou atrás do religioso, instruindo as pessoas que encontrava em pânico para que se acalmassem e avisassem também seus vizinhos e amigos sobre o ocorrido.
          Os dois conseguiram chegar à rua principal com alguma facilidade, vendo onde estava o incêndio e notando também que aproximadamente três figuras montadas em cavalos eram os responsáveis pela desordem. Alguns dos homens da vila haviam iniciado uma investida contra os forasteiros, armados de instrumentos de agricultura e também com espadas, embora estivessem em óbvia desvantagem; era difícil acertar os invasores por causa da altura que eles ganhavam ao estarem montados.
          - Yomi! Vá ajudar na retirada das pessoas; eu vou deter esses invasores!
          O sacerdote se virou na direção de Ni~ya, recebendo deste a lanterna que ele segurara até então; com o fogo, não era mais necessário carregá-las para enxergar o que acontecia.
          - Vai ficar bem, Ni~ya-san? Tem certeza? - o outro perguntou aflito, antes de fechar os olhos e murmurar uma prece, protegendo o bushi - Que os deuses estejam com você, Ni~ya-san. Nossa vila depende do seu sucesso.
          Com apenas um aceno de cabeça os dois se separaram, o samurai já retirando sua katana da bainha e dirigindo-se para o meio do confronto. Ao chegar mais perto, notou com alívio que os moradores o reconheceram e não o repeliram, mas percebeu também que não eram apenas três pessoas que estavam conturbando a noite na pequena Ohira; haviam mais outros homens a pé, mas esses estavam sendo combatidos com certo sucesso pelos homens da vila.
          Decidido a atacar os cavalos, o bushi se lançou contra os homens montados, primeiro eliminando os animais; eram bons eqüinos, mas não havia como derrotar os homens que eles carregavam sem primeiro tirar os próprios cavalos deles. Inesperadamente, um dos saqueadores que estivera montado acabou quebrando o pescoço quando caiu do seu cavalo ferido, e Ni~ya passou a ter apenas dois homens para se preocupar.
          Os dois salteadores restantes não estavam nada contentes por terem perdido seus animais e o bushi podia ver isso na expressão mais assassina que havia aparecido no rosto deles. No entanto, assim que ambos perceberam que estavam lidando com alguém treinado no caminho da espada eles acabaram perdendo parte da determinação que tinham em fazer de Ni~ya a sua presa, de forma que foi relativamente simples para que o ex-samurai abatesse os dois homens para poder auxiliar então os moradores da vila com o resto do bando.
          Alguns acabaram fugindo, vendo que os líderes haviam morrido pela lâmina do ronin, enquanto uns dois outros haviam sido mortos pelos homens de Ohira. Assim que o combate se encerrou, a preocupação de todos foi apagar o incêndio que agora já consumia três casas e parecia querer engolir mais coisas ainda para alimentar a sua chama.
          Yomi apareceu nessa hora, gritando instruções e organizando todos para deter o fogo. Mulheres e crianças ajudaram a trazer baldes e mais baldes de água de poços e alguns do lago das carpas do templo, que depois de extensivos minutos acabaram por extinguir o fogo; gritos de alegria e vivas preencheram o ar noturno quando somente a fumaça resultante das labaredas apagadas era vista deixando os escombros das três pobres moradias consumidas no incêndio.
          Devagar, os moradores foram retornando para as suas casas, e aqueles que haviam sido desalojados pelo fogo se dirigiram para o santuário, onde o hiperativo sacerdote arrumou acomodações temporárias para as três famílias. Mulheres com conhecimentos medicinais, além do próprio Yomi, visitaram as casas onde os homens que haviam combatido estavam, tratando de ferimentos. Felizmente, ninguém havia morrido entre os habitantes da vila.
          Ni~ya exibia apenas um corte no seu braço esquerdo, que mal havia sangrado; a ponta da espada de um dos saqueadores havia rasgado a manga do conjunto leve de roupas que usara para dormir, e acabou por cortar horizontalmente a pele do ronin naquele ponto. Uma das senhoras da vila rapidamente se prontificou a atendê-lo e, quando amanheceu, a luz do sol trouxe a realização de que todos ali haviam escapado de um destino terrível graças ao ronin que havia sido castigado com tanta desconfiança antes.

          - Mou ichidou, Sakayume-san. Onegai. [1]
          O herdeiro dos Edokawa concordou com a cabeça e suspirou profundamente antes de reproduzir o passo de dança que Etsuko estiver ensinando-lhe pelos últimos trinta e cinco minutos. Sakito se concentrou nos movimentos suaves e calmos, procurando transmitir a sensação que a história daquela dança pedia.
          - Pode parar. Sakayume-san. Não está funcionando...
          Sakito interrompeu pela enésima vez naquela noite o passo, sentando-se no piso de madeira e olhando para Hitsugi com desânimo evidente no rosto, enquanto a irmã do famoso taikomochi analisava desde o piso onde estiveram treinando até a iluminação da sala.
          - Hitsugi-sama... Eu não sei se consigo fazer essa dança.
          - Consegue, Sakayume-san! Eu sinto que consegue! - Etsuko falou do seu lugar, instruindo Yamaguchi a trocar algumas lanternas antes de se voltar para o aprendiz de taikomochi - Começamos apenas esta semana o seu treinamento; com a sua dedicação, ele trará frutos.
          - Não poderia me expressar melhor. - o taikomochi experiente concordou com um sorriso, levantando-se da sua posição no chão e caminhando até onde os outros dois estiveram ensaiando.
          Mesmo sem os kimonos rebuscados que Sakito havia se acostumado a ver no corpo do outro homem, Hitsugi tinha a mesma aura de alguém importante e sofisticado, mesmo com pouca altura. Na verdade, o herdeiro dos Edokawa havia se assustado ao ver o seu mentor em roupas tão simples.
          - Talvez eu devesse tentar outra coisa? - o jovem nobre sugeriu, não omitindo uma pequena nota de esperança na voz; a dança havia ocupado o dia inteiro e ele estava ficando cansado. Nessa hora, Hitsugi perfurou-o com mais de um dos seus olhares penetrantes.
          - Sakayume-san. Você honestamente acredita que não pode fazer isso ou está apenas cansado?
          O jovem de cabelos castanhos parou por alguns segundos, tentando decifrar algum significado especial na pergunta do seu mentor, mas não encontrou nada. No entanto, o jeito que Hitsugi o olhava sempre dava a impressão de que ele queria dizer muito mais do que poderia parecer a primeira vista.
          - Acho que estou cansado, Hitsugi-san.
          - Sabe, Sakayume-san. Você nunca pode demonstrar que está cansado na frente do seus clientes, por mais longa que a festa seja. Jamais. Isso é praticamente uma regra. - o taikomochi falou, um pequeno sorriso dançando no seu rosto enquanto Etsuko e Yamaguchi terminavam de arrumar as lanternas da sala - Você tem que aprender as esconder os seus sentimentos verdadeiros enquanto estiver entretendo pessoas, mas saber demonstrá-los na hora certa é a chave para o sucesso.
          - Chave para... O sucesso? - o aprendiz repetiu mecanicamente.
          - Exatamente. Essa dança passa sofrimento, angústia; coisas que você certamente já viveu. É hora de aproveitar e deixar que todos sintam, apreendam essas coisas de você. Seus olhos, Sakayume-san... - Hitsugi usou a mão direita para virar o rosto de Sakito mais para cima, colocando seus olhos sob a luz das lanternas, os outros dois ocupantes do quarto apenas observando a cena - Seus olhos são a janela para a sua alma e é exatamente alma, presença que está faltando na sua dança. Seus movimentos são lindos como os de uma flor ao vento... Mas você não é somente um lírio na tempestade, Sakayume-san. Deixe que os outros sintam isso também.
          Sakito teve a certeza de que o silêncio nunca fora tão pesado como naquela noite; silêncio esse que não foi quebrado quando ele voltou ao lugar que estivera ensaiando, ignorando os sinais físicos de cansaço que seu corpo mandava e concentrando-se nas memórias da noite do incêndio da sua casa, lembrando novamente de coisas que ele havia desejado esquecer com toda a sua força.
          Quando o aprendiz de taikomochi reabriu os olhos, eles brilhavam ligeiramente: fruto das lágrimas que haviam sido causadas pelas memórias. Com determinação e leveza, Sakito refez os passos estudados naquela manhã, tomando o cuidado de focalizar atentamente os olhos do seu mestre com os seus em uma passagem específica que lhe dava a oportunidade de olhar para alguém que o assistia.
          Ao terminar, as palmas dos outros três habitantes da casa converteram as lágrimas de tristeza dos seus olhos em outras de alegria, sorrindo com evidente alívio ao deixar que seu corpo fizesse contato novamente com o chão para descansar. Hitsugi veio ao seu encontro, um sorriso que misturava prazer e orgulho estampado no seu rosto.
          - Era exatamente isso que estava faltando. Sakayume-san, você nasceu para dançar, é um fato.
          - Até porque, sinto lhe dizer... Mas suas habilidades com o shamisen são nulas. - Etsuko acrescentou com um pequeno sorriso, provocando um maior no aprendiz.
          - Eu sei, eu sei... Mas pelo menos posso jogar go decentemente.
          - "Decentemente". Essa é a palavra chave. - Hitsugi aprovou a fala do outro com um aceno de cabeça, pedindo para que Yamaguchi trouxesse sake para eles por meio de gestos - Nenhum taikomochi deve jogar go bem demais a ponto de frustrar os clientes por não perder jamais nem ser tão fraco a ponto de não se provar um desafio. 
          A irmã de Hitsugi concordou silenciosamente com suas palavras, enquanto Sakito arregalou os olhos surpreso; como era possível que o seu mentor pudesse falar tantas coisas que não só faziam sentido como deixavam entrever a profundidade de seus pensamentos? Não era à toa que Hitsugi era o melhor no seu ramo, tido como aquele que era capaz de animar até mesmo velórios.
          - Amanhã haverá uma reunião de alguns nobres para a qual eu fui requisitado... Começarei a espalhar as notícias de que acolhi um aprendiz. Aquele casamento de que lhe falei foi confirmado, e logo a filha dos Kano se casará.
          - Aa! Então o casamento era da família Kano? - Etsuko comentou com assombro - A festa deverá ser realmente bonita; vai ser muito bom para Sakayume-san fazer sua estréia! - a mulher juntou as mãos na frente do corpo, sorrindo com entusiasmo - Todos os membros mais importantes da sociedade de Edo estarão lá!
          - Com certeza. - Hitsugi concordou com a irmã - Não temos muito tempo, mas depois do progresso que vi hoje com a dança, acho que não será essa a nossa maior preocupação. - o taikomochi sorriu amavelmente para o seu pupilo antes de pedir para que todos fizessem um círculo no chão, onde o sake foi logo depositado por Yamaguchi.
          - Vamos comemorar? - Sakito perguntou inocentemente, erguendo o rosto para fitar o seu mestre e percebendo que, pelo sorriso deste, não era ainda hora do descanso.
          - Vamos... O sake é todo seu, Sakayume-san, se conseguir servi-lo a nós três do jeito que um taikomochi deve.
          - Do jeito de um taikomochi? - o herdeiro dos Edokawa abriu e fechou a boca duas vezes, assemelhando-se a um peixe fora d'água antes de balançar a cabeça para organizar suas idéias. Muito bem, era mais um desafio de Hitsugi.
          - Sim.
          - Muito bem, Hitsugi-san. - Sakito concordou com um pequeno sorriso, tomando cuidado com as mangas da sua vestimenta e a inclinação do seu corpo. Ele realmente queria um pouco de sake para relaxar depois de um dia tão intenso... Um dia que, pelo menos, havia recuperado parte da sua auto-estima que parecia ter sido queimada no incêndio que consumira tudo que lhe era mais querido até então.


[1] Mais uma vez, Sakayume-san. Por favor.


Continua...


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Notas finais do capítulo

Apenas uma nota final: Ni~ya estava tomando banho num ofuro, que é como se fosse uma grande tina de madeira. Um exemplo pode ser visto aqui. Ofuro (お風呂) pode designar tanto a "banheira" quanto o próprio cômodo onde se toma banho; antigamente (e aqui eu estou me baseando em descrições/imagens de animes passados naquela época, tipo Rurouni Kenshin e livros como Musashi), aquecia-se a água do ofuro pelo lado de fora da casa, em uma abertura na parede onde se colocava lenha para manter a água do lado de dentro da casa, na tina de madeira, quente. Era meio trabalhoso porque a água aquece devagar (o calor específico dela é alto) e ainda por cima, costumava ser em grande quantidade - suficiente para alguém tomar banho, ne. E antes que eu esqueça! Ofuros não eram bem para tomar banho (as pessoas se limpavam -antes- de entrar no ofuro) e sim para relaxar. Eu usei o verbo "banhar-se", no entanto... Digamos que foi licença poética para evitar a repetição de palavras, hehe.



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